Impacto e Ciência

Robert Langer: o professor rejeitado que ficou bilionário durante a pandemia.

29/novembro/2020

Robert Langer: o professor rejeitado que ficou bilionário durante a pandemia.

É preciso escutar a ciência. Essa frase, que durante a pandemia se fortaleceu em meios políticos, faz parte da pauta que nós, da Wylinka, reforçamos há bons anos. Este ano foi um ano de protagonismo dos cientistas, e foi um excelente exemplo de como podemos fazer avanços tecnológicos quando a ciência coopera e é bem apoiada por recursos e integração com a sociedade. Infelizmente, muitos só perceberam isso em meio a um momento tão difícil para o mundo inteiro, com o desafio catalisado por forças negacionistas bastante prejudiciais. De toda forma, uma história é digna de nota: a escalada da fortuna do prof. Robert Langer, do MIT, graças a ganhos como partícipe na fundação da empresa Moderna, a criadora de uma das principais vacinas candidatas no combate ao Covid-19. Acompanhamos a trajetória do professor Langer há anos aqui na Wylinka pelo fato de ele ser um respeitável nome quando se trata de patentes, transferência de tecnologia e criação de empresas com base em pesquisas científicas. Recentemente, a revista Harvard Business Review o elegeu como “o Thomas Edison” da medicina. Como temos muitos materiais acumulados sobre a trajetória de Langer, resolvemos escrever um pouco mais em detalhe sobre a história do professor.

Uma história de rejeições

Quando criança, Langer adorava fazer truques de mágica. Seu pai, empresário, o incentivou com um presente em seuaniversário de 11 anos que definiria a trajetória do filho: um kit de química para crianças no qual Langer se encantava com misturas de cores e reações químicas. Na graduação em engenharia pela Cornell University, seguiu com a engenharia química. Seus estudos após graduação continuaram no MIT. Em seu doutorado, viu uma crise do petróleo nos EUA, mas, diferente de seus colegas de turma, preferiu buscar pesquisas de impacto em vez de trabalhar com grandes empresas da indústria, como Shell, Exxon e Chevron.

Com suas pesquisas em química, Langer aplicou para posições como pesquisador em 40 universidades americanas — e foi rejeitado em todas elas. Além disso, aplicou para 9 pedidos de bolsas de pesquisa para órgãos nacionais, e nenhum foi aceita. Por fim, buscou seu maior interesse: a relação das suas pesquisas com tecnologias em hospitais, e mandou mensagens para hospitais e escolas de saúde oferecendo colaboração como engenheiro químico. Novamente sem nenhuma resposta positiva. Graças à ponte de um amigo, foi conectado com um professor de Harvard que estava fazendo pesquisas junto ao hospital infantil de Boston. O professor, Dr. Judah Folkman, estava buscando pesquisadores para um pós-doutorado diferente no desenvolvimento de tecnologias de combate ao câncer, e o caráter pouco ortodoxo da pesquisa demandava pessoas de diferentes áreas.

Durante este período, Robert Langer avançou em uma pesquisa considerada impossível por muitos da área: o desenvolvimento de polímeros capazes de permitir a liberação gradual de medicamentos dentro do próprio corpo das pessoas (exemplo: você ingere uma pílula que, ao longo de um mês em seu organismo, vai liberando microdoses diariamente, de modo controlado). Ao apresentar a pesquisa em uma conferência acadêmica, foi tratado com incredulidade. Terminando seu pós-doutorado, Langer foi rejeitado em todas as posições como professor que aplicou. O motivo? As áreas de saúde o rejeitavam por ele não ter formação em biologia ou medicina, já as áreas de engenharia o rejeitavam por acreditar que sua pesquisa pertencia aos departamentos de biologia ou medicina. Em uma época em que pouco se valorizava multidisciplinaridade, Robert Langer era marginalizado. Após diversas tentativas, recebeu a oferta de uma posição precária em um programa de nutrição e ciências de alimentos no MIT.

Transformando rejeições em oportunidade

Dado o pouco interesse em suas pesquisas nos ambientes acadêmicos e institucionais, Robert Langer optou por outra saída: o setor privado. Transformando suas pesquisas em patentes, Langer mirava as empresas farmacêuticas que, ao financiarem suas pesquisas, permitiram que suas invenções chegassem aos pacientes diretamente. Mais uma vez, encontrou ceticismo. Os revisores de escritórios de patente não acreditavam na viabilidade da tecnologia de liberação gradual de medicamentos — e Robert Langer foi continuamente rejeitado por 5 anos, sendo orientado a desistir por seu advogado de patentes.

Quando conseguiu provar a efetividade da técnica, o escritório de patente respondeu que a invenção não era nenhuma novidade. Porém, Langer se utilizou de uma saída inteligente: buscou um de seus trabalhos rejeitados pelo próprio escritório com a justificativa de que a tecnologia era “fora do comum” e, com isso, provou que o trabalho era original. Patente garantida, grande oportunidade para conseguir financiamento de órgãos nacionais. Sucesso? Não ainda.

Seus pedidos de financiamento para avanços em pesquisas de liberação lenta de medicamentos no combate ao câncer enfrentaram ceticismo e rejeição por anos pelo NIH (Instituto Nacional de Saúde, nos EUA). Em paralelo, as empresas não demonstravam interesse em licenciar sua tecnologia.

Robert Langer encontrou suporte de pequenas empresas de química e saúde e, ao longo do tempo, conseguiu o licenciamento de algumas tecnologias. E foi nesse momento de sua carreira que Langer entendeu onde moraria a inovação: grandes instituições e empresas eram muito engessadas, e o melhor caminho era por meio de pequenas empresas, muito mais dedicadas à inovação. Conseguiu dois sucessos em paralelo: (i) uma pequena empresa de Baltimore, a Nova Pharmaceuticals, realizou grandes sucessos com suas tecnologias licenciadas; (ii) com o incentivo de fundos de investimento, fundou a Enzytech, que veio a se tornar a Alkermes, hoje avaliada em bilhões.

Acertando na carreira em inovação

Após os primeiros sucessos, Langer foi capaz de conseguir novos projetos, fundar novas empresas e crescer na carreira, sendo agraciado pelo título de professor titular no MIT. Com essa trajetória, inventou um novo modelo de pesquisa e desenvolvimento em laboratórios acadêmicos (modelo este que se tornou estudo de caso em Harvard): se alguma pesquisa atingisse a qualidade de “breaktrough” científico em seu laboratório, com grande potencial de patenteabilidade e transferência de tecnologia, Langer incentivava seus pesquisadores de pós-doutorado a construírem empresas de tecnologia. Em suma, uma boutique de empresas com base científica, com Langer atuando como mentor científico e em negócios. Embora sendo vista inicialmente com desconfiança pela “natureza capitalista”, tratada às vezes como controversa, o impacto dessas empresas compensava qualquer leitura ruim: tratamentos contra o câncer inventados, medicamentos de combate a doenças cardíacas surgiram, melhorias em alimentos avançaram e milhares de empregos foram gerados para cientistas do mundo inteiro.

O grau de inventividade empreendedora do laboratório gerou casos muito marcantes. Em uma de suas invenções de polímeros, desenvolveu uma tecnologia com propriedades hidrofóbicas e oleofóbicas, repelindo tanto água quando óleo. Da ciência de ponta, uma inovação com um grande mercado: o combate ao frizz em produtos capilares. O time de cientistas ainda se comportou como uma startup: atraíram Jennifer Aninston (a Rachel, de Friends) como sócia da empresa, alavancando o posicionamento do produto no mercado. A empresa captou US$63MM em capital de risco, e foi adquirida pela Unilever em 2017.

E a trajetória de Langer teve um recente episódio importante. Em 2010, o pesquisador canadense Derrick Rossi criava, em Harvard, uma empresa a partir de pesquisas em RNA e células tronco — a ModeRNA Therapeutics. Para criar a empresa, Derrick conseguiu o apoio e investimentos iniciais de 3 pesquisadores, Kenneth Chien, Tim Springer e Robert Langer, além do fundo de capital de risco Flagship Ventures. Durante 4 anos, a empresa fracassou no desenvolvimento de terapias para doenças raras e resolveu apostar em vacinas baseadas em RNA mensageiro. Após parcerias diversas e grandes investimentos, a ModeRNA abriu seu capital na bolsa americana como Moderna Inc e passou a valer US$7.5 bilhões. Com a pandemia, a Moderna se destacou por sua vacina liderando resultados positivos no combate ao Covid-19, e suas ações explodiram, com a empresa atingindo um valor de mercado de dezenas de bilhões de dólares. Dono de 3% da empresa, o professor Robert Langer, conhecido como Bob Langer, estampava uma matéria da Forbes: “MIT Scientist Bob Langer Becomes A Billionaire Thanks To Moderna Stock Rally”.

E como gerar novos (ou novas) Bob Langers?

Como falamos no começo deste texto, sempre acompanhamos a trajetória de Robert Langer por ele ser uma inspiração sobre como fazer o certo para inovação de base tecnológica surgir a partir de universidades. Da trajetória que contamos aqui, alguns grandes insights ficam:

  • O apoio a pesquisas multidisciplinares, com pessoas de campos diferentes colaborando e sendo bem absorvidos em áreas diversas. A barreira inicial por parte de hospitais e laboratórios acadêmicos poderia ter sido um fim ao grande potencial de Langer. Apoiar a pesquisa multidisciplinar é fundamental para inovação.
  • A colaboração com empresas, especialmente pequenas empresas inovadoras e startups. A velocidade de pequenas empresas foi o que atraiu Bob Langer, e deve ser mote para o incentivo à inovação regional. Nessa linha, o programa PIPE (Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas), da FAPESP, é muito preciso e já apoiou grandes trajetórias, como é o caso da Mvisia, empresa nascida na USP recém comprada pela WEG.
  • Grupos de pesquisa como “quase-firmas”. O modelo “boutique de empresas acadêmicas” é super poderoso, e no Brasil tem estrutura similar com o professor Ziviani, na UFMG. No laboratório de pesquisas em inteligência artificial do prof. Ziviani, já foram geradas diversas empresas, uma delas inclusive comprada pela Google. Um artigo acadêmico, do prof. Etzkowitz (Stanford), sobre o conceito de “quasi-firms” pode ser encontrado clicando aqui.
  • Aproximação de empresas, instituições e capital de risco. Na história de Langer vemos o papel do ecossistema de Boston como central: o criador da Moderna, por exemplo, trabalha no hospital infantil de Boston, o mesmo que abraçou Bob Langer no começo de sua difícil carreira. Além da integração entre hospitais e universidades, Boston se destaca pela intensiva atuação de fundos de capital de risco e empresas investindo em pesquisas de fronteira, o que é fundamental. Esse conjunto de atores colaborando entre si é o que chamamos de ecossistema. Uma boa leitura sobre a criação de ecossistemas de biotech em Boston você encontra clicando aqui.

Assim acreditamos que a ciência poderá prosperar, e esperamos que não seja necessária uma tragédia como a pandemia para que isso aconteça. Caso tenha interesse de apoiar universidades ou empresas de tecnologia de fronteira, não deixe de nos procurar! Já atuamos em projetos diversos nessa linha — indo desde a valoração de patentes na Fiocruz até o desenho de programas de startups universitárias junto a empresas. Caso tenha interesse, mande um email para a gente no (novosnegocios@wylinka.org.br) que a gente cria junto! =)

Além disso, no nosso site e nos nossos canais no Instagram, Linkedin ou Facebook, você pode conhecer outros projetos que já fizemos.

Para conhecer mais sobre a história de Langer, recomendamos:

  1. Harvard Business Review: O Edison da Medicina
  2. Perfil do Robert Langer no Academy of Achievement
  3. Caso de Harvard — Langer Lab, The: Commercializing Science

Autor: Artur Vilas Boas

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