Potência Amazônica

Potência Amazônica: Quando a ciência e os saberes tradicionais se juntam

26/agosto/2022

Palavras-chave: Amazônia, ciência, saberes tradicionais

Ao longo de toda a série Potência Amazônica ouvimos lideranças de diferentes frentes sobre inovação, ciência e a necessidade de proteger a Floresta Amazônica. Pudemos conhecer as dores e os sabores de empreender em uma região que abriga uma pluralidade de potências latentes e que trabalham arduamente para proteger sua fauna, flora, rios, cultura e população. 

No último texto da série trazemos a história de Raquel Tupinambá, que resume tudo isso em sua trajetória. Líder indígena, agricultora, ativista, defensora dos povos originários, pesquisadora e empreendedora, Raquel reuniu a ciência, o empreendedorismo e a inovação para promover a construção de renda para a sua comunidade e divulgar a importância dos saberes tradicionais. Vem conhecer essa história!

O início de uma jornada empreendedora

Raquel Tupinambá nasceu, em Surucuá, Território Tupinambá, Tapajós, Amazônia. Mulher indigena do povo Tupinambá, ela vem de uma família de agricultores que trabalha há várias gerações com o manejo da mandioca. “Trabalhei com a mandioca desde criança, quando comecei a aprender com minha mãe e minha avó, as mulheres da família, as práticas milenares”, lembra. 

Ao crescer Raquel e sua irmã, Mariane Tupinambá, foram para a Universidade. Nesse período a pesquisadora conta que seus estudos não tinham muito contato com os saberes tradicionais, pois não via ainda uma relação do que via com os saberes que aprendeu em sua comunidade, mesmo fazendo biologia. Segundo Raquel, essa ligação começou a aparecer quando foi para o mestrado e quis trabalhar com algo que realmente fizesse sentido para ela e que era parte de sua vida. 

Assim, a pesquisadora desenvolveu seu mestrado em Botânica, pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), estudando o manejo da mandioca enquanto raiz e planta, assim como o seu uso e comercialização. “Pesquisei seis localidades, daqui do meu território, levantando as etnovariedades manejadas na região e verificando sua ligação com os tipos de solos existentes. Pensando mesmo nos solos antropogênicos onde há milênios os usamos para produzir”, informa. 

Durante sua pesquisa, Raquel identificou mais de 40 variedades de mandioca disponíveis em Surucuá e comunidades vizinhas. Além disso, a pesquisadora também investigou questões culturais que há milênios coevoluem junto a população e sua relação com o manejo da mandioca. “Vimos que existem tipos de mandioca que são escolhidos pelos solos, além da relação com as demandas do mercado. A partir daí passei a pensar sobre o nosso modo de vida e sobre outros produtos que podem ser feitos levando em conta a nossa relação com a floresta e cultura”, conta.

De volta a comunidade

Após concluir o mestrado, Raquel Tupinambá voltou para o seu território e passou um tempo na comunidade. “Esse período foi muito importante, pois pude pensar na minha vida considerando fatores como o olhar que as pessoas têm para as comunidades ribeirinhas e indígenas, as comunidades da Amazônia em geral. Vi que eles enxergam as populações como pobres, incapazes e que não produzem”, reflete. 

A qualidade de vida na comunidade também chamou a atenção de Tupinambá. Para ela são dois mundos muito diferentes e a qualidade de vida nas comunidades é melhor. “Isso me motivou a buscar formas de gerar renda na aldeia, pois muitos dos jovens saem da comunidade para as cidades em busca de dinheiro. Porém, chegando na cidade, eles são mão de obra barata, trabalhando em atividades que precisam de muita força ou onde trabalham muito, mas ganham muito pouco”, conta.

Então, a partir disso, Raquel começou a pensar. Esses pensamentos encontram força na necessidade que ela via em defender seu território, assim como a floresta em pé e o rio limpo. “Com isso, um grupo de mulheres, a Associação de Moradores Agroextrativistas e Indígenas do Tapajós (Ampravat), se organizou para produzir. Como trabalhamos diretamente com a mandioca [nas nossas pesquisas], passamos a pensar em novos produtos dentro dessa cadeia”, lembra. 

Produzindo e preservando os saberes tradicionais

Raquel e Mariane estão à frente de uma iniciativa que visa produzir derivados tradicionais da mandioca a partir dos conhecimentos acadêmicos adquiridos pela dupla na universidade. Batizado de Projeto Mani-Oara, a iniciativa conta com uma pequena fábrica artesanal em Surucuá e seu principal produto é o Vinho de Mandioca.

A bebida  passa por um processo de fermentação iniciado por micro-organismos isolados de uma outra bebida derivada da mandioca. Segundo a pesquisadora, o Tarubá e o Caxiri são bebidas indígenas que vêm sendo usadas desde os ancestrais, então por que não fazer um outro derivado. Para isso, o grupo isola alguns fungos da bebida do tarubá e, após a desintoxicação da massa da mandioca, os colocam para fazer o processo de fermentação do Vinho de Mandioca.

Outro exemplo é o Tucupi Preto que é o suco da mandioca Raquel conta que ele é usado para fazer comidas e bebidas, porém, muitas vezes, é descartado. Inclusive de forma incorreta, por ter uma certa toxicidade se jogado no chão pode gerar problemas para as plantas. “Para usá-lo nós o fervemos por vários dias. Ele vai ficando com um gosto mais adocicado”, conta. 

Porém, os produtos não pararam apenas no vinho. As pesquisadoras começaram a olhar para outras cadeias da região, por exemplo os frutos. “Fazemos geleias e pensamos em produzir ainda mais! O foco é pensar o território, no sentido tanto da floresta em pé, da preservação, quanto da alimentação saudável local”, explica. 

A ideia é que com essa geração de renda os jovens não precisem sair das comunidades, do seu lugar. “A ideia do projeto não é só a produção pelo dinheiro, mas também proporcionar a construção de uma consciência crítica na comunidade”, finaliza.

AutoraTuany Alves (jornalista e analista de comunicação pela Wylinka)

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