Potência Amazônica

Potência Amazônica: Como empreender a ciência na Amazônia?

08/julho/2022

Palavras-chave: Empreender, Amazônia e Ciência

O Brasil é líder mundial na produção de conhecimento científico no tema de biocompostos amazônicos. As publicações abordam principalmente saúde, cosméticos e alimentos, além de gerar tecnologias baseadas no uso de novos insumos amazônicos ou no reposicionamento dos já existentes para outros fins. Porém, há um vale da morte que precisamos ultrapassar para que todo esse conhecimento chegue ao dia a dia das pessoas. Para se ter uma ideia, apenas 1,6% da produção científica vira inovação no Brasil

Essa dor não é nova! Em 2001, o professor do curso de Farmácia da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Schubert Pinto, já tinha percebido que muita coisa estava sendo feita na Universidade, mas que esse conhecimento ficava restrito às bibliotecas, laboratórios e defesas de dissertações. Assim, surgiu nele o sonho de levar para a sociedade esse conhecimento tão rico, desenvolvido a partir de uma biodiversidade imensa da Floresta Amazônica. Para isso fundou a Pharmakos D’Amazônia.

Mais de 20 anos depois, Schubert está aposentado, porém sua filha, Samara Rodrigues, ainda gerencia e mantém vivo seu sonho de levar o conhecimento científico das prateleiras da Universidade para as casas das pessoas por meio dos seus cosméticos. Segundo a pesquisadora, também formada em Farmácia, a Pharmakos começou pequena, em uma incubadora, e hoje em dia possui mais de 200 produtos na área de cosméticos produzidos a partir de extratos e essências da região.

Para entender melhor como eles empreendem esse conhecimento científico, conversamos com a Samara, que nos contou todas as dores e amores de empreender. Vamos lá?

Da pesquisa ao gerenciamento de uma empresa

Curiosa desde criança, Samara tinha uma certeza em sua vida: iria seguir os passos do pai e fazer faculdade de Farmácia. A mãe, bancária, até tentou convencer a filha a prestar medicina, advocacia ou tentar concursos públicos, porém Rodrigues sabia que seu destino era trabalhar com os vidrinhos que via sempre que ia para o trabalho do pai. 

“Quando criança eu ia para o quintal da minha casa e pegava álcool da minha mãe e flores para fazer perfumes. Eu ainda fazia as pessoas comprarem meus perfumes. O cheiro devia ser horrível, mas queria vender para toda a vizinhança”, lembra com carinho. 

A pesquisadora então fez vestibular e passou na Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e até chegou a ser aluna de seu pai. “Nessa época, a Pharmakos também foi criada e eu acabei focando nessa área que eu sempre amei, que são as plantas e óleos essenciais”, conta. Samara também se especializou em Bioquímica dos Alimentos e Cosmetologia, sempre atuando na empresa da família. 

Contudo a pesquisadora sentia falta de um conhecimento muito importante na empresa: “tínhamos um farmacêutico e um economista, o que faltava? Uma administradora!”. A partir dessa percepção a pesquisadora acabou se especializando em Administração de Empresas, o que acabou por afastá-la da parte farmacêutica, mas levou-a à gerência da empresa, onde está à frente de diversos projetos inovadores.

Como empreender a ciência na Amazônia?

A Pharmakos tem como pilar a inovação e tecnologia, tendo inclusive ganhado sete prêmios Finep. “Todos os nossos produtos são de base tecnológica. Então, desde a ideia até chegar ao consumidor final, usamos metodologias. Temos métodos para tirar o extrato da planta, que orientam porque usamos essa flor e não a outra, o que eu posso tirar de cada substância, o que posso misturar para realmente fazer o efeito”, informa Samara.

Tudo isso, trabalhando a cadeia produtiva amazônica com foco no desenvolvimento sustentável. É aí que a bioeconomia entra! Segundo a pesquisadora, a bioeconomia consiste em usarmos os recursos naturais de forma sustentável, o que só é possível se a ideia de natureza intocável for desmistificada. “Existem muitas substâncias, remédios, que podem ser aprendidos da natureza e trazidos para o nosso dia a dia. Isso não quer dizer que vamos derrubar a Floresta ou extrair essas substâncias de qualquer forma. Só que temos muita coisa para aprender que pode ajudar a saúde e o bem estar das pessoas”, destaca. 

A bioeconomia é um meio de empreender esses recursos naturais no formato industrial, legalizado e em equilíbrio com a fauna e flora. Samara destaca, contudo, que ela precisa ser muito bem estudada e revista, uma vez que existem muitos conceitos ‘bonitos’, mas que na prática não se vê. 

Para a pesquisadora, é necessário estudo e conscientização, desde a escola, para mostrar para as pessoas que não é preciso danificar a floresta para obter matérias primas. “A tecnologia entra aí! Por meio dela conseguimos utilizar a natureza de forma consciente, sem desmatar a Amazônia”, destaca.

Um bom exemplo de projeto de bioeconomia, que trabalha toda a cadeia (pesquisador/comunidade/indústria), desenvolvido na Pharmakos é construído em cima do guaraná em pó. A empresa auxiliou o projeto Seed Restauro a criar um produto com base no guaraná orgânico proveniente de uma iniciativa que trabalha o sistema de reflorestamento junto à tribo Andirá Marau. “Quando eles nos procuraram, vimos que tinha muita pesquisa por traz. O idealizador é um engenheiro agrônomo que já havia validado todo o processo desenvolvido junto à tribo e em uma área reflorestada”, conta. 

A pesquisadora lembra que se apaixonou pelo projeto e após re-fazerem os testes, viram que a matéria prima que eles tinham era de excelente qualidade e fecharam um contrato. “Na época ele falou com a gente: eu sou um pesquisador que tem um excelente produto, mas não consigo colocar no mercado, pois não tenho condições de legaliza-lo”. 

Para Samara esse é um dos grandes empecilhos que ela vê hoje com os seus pesquisadores. “Temos trabalhos belíssimos que são muito bem pesquisados, mas que morrem pois não fazem essa ponte com a empresa para serem validados”, diz. 

Empreender com um problema para além da bancada 

Burocracias não são um problema novo ou restrito aos pesquisadores e empreendedores da Amazônia. Segundo Samara Rodrigues, a morosidade que ela traz vai desanimando o pesquisador empreendedor, que precisa apresentar outros resultados. “Muitas coisas boas não precisam ser descobertas, elas já foram, mas precisam ser viabilizadas e ir para o mercado”, destaca. 

A pesquisadora sabe bem do que está falando. Samara conta que, no passado, a empresa foi contemplada com um milhão de reais em uma premiação, porém não recebeu nenhum centavo. “O projeto estava maravilhoso, só que precisávamos de uma autorização e eles levaram mais de dois anos para dar um parecer de que estávamos agindo de forma correta. Quando finalmente eles deram a resposta, o prazo já havia prescrevido e perdemos o prêmio. Eu paguei uma empresa para fazer tudo certo e agilizar o processo, porém não tive êxito. Então, enquanto houver isso, não conseguiremos proseguir”, reflete. 

Regionalmente, um desafio a ser enfrentado pelos pesquisadores e cientistas que querem empreender seu conhecimento é a forma como os outros países e, até mesmo, regiões brasileiras a veem. Segundo Samara, o mundo não enxerga a Amazônia como produto, mas como insumo. Como consequência, eles não conseguem um valor justo no que produzem. Isso entristece a pesquisadora, uma vez que a região tem plena capacidade de produzir produtos de alto valor e tecnologia.

“Temos muito problema de aceitação, nosso público acaba sendo muito restrito e não temos o reconhecimento do valor dos produtos feitos na Amazônia propriamente dita, uma vez que eles são vistos como caseiros, sem qualidade. Noto então que há ainda um preconceito das empresas com a região”, conta Samara Rodrigues. 

O futuro é agora

Porém, nada disso desanima Samara, que vê a Amazônia como um leque de possibilidades, principalmente para quem tem amor pela pesquisa e pela natureza. Para a pesquisadora, há muitas possibilidades de crescimento e o empreendedorismo está presente em todos os ramos da Amazônia. “Como fazemos isso? Trabalhando de uma nova maneira, alinhada a tecnologia, para gerar impactos positivos. Cada região tem sua riqueza, por que não a usamos de forma sustentável?”, questiona.

Samara ainda destaca que a bioeconomia aliada à ciência e tecnologia gera renda e bem estar para a sociedade num ciclo virtuoso, uma vez que as pessoas passam a ter acesso à renda para insumos básicos como alimentos, remédios, etc. “Todo mundo tem que rodar junto, não adianta uma minoria rodar sozinha. Todos têm que rodar no mesmo caminho e juntos, aí teremos desenvolvimento”, completa.   

Quer saber como podemos rodar juntos? Fique ligado na Deep, a série Potência Amazônica continua e trará mais histórias sobre empreender a ciência na Amazônia! 

AutoraTuany Alves (jornalista e analista de comunicação pela Wylinka)

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