O boom da China em uma palavra: frictionless.
O boom da China em uma palavra: frictionless.
Há um tempo atrás, escrevemos aqui um artigo sobre a China que teve algumas milhares de visualizações e gerou o impacto que queríamos: disseminar boas práticas sobre políticas públicas para empreendedorismo na China. O interesse sobre o tema foi tanto que uma pessoa da nossa equipe resolveu fazer uma imersão na China para entender o fenômeno de perto, e é sobre isso que esse post vai tratar. 🙂
O gráfico abaixo já fala tudo: a China se tornou uma grande potência econômica (superando os EUA na participação do PIB mundial de 2018). Um detalhe interessante na evolução dessa participação ao longo dos anos mostra um dos argumentos do governo chinês: só estamos retomando uma posição de antigamente. Não só em termos econômicos, a história chinesa é marcada pela inventividade: o país que no passado inventou o papel moeda, a pólvora, a porcelana, a bússola etc. só está buscando voltar às origens.
E como essa volta tem se traduzido? Smartphones na fronteira da tecnologia, como Huawei e OnePlus; Drones da inovadora DJI dominando o mercado; plataformas web, como Alibaba, Didi e Tencent comprando startups no mundo inteiro. Além de emergentes de tecnologia, temos gigantes de setores diversos, como a State Grid assumindo o controle da CPFL Energia em uma compra de 40 bilhões de reais. A lista de histórias é longa e o cenário já é claro: o boom chinês é real e talvez possamos aprender com isso.
Uma breve história do boom chinês
Pouparemos os leitores de detalhes, mas é importante entender o processo histórico. A história do poderio chinês começa no séc. II, época de transições de dinastias e construção da Muralha da China (que se tornou gigante na dinastia Ming, de ~1300 a ~1600). Até ~1900, a potência era abastecida pelo dinheiro vindo do comércio de sedas e outros elementos pela Silk Road (curiosidade: dessa rota surgem as novas políticas de expansão chinesa, como a One Belt One Road). A partir de 1900, o país entrou em um caos devido a diversas invasões e perdas de território para países como Inglaterra (Hong Kong), França (Vietnã) e Japão (Coreia, Taiwan e Manchuria). Em 1949, Mao Tsé-Tung assume o poder e consegue reestabelecer um pouco a economia e acabar com as invasões — seu papel nesse reestabelecimento após décadas de opressão deu ao líder a ascensão que hoje conhecemos. O modelo econômico encontrado por Mao era baseado no Socialismo, com seu Estado forte e boa parte das organizações sendo públicas. Depois de uma montanha-russa de eventos que não contaremos aqui, em 1978 a China realiza um movimento de abertura econômica com Deng Xiao Ping. Por que isso é relevante? Porque 2018 marca 40 anos da abertura econômica, e os chineses baseiam-se muito nessa data para suas metas de expansão; além disso, foi o primeiro movimento para o que a China é hoje — uma estrutura econômica capitalista, com pilares socialistas (Estado forte e grandes instituições públicas) e sendo o “Comunismo” uma questão apenas para manter a tradição no nome do partido que controla a nação em formato não-democrático. O país, hoje liderado por Xi Jinping, tem sua atenção ao “Chinese Dream”: ser uma nação completamente desenvolvida até 2049, quando se comemora 100 anos da fundação da República Popular da China. O sonho se divide em quatro metas — (i) uma China forte (economicamente, diplomaticamente, politicamente, cientificamente e militarmente); (ii) uma China civilizada (grande moral, altamente culta, com igualdade e justiça); (iii) uma China harmoniosa (boa relação entre as classes sociais); (iv) uma China bonita (meio ambiente saudável, sem poluição). Para quem acompanha de perto, os esforços para o cumprimento de metas do Governo são impressionantes.
Tudo bem, mas e o tal do Frictionless?
O boom da China se construiu sob diversas metas do governo em seus planos quinquenais. A proposta era o dinheiro público ser utilizado de maneira a garantir grandes saltos econômicos, permitindo que empreendedores crescessem sem qualquer atrito (friction-less) pelo país. Dois professores chineses apontam que esse desenvolvimento teve 6 consequências que sustentam o boom atual:
- Urbanização: grande parte da população indo morar em áreas urbanas, mudando o padrão de consumo e atraindo mais desenvolvimento a partir do investimento em infraestrutura. (não pretendemos nos estender falando de prós e contras, mas cabe reforçar que nem tudo são flores — no caso da urbanização, diversos problemas ambientais e regionais surgiram, como as cidades fantasma).
- Ganho de escala em manufatura: com o aumento da população consumidora e a ênfase em exportação de produtos manufaturados, o ganho de escala do país, além de mão de obra barata e outros fatores, alcançou custos baixíssimos tornando o país o pólo da manufatura do mundo.
- Ascensão dos consumidores chineses: o país, que caminha para 1,5 bilhões de habitantes, teve, como consequência dos itens acima, um aumento do seu mercado interno e se tornou uma máquina de fazer dinheiro.
- Dinheiro, muito dinheiro: muitos empresários e empresárias chineses se beneficiaram dessa expansão e hoje o país conta com uma grande concentração de bilionários. Além disso, o dinheiro público foi altamente investido em infra-estrutura e em apoio ao desenvolvimento dessas e outras empresas.
- Uma potência intelectual: universidades são prioridade para o governo chinês. A consequência são instituições de ensino com uma infra-estrutura espetacular e laboratórios de inovação que, segundo nosso membro visitante, superam muitos do MIT ou Stanford.
- A internet chinesa: as políticas de protecionismo ajudaram os empreendedores locais a surfar no novo mercado interno. A ausência de competidores permitiu diversos modelos iguais surgirem, como o WeChat (whatsapp chinês) e Baidu (Google chinesa). Os jovens chineses, que passam o dia grudados em seus celulares, se tornaram fontes sem fim de oportunidades.
O termo frictionless acaba sendo uma analogia também ao fenômeno das fintechs chinesas. Nos últimos anos, a adoção de pagamento via celular na China cresceu a uma taxa muito alta (vide esse gráfico comparando com a adoção americana). O modelo, que elimina a necessidade de papel, faz com que as compras ocorram sem atrito algum (frictionless). Por lá, muitos empreendedores reforçaram a vantagem desse tipo de ambiente sem atrito para empreender. Se um aluno tem uma ideia de negócio na universidade, por exemplo, existe um fundo para apoio financeiro a projetos nascentes, laboratórios que dão suporte aos primeiros passos, aceleradoras ligadas a incubadoras (ambas dentro de um parque tecnológico) e grandes VC’s esperando para rodadas maiores pré-IPO. Histórias assim não são exceção, o que cria uma cultura de assumir riscos entre os alunos que hoje estão começando.
E o que podemos aprender como país?
A primeira lição é que o apoio ao empreendedorismo deveria ser incondicional à ideologia nacional: no caso da China, entende-se que o crescimento econômico passa pelo empreendedorismo, e que esse desenvolvimento poderá alimentar valores mais alinhados ao socialismo presente no “chinese dream”. Com isso em mente, entende-se que a orientação política de um governo importa muito menos que sua competência e esforço.
Em segundo lugar, a construção de mecanismos que dão suporte à jornada inicial do empreendedor, garantindo um ambiente sem fricção são fundamentais. Um exemplo são as startups de bicicletas compartilhadas: o modelo, que enche as calçadas de bicicletas e poderia ser visto como uma ameaça às estruturas urbanas, teve liberdade para se desenvolver até chegar em um nível que se fez necessária uma discussão sobre melhor organização na distribuição. A existência de “zonas cinzas” que não enchem o empreendedor nascente de burocracia é o melhor mecanismo possível que um governo pode oferecer. A China aprendeu uma regra básica que muitos governos não entendem: o melhor a se fazer é não atrapalhar.
Em terceiro lugar, a universidade como elemento central. Nas entrevistas lá realizadas, nosso membro ouviu repetidas vezes: a universidade é o agente número 1 do desenvolvimento. Seja pela formação de mão-de-obra qualificada, seja pelo fortalecimento científico e inovador do país ou seja pela emergência de empreendedores de base tecnológica, as universidades chinesas são prioridade nas políticas públicas e no direcionamento de orçamento nacional. As consequências vão desde empresas nascidas nas universidades, como a DJI, até um presidente com um PhD que tem mudado o país.
Esperamos que tenham gostado!
E se quiserem mais referências, recomendamos:
- Nosso primeiro post sobre a China: https://medium.com/deep-wylinka/o-que-o-brasil-pode-aprender-com-a-china-no-fomento-a-startups-c9eb2fd92d62
- Leitura rápida e legal, o “The One Hour China Book”: https://www.amazon.com/One-Hour-China-Book-2017-ebook/dp/B00HK0DAO6/ref=sr_1_1?ie=UTF8&qid=1526255678&sr=8-1&keywords=one+hour+china
Quer conhecer nosso trabalho envolvendo políticas públicas de empreendedorismo? Recomendamos uma olhadinha nos nossos cases, como o do SEED-Mg, programa de apoio às startups do Governo de Minas que a Wylinka cuidou da parte de recepção de empreendedores, eventos e difusão do conhecimento pelo Estado. Clique aqui para ler mais.
E se quiser conversar mais com a gente para entender projetos que temos desenhado sobre políticas públicas e desenvolvimento de ecossistemas de empreendedorismo, mande um email para contato@wylinka.org.br
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