Potência Amazônica

Potência Amazônica: Qual a importância da propriedade intelectual na Amazônia?

19/agosto/2022

Palavras-chave: Amazônia, Propriedade Intelectual, sociedade

Você já parou para pensar sobre qual é a importância da propriedade intelectual? 

Relacionada a proteção legal e reconhecimento de autoria de obra de produção intelectual, como invenções, patentes, marcas, desenhos industriais, indicações geográficas e criações artísticas, a propriedade intelectual está à nossa volta. Sabe aquela cervejinha ou refrigerante do fim de semana? Ela está no rótulo, na tampa, na garrafa e até no processo de fabricação dela.  

A propriedade intelectual garante ao autor o direito, por um determinado período de tempo, de explorar economicamente sua própria criação, sendo importante quando falamos em Floresta Amazônica e em modelos econômicos sustentáveis. Para explicar como ela se relaciona com a conservação da floresta, conversamos com a especialista em propriedade intelectual Sheila Melo. Vamos lá? 

Criando Conhecimento

Sheila Melo é paraense, de Belém do Pará, e começou a estudar sobre propriedade intelectual quando entrou na Embrapa, empresa pública de pesquisa vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Brasil. Segundo a pesquisadora, na época, há 10 anos atrás, ela nem tinha ideia do que era propriedade intelectual, porém identificou que havia uma grande demanda sobre o assunto. “Eles me diziam: você tem de estudar propriedade intelectual, porque ninguém aqui estudou. Se tivermos esse conhecimento local vai nos ajudar tanto no desenvolvimento das pesquisas, quanto ganhando velocidade nos processos”, lembra. 

Sheila seguiu por esse caminho e, no mesmo ano, fez o curso online da Organização Mundial da Propriedade Intelectual, em uma época que o EAD não era muito difundido. A especialista também participou de cursos e eventos em São Paulo para aprender mais sobre propriedade intelectual, além de buscar ativamente informações e pessoas referências no assunto. “Fiz um mestrado em Propriedade Intelectual e Inovação no INPI. Quando já estava terminando soube de um outro mestrado no PROFNIT. Seria quase na esquina da minha casa então eu pensei: vou fazer”, conta. 

Sheila explica que apesar dos dois abordarem propriedade intelectual eles possuem focos bem diferentes. Segundo ela, o primeiro, realizado no Rio de Janeiro, contou com professores que atuavam como examinadores de patentes, focando principalmente em inovação. Já o segundo, realizado no seu terreiro – em Belém do Pará – era um mestrado em rede, que foi gestado por uma associação de gestores de inovação e muito mais voltado para a transferência de tecnologia. 

Hoje em dia, após uma década de estudos, Sheila se tornou uma referência em propriedade intelectual no Norte e Nordeste, sendo a única tutora do curso online da Organização Mundial de Propriedade Intelectual na região. “Isso tem um peso enorme! Eu sou uma mulher da comunidade LGBTQIA + que se tornou referência. Sou demandada, por exemplo, por parlamentares para auxiliar em questões da Covid-19, como quebra ou não de patentes, e para falar sobre leis de inovação”, destaca.

Hoje em dia a pesquisadora atua como Analista do Núcleo de Desenvolvimento Institucional da Embrapa Amazônia e ainda arranja um tempinho para fazer divulgação científica no seu canal do YouTube ‘Propriedade intelectual fora da caixa’. Por seu trabalho em popularizar e aproximar o tema da sociedade, Sheila recebeu, em 2022, uma medalha ao Mérito pela Divulgação de Ciência. 

Para ver os vídeos clique aqui!

Propriedade Intelectual e a Floresta Amazônica 

Sheila conseguiu construir seu caminho e tornar-se referência em propriedade intelectual, realizando assim o seu maior desejo: ajudar sua região. Para a pesquisadora é de extrema importância que a população enxergue o potencial da Amazônia e que entendam o que podemos perder ao deixar de protegê-la, o que passa também pela proteção da propriedade intelectual da região. 

Ela dá o exemplo das comunidades tradicionais. “Eu estou em um projeto com as áreas indígenas Munduruku e estamos tentando agregar valor aos produtos que eles produzem na aldeia. A ideia  não é só melhorar a ocupação do território indígena, como também diversificar a renda que, normalmente, é voltada para o artesanato. Eles conseguem dinheiro com o artesanato, mas também plantam e colhem”, explica. 

Para a pesquisadora é muito bom ver que é possível mudar a realidade da comunidade e o arranjo produtivo local de ceramistas. “Quando começamos a fazer o trabalho com eles de indicação geográfica logo conseguimos o engajamento da Prefeitura, que trouxe serviços de saneamento básico, como o asfaltamento que era necessário para aquela comunidade”, conta. 

Além disso, outras instituições também se mobilizaram, o Sebrae por exemplo irá aportar recursos para fazer um Centro de Referência Ceramista no local. “O que vai contribuir com a melhora do controle de qualidade dos produtos”, informa. Ela observa que, por meio da propriedade intelectual, é possível construir coletivamente, engajando atores importantes para o desenvolvimento regional.  

MADE IN AMAZÔNIA?

O açai é gringo? Sabia que tem pessoas de outros países que pensam que o açaí é dos EUA? Para nós, brasileiros, pode ser difícil acreditar, mas isso acontece, pois normalmente só exportamos a polpa (principalmente para os EUA), sem agregar valor. Fruta que é transformada em produtos, cosméticos, para o mundo todo (inclusive para o Brasil).  

Sheila explica que, dentro dessa visão, se estivéssemos trabalhando para agregar valor aqui, na região, teríamos mais condições de comercializar com outros players com um valor melhor. O que traria mais desenvolvimento social. E isso não acontece apenas com o açaí! O cupuaçu é outro exemplo. Saiba mais aqui.

A pesquisadora conta que isso não se deve à falta de capacidade técnica de produção do Pará, uma vez que há centros de pesquisas que já trabalham para agregar valor a produtos produzidos na região, nem é a falta de insumo, pois na região há acesso às diversas frutas. “O que precisamos é orçamento público para isso, de uma política pública de agregação de valor, pois o que falta é o maquinário, o laboratório robusto para fazer esse desenvolvimento e passar o conhecimento  para empresas e startups que vão fazer essa comercialização”, conta.

Outro problema apontado pela analista é o sistema de avaliação interna das Universidades que, normalmente, é focado em publicação. Segundo Sheila, precisamos visualizar o nosso gargalo: temos pesquisadores muito competentes, mas que precisam publicar, publicar, publicar para aumentar o Currículo Lattes. “Quando falamos de inovação, publicação é resultado? É, mas eu preciso dar empirismo para o meu resultado e só então essa inovação será transferida. Não vamos transferir tecnologia com o artigo científico”, destaca.

Nós somos a mudança

Temos condições de fazer agregação de valor e uma fixação da pessoa no campo sem, necessariamente, degradar o meio ambiente? Para Sheila sim!  

A pesquisadora dá o exemplo da luz elétrica na Amazônia. Segundo Sheila, há alguns anos atrás não havia energia elétrica em muitas ilhas próximas a Belém, com isso a dinâmica da população era outra, pois não conseguiam estocar comida. Com o programa luz para todos, que tinha um olhar para essas comunidades, a luz chegou por lá. “Essas famílias contam que suas vidas melhoraram muito porque não precisam mais sair todos os dias para pescar, pois podem congelar os peixes. Elas têm água gelada e televisão para ver novela a noite”, conta.  

Tomando isso como exemplo, a pesquisadora acredita que problemas como por exemplo a falta de conexão na região também podem ser enfrentado. “Eu espero que a gente consiga levar para essas comunidades e municípios, que não estão tendo acesso, uma internet de qualidade. Essa é uma dor que o povo brasileiro, que sempre traz solução para as coisas mais absurdas – os reis da gambiarra – deve enfrentar”, conta. O que dará um upgrade na inovação da região.  

Quer conhecer mais os talentos e histórias da Amazônia? Fique ligado na Deep, o último texto da série Potência Amazônica irá contar a história da indigena, empreendedora e liderança Raquel Chaves! 

Autora: Tuany Alves (jornalista e analista de comunicação pela Wylinka

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