Empreendedorismo na Universidade

O Nobel em Medicina e a árdua jornada das Deep Techs

03/outubro/2023

Nesta segunda-feira, 02/10/2023, tivemos o anúncio do Prêmio Nobel em Medicina. Nele, a professora Katalin Karikó e o professor Drew Weissman foram laureados por sua pesquisa em vacinas mRNA, que foram fundamentais para a criação de um poder de reação frente à pandemia do Covid (e a tecnologia tem muitas outras aplicações, como tratamento para câncer). Porém, apesar da maior honraria da ciência, o backstage dessa história tem suas sombras. No texto de hoje, vamos contar sobre como é desafiadora a jornada de quem busca a inovação em meios acadêmicos. Esperamos que gostem!

Inovar ou publicar? Os riscos das métricas tradicionais

Um primeiro fato importante que rondou o anúncio do prêmio Nobel foi a triste trajetória da professora Karikó na Universidade da Pensilvânia (U Penn). Nos anos 1990, suas pesquisas em mRNA eram tão inovadoras que não eram bem recebidas por financiadores. Em 1995, período em que havia sido diagnosticada com câncer, a Dra. Karikó recebeu um ultimato da universidade – por não atingir as métricas tradicionais de pesquisa, ela tinha duas opções: ou a demissão ou um rebaixamento acadêmico. Para garantir que sua filha, uma futura medalhista olímpica, tivesse seus estudos financiados, a professora aceitou o rebaixamento.

Em 1997, o professor Weissman se tornou parte do corpo docente da Universidade, e juntos começaram a avançar nas pesquisas em mRNA. O avanço levou às descobertas do Nobel, mas não sem percalços: ao tentarem publicar na Nature, a mais prestigiada revista da área, o trabalho foi rejeitado em 24 horas após a submissão por considerarem “sem contribuições significativas para a ciência”. O paper veio a ser publicado em 2005 no journal Immunity.

Em paralelo, um outro grande pesquisador da área, professor Robert Langer, do MIT (já falamos sobre a nada fácil trajetória dele nesse post), também sofria com questionamentos da comunidade científica. Anos antes, o professor havia publicado um paper na mesma área e foi recebido com bastante crítica pela comunidade científica, que não acreditava nos resultados e chegava a acusá-lo de fraudulento.

Tentando empreender: ecossistema importa

Com o paper publicado, Karikó e Weissman entenderam que o mRNA poderia abrir um grande caminho no desenho de novas terapias, dada sua capacidade de modificação do RNA e o consequente potencial combate a doenças. Foi assim que, junto à U Penn, patentearam a descoberta e criaram a empresa RNARx.

Apesar do movimento empreendedor, o negócio não encontrou o apoio necessário. Investidores locais não se interessavam pelo projeto e a empresa sequer conseguiu capturar a propriedade intelectual da Universidade. Devido a isso, a tecnologia foi licenciada para uma outra pequena empresa, CellScript, que acabou utilizando-a apenas para desenvolvimento de kits de pesquisa para o mercado de pesquisa clínica.

E é nesse momento que a ideia de “location matters” (localização importa) se fez presente. Um pouco mais ao Nordeste dos EUA, em Boston – um dos maiores, se não o maior, hubs de biotecnologia do mundo – a tecnologia começava a ser explorada e avançada por Derrik Rossi, um pesquisador de Harvard. Toda quinta-feira, professores da Harvard Medical School realizavam um almoço com investidores e empresários para discutir sobre as tecnologias que estavam sendo inventadas em seus laboratórios.

Em uma dessas conversas, o professor Derrik Rossi apresentava seu projeto com mRNA para geração de células-tronco, chamando a atenção dos presentes. Um deles, gestor do Escritório de Transferência de Tecnologia da Universidade, entendeu que ali haveria um enorme mercado para a produção de medicamentos.

Com esse interesse, o TTO de Harvard conectou Derrik a uma série de investidores e outros empresários famosos da região. Era fundada a Moderna, que tinha como sócios, além de Derrik Rossi, o professor imunologista Timothy Springer, de Harvard, que já havia vendido uma biotech por cerca de US$100 MM, e o professor Robert Langer (citado acima), famoso por seu enorme portfólio de patentes e empresas criadas/vendidas. A empresa conseguia, assim, toda a atenção de investidores e do mercado – e o final da história a gente já sabe: a Moderna hoje vale cerca de US$40 bilhões.

Conclusões: a constante necessidade de aperfeiçoamento do ambiente para empreendedorismo e inovação em ciência

A trajetória de Karikó e Weissman é emblemática: sistemas antigos de avaliação acadêmica e um ambiente pouco aberto para empreendedorismo fazem com que até um prêmio Nobel possa se transformar em pouco valor capturado pela sociedade.

Neste texto, estamos falando de um Nobel que mudou a história da sociedade e salvou muitas vidas. Contudo, temos milhares de casos em escalas menores, mas que ainda assim poderiam ser empresas de muito sucesso e com muito impacto gerado à sociedade. A reflexão sobre essa jornada nos faz lembrar sempre de uma das missões da Wylinka: criar ecossistemas e políticas melhores para acelerar a inovação de base científica no Brasil.

Esperamos que tenham gostado e que essa história ajude na provocação dos sistemas de ciência, tecnologia e inovação frente à necessidade de contínuo aperfeiçoamento de suas políticas e práticas.

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Referências úteis:

Autor: Artur Vilas Boas – Pesquisador na USP em empreendedorismo e inovação (Linkedin)

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