Futuros Melhores

Qual a importância das políticas públicas no combate às desigualdades de gênero?

28/março/2023

Para além de um mês comemorativo, março traz uma série de reflexões sobre a luta das mulheres para vencer as desigualdades de gênero. Porém, esse é um problema que não se enfrenta individualmente e sim no coletivo, com o apoio de políticas públicas. 

Ainda estamos em março, período popularmente conhecido como o ‘Mês das Mulheres’ e precisamos falar sobre os feitos incríveis de mulheres brasileiras na ciência. Como, por exemplo, a trajetória de Bertha Lutz (1894-1976), segunda mulher a fazer parte do serviço público do Brasil e que participou da Conferência das Nações Unidas em São Francisco (EUA), em 1945, lutando para incluir menções sobre igualdade de gênero na Carta das Nações Unidas. 

Elisa Frota Pessoa (1921-2018) foi uma das pioneiras na ciência no país, contrariando seu pai, que via o casamento como único futuro possível para as meninas daquele tempo. Também temos Enedina Alves Marques (1913-1981), primeira engenheira negra do Brasil, e Luiza Bairros (1953-2016), que foi ministra-chefe da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Brasil. 

Atualmente, também temos nomes importantes na ciência brasileira, como Débora Menezes, primeira mulher eleita presidenta da Sociedade Brasileira de Física, e Nadia Ayad, que criou um mecanismo sustentável que torna a água potável. No cenário internacional, temos Márcia Barbosa, integrante da Academia Mundial de Ciências, eleita como uma das 20 mulheres mais poderosas do Brasil pela revista Forbes em 2020 e Vivian Miranda, única brasileira a integrar um projeto com a Nasa para desenvolver um satélite. 

Na divulgação científica temos Natália Pasternak, cientista que recebeu o prêmio Navalha de Ockham da publicação britânica The Skeptic Reason with Compassion, pelos esforços no combate à desinformação durante a pandemia. Neste período, a cientista negra Jaqueline Goes de Jesus também ficou internacionalmente conhecida por participar da identificação dos primeiros genomas do novo coronavírus, apenas 48 horas depois da confirmação do primeiro caso de Covid-19 no Brasil. 

Poderíamos fazer uma série de posts com essas e diversas outras histórias de mulheres que alcançaram posições de destaque graças ao seu talento e competência e estão abrindo o caminho para a próxima geração de mulheres inovadoras.  

Acreditamos na capacidade das pessoas de superar desafios e remar contra a maré, mas seria justo falar sobre representatividade se apoiando apenas na força extraordinária de exemplos que conseguiram vencer o status quo, sem avaliar o peso da realidade da maioria esmagadora das mulheres, que sofrem com vieses, preconceitos e violência de gênero em suas rotinas profissionais e domésticas? Afinal, enaltecer o mérito individual não pode esconder a importância de olharmos para a necessidade de reparação coletiva para que, um dia, o mês da mulher seja tempo de celebrar a equidade para todas nós.

Por isso, também precisamos falar sobre como essas mulheres ainda são, sim, pontos fora da curva e sobre a necessidade de desenvolver estratégias coletivas de médio a longo prazo para que a presença das mulheres na ciência, inovação, empreendedorismo, principalmente em cargos de liderança, se torne uma constante e não ocasiões extraordinárias.

Pegue um café e confira como as políticas públicas podem apoiar o combate às desigualdades de gênero.   

Políticas públicas e desigualdades de gênero 

A desigualdade de gênero é um problema estrutural latente no país. No ranking Global Gender Gap Report, relatório global de desigualdade de gênero organizado pelo Fórum Econômico Mundial, o Brasil ocupa o 94º lugar entre 146 nações. No desempenho por regiões, temos um dos piores índices da América Latina e Caribe: entre 22 países estamos à frente apenas de Belize e da Guatemala.  

Já no âmbito acadêmico, o projeto Diversidade na Ciência Brasileira – iniciativa desenvolvida pelo Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (GEMAA) com o apoio do Instituto Serrapilheira – apontou que há uma diminuição do contingente de mulheres à medida que as carreiras progridem. O estudo, que se baseou em dados da Capes, mostrou o chamado “efeito tesoura”. 

Também conhecido como “teto de vidro”, o termo é utilizado para ilustrar como as mulheres vão perdendo espaço nas estatísticas relacionadas às ciências, com o passar dos anos. Perpetuação de estereótipos, baixa cultura de inclusão, escassez de recursos financeiros e políticos, além da falta de apoio ao equilíbrio entre vida pessoal e profissional são alguns dos motivos, normalmente, associados a esse corte na carreira das pesquisadoras. Saiba mais aqui

Muitas coisas estão sendo feitas, porém para que esses dados sejam alterados ao longo dos anos é preciso políticas públicas e ações afirmativas. Voltadas para grupos que sofrem discriminação étnica, racial ou de gênero, as políticas afirmativas têm como objetivo promover a inclusão socioeconômica de populações historicamente privadas do acesso a oportunidades.

Um exemplo é a Lei de Cotas, política pública que visa proporcionar o acesso ao ensino superior a determinados grupos que sofrem desigualdade social em função de raça, gênero ou deficiência. Resultado da mobilização do movimento negro, a lei federal tem conseguido durante a última década alterar as salas de aulas das universidades brasileiras, assim como uma geração de beneficiários e suas famílias.

Para se ter uma ideia, o levantamento do Consórcio de Acompanhamento de Ações Afirmativas indica que em 2012 estudantes pretos, pardos e indígenas (PPI) correspondiam a 43,7% dos universitários, já em 2021 eram  57%. Além disso, um estudo realizado pela Box1824 e Empodera concluiu que as universidades federais representam um espaço inédito para muitas famílias. Os dados mostraram que 95% dos cotistas entrevistados afirmaram que o ingresso no ensino superior foi motivo de orgulho para a família, enquanto 46% declararam que foram as primeiras pessoas da família a cursar uma faculdade, materializando sonhos de várias gerações. 

Essa é também a realidade da jornalista que escreve esse texto. Filha de pai semi-analfabeto e mãe técnica de enfermagem, estudei em escola pública toda a minha vida e não via a possibilidade de ingressar em uma universidade particular, mesmo sempre tirando boas notas. A minha única opção era ingressar em uma universidade pública e por isso meus pais se esforçaram para pagar – com dificuldades um cursinho pré-vestibular. 

Na época, minha rotina era escola, cursinho e estudar em casa (e agradecia por não precisar trabalhar, como alguns dos meus colegas). Contudo, graças à Lei de Cotas eu pude ingressar no curso de jornalismo em 2013 e ser a primeira da família da minha mãe a se formar. Hoje em dia, já tenho outras primas formadas e até mesmo algumas tias vêem o ensino superior como uma possibilidade de realocação profissional.

A Lei de Cotas me deu a oportunidade que eu precisava para ingressar na faculdade e realizar os meus sonhos. Hoje, além da graduação, já me formei em duas pós-graduações e estou me preparando para tentar um mestrado. 

A importância das políticas públicas 

Segundo Ana Calçado, CEO da Wylinka e doutoranda pela USP em Políticas Públicas de Inovação, as políticas públicas possuem uma grande influência na forma como as empresas e organizações lidam com questões de diversidade e inclusão. “Quando a esfera pública se mobiliza em prol da equidade, há um efeito positivo na esfera privada, incentivando a tomar medidas concretas para promover a inclusão”, informa. 

Contudo, a pesquisadora destaca que, embora seja animador ver um aumento das políticas públicas destinadas às minorias, é preciso ir além. “É preciso adaptar as políticas existentes nos campos do empreendedorismo, negócios, tecnologia, inovação e talentos para garantir que a diversidade e inclusão sejam estimuladas de forma intencional”, ressalta.

Conheça algumas iniciativas brasileiras aqui!

 “Somente quando todo o ecossistema se esforçar para criar ambientes inclusivos, onde todas as vozes sejam valorizadas, poderemos alcançar a verdadeira igualdade”, Ana Calçado. 

Recentemente o governo anunciou um pacote de ações para assegurar os direitos das mulheres. Entre as medidas divulgadas está o envio ao Congresso Nacional de um projeto de lei que visa garantir o pagamento pelo empregador de salários iguais para homens e mulheres que exercem a mesma função, assim como a abertura de vagas em cursos e programas de educação profissional e tecnológica para 20 mil mulheres em situação de vulnerabilidade nos próximos dois anos. 

Na ciência, o governo anunciou a Política Nacional de Inclusão, Permanência e Ascensão de Meninas e Mulheres na Ciência, Tecnologia e Inovação. A previsão é de que o CNPq disponibilize R$100 milhões de reais para financiar projetos de mulheres nas ciências exatas, engenharia e computação. Saiba mais sobre o edital aqui!  

Inovação na luta  

Na Wylinka, acreditamos que esse é um problema de todos e que a inovação também pode ser uma grande aliada do setor público nessa caminhada. Um dos resultados que nos orgulhamos foi desenvolvido no programa Mobiliza.DF pela equipe Mobilizaelas. O grupo desenvolveu uma plataforma digital para conectar mulheres, o objetivo é induzir encontros, fomentar redes e oferecer capacitações.  

Além disso, recentemente, a Wylinka, junto ao British Council, ofertou o Treinamento Mulheres em Tech – Lideranças Inclusivas para a sua equipe e para mulheres que já passaram pelos nossos programas. Ao todo foram 23 mulheres certificadas como lideranças na área de STEM.  

A Wylinka também contribuiu na execução do Mulheres Inovadoras 2022, programa da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) em parceria com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. A iniciativa buscou estimular startups lideradas por mulheres, de forma a contribuir para o aumento da representatividade feminina no cenário empreendedor nacional, por meio da capacitação e do reconhecimento de empreendimentos que possam favorecer o incremento da competitividade brasileira. Saiba mais aqui!

Quer saber mais? 

  • Série Potência Amazônica: conheça a história e trajetória de mulheres que são lideranças na ciência, inovação e empreendedorismo na Amazônia. 

Referência 

https://www.bbc.com/portuguese/articles/c4nljwjq0nno

Tuany Alves  – jornalista especializada em divulgação científica e analista de comunicação pela Wylinka.

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