Impacto e Ciência

Por que nós brasileiros não conhecemos Carlos Guestrin — e como mudar isso com políticas em CT&I.

31/março/2019

Por que nós brasileiros não conhecemos Carlos Guestrin — e como mudar isso com políticas em CT&I.

Formado em 1998 pela Escola Politécnica da USP, Carlos Guestrin tem uma trajetória incrível. Sua pós-graduação em Stanford tinha pilares em Filosofia e Ciência da Computação, e, bem antes de muita gente, ele percebeu que o campo da aprendizagem máquina era promissor. 10 anos após sua formação na USP, já era reconhecido como um dos pesquisadores mais brilhantes dos EUA e, enquanto professor na Carnegie Mellon University, criou algumas empresas — uma delas a Turi. Com a Turi, Guestrin conseguia fazer empresas irem muito além na captura de dados e processamento por meio de Machine Learning, com soluções que impactariam inclusive o futuro dos carros autônomos.

Eis que, em Agosto de 2016, a Turi é comprada pela Apple por 200.000.000,00 de dólares — com Guestrin se tornando Senior Director de AI na gigante. No ranking de ecossistemas 2017 do pessoal da Startup Genome junto ao Crunchbase, Seattle aparecia na décima posição, com destaque dado à sua startup Turi vendida para a Apple como um grande marco para Inteligência Artificial na região. E aí fica a pergunta: por que essa história não ocorreu no Brasil? Por aqui, poucos sabem da história, e isso tem tudo a ver com políticas para Ciência, Tecnologia e Inovação.

Photo by Franck V. on Unsplash

Um novo conceito: os Deep Tech Ecosystems

Recentemente, o Boston Consulting Group publicou um artigo defendendo a emergência de um novo tipo de ecossistema: o “Deep Tech Ecossistem”. Para o grupo, a premissa é que estamos vivenciando uma transição na qual muitas das tecnologias já estão maduras e bem disseminadas — fazendo com que agora a inovação venha de plataformas que pavimentarão novas infraestruturas. O estudo aponta 7: Biotecnologia, Blockchain, Computação Quântica, Fotoeletrônica, Inteligência Artificial, Materiais avançados e Robótica/Drones.

Os Deep Tech Ecosystem surgem para garantir o desenvolvimento de soluções em tais campos, que não mais conseguem nascer de maneira tão espontânea, mas dependem de grandes investimentos de pesquisa básica, maiores tempos para amadurecimento e um arranjo local mais complexo para garantir que as múltiplas competências necessárias estejam presentes. O argumento se assemelha ao destacado pelo pessoal do TechCrunch no artigo “After the end of the startup era”, que afirmava que a nova onda de tecnologias — Drones, IA, Realidade Virtual/Aumentada, Criptomoedas, Carros Autônomos e Internet das Coisas — são muito mais dependente de grandes investimentos do que os modelos das última década, softwares e apps.

No modelo do Boston Consulting Group, essa seria uma estrutura de ecossistema de Deep Tech:

Não muito diferente dos frameworks que geralmente usamos na Wylinka, o modelo do BCG se diferencia pela narrativa: é preciso dar ênfase em investimentos de longo prazo, em investimentos em ciência básica e na participação orquestrada de agentes como governo, corporate venture capital, universidades e startups. Um ecossistema capaz de dar vida à Turi só surge pela articulação desses diversos atores (Carnegie Mellon University, Apple, investimento em pesquisa americano etc). E aí voltamos à pergunta: conseguimos criar um ecossistema capaz de dar luz à próxima Turi, só que com raízes nacionais?

Desenhando políticas para Deep Tech no Brasil

Para desenvolver um ecossistema de Deep Tech, diversas mudanças seriam necessárias ao contexto nacional, mas nada é impossível! A visão de longo prazo é um dos maiores desafios — e ela muitas vezes se choca com o comum populismo do país, que não segue ideologia ou orientação política, geralmente curtoprazista e orientado a interesses pouco estratégicos. Ainda assim, acreditamos que mudanças podem ocorrer, e por isso separamos quatro grandes transformações que poderiam mudar os horizontes nacionais:

  • Steeples of excellence: famosa por ter alavancado Stanford como uma grande potência acadêmica, a política de “steeples of excellence” (ou “pilares de excelência) defende que se restrinja o orçamento a poucos grandes pilares de excelência, de modo a seu resultado transbordar e atrair recursos para todas as outras áreas. Essa estratégia vai contra muitas das políticas mais populistas em C&T — nas quais a ênfase é dada em ampla distribuição de pequenos apoios/bolsas para financiar um grande volume de laboratórios, mas estes mesmos laboratórios acabam sofrendo por não ter nenhuma infraestrutura para grandes projetos (reagentes, máquinas, materiais e outros).
  • P&D empresarial: embora muito se critique o tópico de gastos públicos em ciência, o Brasil conta com um patamar relativamente alto em comparação à America Latina e até mesmo ao mundo. Apesar disso, os gastos privados em P&D ainda continuam baixos. Não somente se faz necessária a criação de um sistema mais competitivo para as empresas, mas ao mesmo tempo há a necessidade de uma maior cultura empresarial de P&D no país.
  • Alocar recursos entendendo os incentivos: um dos grandes desafios no desenho de políticas públicas nacionais para startups é a manutenção dos investimentos em programas consistentes. Dado que os incentivos dos decisores estão mais ligados à imagem de seu governo, a cada mudança brusca tem-se uma mudança na política, mantendo-a inconsistente e com grandes perdas de conhecimento ao longo de sua evolução. Uma das saídas é o modelo Yozma, de Israel, que alocou seus recursos em grandes fundos de investimentos estrangeiros de modo a atraí-los para o país. Alguns anos depois, não se fazia mais necessário o investimento por causa dos resultados alcançados pelos fundos e pelas empresas investidas. Os fundos, por ter um incentivo alinhado ao interesse de possuir startups de sucesso, promoveram uma das transformações consideradas como centrais na transformação de Israel para uma nação de alta tecnologia. 15 anos após o programa, Israel havia se tornado o segundo maior país em capital privado por PIB (somente atrás dos EUA).
  • Formação em massa de desenvolvedores(as): não somente pelo fato de o futuro ser em tecnologia, mas para suprir a demanda de muitas startups, garantindo que mais e mais gente passe pela vivência em empresas altamente inovadoras — o que acreditamos ser a melhor escola de empreendedorismo possível. Não é necessário que isso seja feito por meio de universidades, que acaba sendo um espaço muitas vezes elitizado. Novas frentes como Lambda School e 42 se mostram como excelente possibilidade, assim como a tradução e organização bem estruturada de MOOCs para formação de talentos em tecnologia. Um bom exemplo é o de Romeu Zema (Partido Novo) — recentemente, o Governador do Estado de Minas Gerais, firmou um compromisso de formar 1.000 programadores(as) todos os anos para MG.

Conclusão

Criar ecossistemas de Deep Tech no Brasil não será algo trivial. O cenário nacional de startups já não era fácil, mas ainda permitia que boas forças individuais em apps e plataformas, como Nubank, 99 e Buscapé, surgissem, apesar das dificuldades. Agora, com a vinda da nova onda de tecnologias mais profundas — que exigem esforços sistêmicos — teremos um desafio e tanto pela frente, e esse desafio só será bem atacado se começarmos bem cedo, entendendo que este é um compromisso que exige consistência e longo prazo.

O Brasil possui grandes forças em Biotecnologia (com um grande pólo em Minas Gerais que tem suas raízes em uma spinoff acadêmica de fabricação de insulina nos anos 70), Agronegócio (com pesquisas de fronteira graças à EMBRAPA) e Inteligência Artificial (que conta com nomes de peso como Carlos Guestrin, Nivio Ziviani e Fabio Cozman), entre outros — o que permite fecharmos este texto com uma ponta de esperança sobre o nosso país, se tudo, e todos, colaborarem. A ponta de esperança é que, assim como a Turi se diferenciava por suas pesquisas em Machine Learning, no Brasil temos a Kunumi — criada por gênios como o prof. Ziviani, que já vendeu empresa até pra Google — e disposta a se tornar um grande player global no assunto. E que essa seja só mais uma de muitas que virão para nosso país!

E se você tiver interesse no nosso trabalho com o desenho de políticas públicas, como os projetos que já fizemos com o SEED-MG ou as atividades de aprofundamento com o pessoal do Reino Unido, é só mandar um email para nossa chefe do comercial, a Anna Bolívar (anna.bolivar@wylinka.org.br), e podemos avançar pensando em projetos juntos. Para facilitar, conheça um pouquinho dos nossos cases clicando aqui. Because when you rock, #wyrock!

Links que utilizamos para esse texto:

Autor: Artur Vilas Boas

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