Potência Amazônica

Potência Amazônica: Conheça a mulher que quer transformar a Amazônia em caviar

22/julho/2022

Palavras-chave: Amazônia, Ciência e Caviar

No mais recente texto da série Potência Amazônica aprendemos com a pesquisadora Samara Rodrigues, que a bioeconomia é um meio de empreender os recursos naturais no formato industrial, legalizado e em equilíbrio com a fauna e flora. Porém, qual é a bioeconomia da Amazônia? Ela é igual para todos? 

A verdade é que não. Provavelmente, o olhar sobre bioeconomia de quem está na ponta, produzindo insumos extrativistas, será diferente do de uma empresa de biocosméticos como a Pharmacos. Para Mayra Castro, isso é uma evidência da necessidade de construir um entendimento conjunto sobre a bioeconomia amazônica com os diferentes atores desse ecossistema.

Para a CEO da InvestAmazônia, esse caminho também passa pela mudança de paradigma econômico, com o que ela chama de caviar amazônico. Pegue um café e venha ver o que isso significa. 😀

Uma jornada 360

Tudo começou com um sonho! Em 2007, Mayra Castro saiu de Belém do Pará com o sonho de ser diplomata debaixo do braço. A amazônida foi para a Suíça sem saber falar inglês ou francês e sem nunca ter conhecido a Europa ou seu inverno. Exploradora, Mayra passou seis anos por lá, onde fez um mestrado em Direito Internacional e Europeu e mergulhou no universo das empresas. 

“De um lado tinha o multiculturalismo de Genebra, onde temos basicamente 180 nacionalidades, que possibilitou que eu interagisse com pessoas diferentes. Por outro, trabalhar em hotelaria tem a coisa de você estar a serviço ‘de’, então essa jornada me trouxe bastante aprendizado”, lembra. 

Toda essa experiência também abriu portas para que a amazônida realizasse o seu sonho de ser diplomata. Com isso, em 2014, de volta ao Brasil, Mayra foi contratada pelo governo da Suíça para construir um consulado científico em São Paulo, o Swissnex Brazil, e passou a trabalhar conectando Brasil e Suíça em ciência, educação e inovação. Porém, quatro anos depois, pediu demissão para trilhar uma jornada de autoconhecimento e passou a desenvolver a sua marca pessoal com a habilidade de conectar pessoas.

“Durante dois anos,  foquei em quem eu era, qual a minha essência. Fui entender o que trabalhar com desarmamento nuclear, tráfico de mulheres e  ciência e inovação têm em comum”, conta. 

Após esse período, Mayra viu a oportunidade de montar sua segunda empresa, a InvestAmazônia. A ideia surgiu com a vontade de gerar valor para a região e o desejo de consolidar a Amazônia dos seus sonhos. Segundo a conectora, a empresa não busca apenas oferecer produtos, mas criar um sonho. “A ideia da InvestAmazônia é usar o conhecimento internacional com o nacional para fazer pontes, porque quanto mais a gente trabalha em conjunto e inteligência coletiva, mais inovador e inusitado são os resultados”, destaca. 

Mayra também é palestrante TEDx, embaixadora do Seedstars World no Brasil e representante da Cambridge Business Association. Além disso, a empreendedora é conselheira emérita do Capitalismo Consciente no Brasil, conselheira consultiva e jurada de competições de startups.

Caviar amazônico, o que é isso?

Toda essa jornada foi necessária para que Mayra tivesse sua epifania: a Amazônia é um produto caviar. O momento eureka veio após as diversas visitas que a empreendedora fez às fábricas de açaí. “Uma colherzinha de caviar raiz custa por volta de 500 dólares. Por que é tão caro? Porque ele é a ova do peixe esturjão, extraído no mar Caspio. Ele é específico, raro, exclusivo e único”, conta. 

Segundo Mayra, se fizermos uma analogia com a Amazônia ela também é um mercado específico, uma região única. “Essa é a provocação do caviar amazônico. Nós precisamos mudar o paradigma econômico, olhar para os nossos produtos como caviar e não como algo em massa, porque se não a floresta não vai aguentar”, ressalta. 

Para a empreendedora não tem como importarmos um modelo de economia utilizado em outros países, com culturas e demandas diferentes, e achar que vai dar certo. Ela usa o exemplo da cadeia do açaí que, mesmo tendo uma curva acentuada de crescimento no início dos anos 2000, não conseguiu ainda verticalizar a cadeia para produtos com maior valor agregado. “Precisamos olhar para os nossos produtos como algo exclusivo, caro e único”, convoca.

Existe público para isso? Para a CEO da InvestAmazônia sim! “Pense no celular da Samsung, ele faz o mesmo que um da Apple. Então, porque pagamos mais caro por um Iphone? A Apple é uma empresa bilionária que não passa de 14 a 18 por cento do mercado e está feliz com isso. Por que ela não compete com a Samsung ou cresce para 25%? Porque não compramos ‘o que’, mas ‘o porquê’”, conta.

Como transformar um produto da Amazônia em um produto caviar? O marketing entra aí! “O primeiro ponto para trabalhar a Amazônia como bioeconomia é vender uma história. Qual o meu objetivo com a marca caviar? Comunicar a Amazônia de dentro para fora”, destaca. 

O papel da ciência e inovação

Onde a ciência e a inovação entram nisso, então? Em tudo! Segundo Mayra Castro, quando falamos em caviar amazônico levamos as coisas para outro patamar, o que demanda da ciência não apenas um papel científico, mas político e por vezes geopolítico. “Por exemplo, quando o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) foi criado, ele tinha um papel político de fazer frente à pressão internacional que já existia na época. Então, a ciência tem um papel estratégico e precisamos olhar para isso também”, conta.  

Já na questão econômica, P&D são indispensáveis para atribuir valor e credibilidade aos produtos da Amazônia. Mayra conta que, inclusive, algumas das empresas da região já têm uma base forte, pois foram fundadas por pesquisadores, pessoas fora da curva que fizeram isso acontecer. Para a empreendedora, a comunicação com a academia é imprescindível, porém é necessário abrir um pouco a mentalidade. 

“Quando trabalhei fazendo pontes na ciência descobri que muitos dos países com os quais o Brasil quer fazer ponte, acadêmica e científica, têm um modelo diferente do nosso. Um modelo que conversa com o setor privado e que por isso tem dinheiro e gera resultado na sociedade”, aponta Mayra.

A CEO ainda destaca que precisamos entender o que é inovação dentro da sociedade e que isso passa também pela linguagem. “Por exemplo, se você perguntar para um pesquisador qual a sua tese e fizer a mesma pergunta para um investidor, a resposta será diferente. Então, precisamos fazer uma tradução cultural e intersetorial para construirmos pontes mais fluidas”, destaca.

Como fazer esse processo? Para Mayra Castro precisamos de tradutores no meio do caminho. “Sair do seu quadrado comum é complicado, ter um terceiro fator [entre o pesquisador e a empresa] que faça esse papel de comunicador é essencial para conectar uma ponta à outra”. 

Comunidade,  capital emocional e confiança como dinheiro

Em outra ponta dessa cama de gato também temos a comunidade. Segundo Mayra, na Amazônia, a universidade tem geralmente uma relação próxima com comunidades tradicionais. A empreendedora conta que se você quiser, por exemplo, fazer um óleo de andiroba, você vai ter de entender o processo de extração, por isso os pesquisadores vão para as comunidades e unem saberes e conhecimentos.

“Eles vivem e interagem com a comunidade, porque se você chegar junto achando que vai fazer alguma coisa, esquece. É preciso se fazer parte! Digo isso porque eu moro em uma comunidade tradicional ribeirinha. Eu visitei duas casas e eles não quiseram me alugar porque não me conheciam, então é preciso criar essa relação”, destaca.

Essa cultura amazônida também molda a forma como a população local enxerga o dinheiro e se constrói economicamente. Por exemplo, as pessoas da Amazônia estarão menos dispostas a fazer parcerias – mesmo que isso signifique deixar de ganhar dinheiro – se houver a diminuição do seu protagonismo no negócio. Isso acontece pois, normalmente, há um capital emocional envolvido nesses empreendimentos. Dessa forma, o investidor não pode simplesmente achar que irá pagar por uma parte do negócio e pronto, acabou. A relação precisa ser mais profunda, pois envolve questões que estão no âmbito do emocional.

Mayra conta ainda que o perfil do empreendedor da região também tem suas peculiaridades. “A primeira moeda de troca na Amazônia não é dinheiro, é a confiança. Se eu não confiar em você ou não me sentir incluído, não vou aceitar o seu dinheiro. Já vi vários casos assim e essas peculiaridades precisam ser levadas em conta”, destaca. 

Segundo a empreendedora, a co-construção é um desafio. Para ela é preciso criar mecanismos específicos para fazer a região crescer. “Não precisamos de ajuda, precisamos de parceria e acesso. Quem tem a mentalidade de querer ajudar a Amazônia fica em casa, porque nós precisamos de pessoas para construir em conjunto, o que é uma abordagem completamente diferente”, avisa.  

Conexão Amazônia-Mundo

Mayra conta que está construindo uma rota para fora do país, afinal o mundo está de olho na Amazônia. Porém, é preciso que essa conversa seja mais direta. Segundo Mayra, o que está acontecendo é que a maioria das pessoas que estão apresentando e propondo coisas fora do Brasil sobre a Amazônia não são da região. 

A empreendedora lembra que, historicamente, a Amazônia tem uma comunicação com o mundo, desde a época da borracha. Para ela, é preciso restabelecer essa comunicação direta de forma a ganhar tempo, gerar recursos e ter mais resultados.

“Como eu faria isso? Olharia para a Suiça, não só pela a minha relação, mas porque ela é um dos países mais inovadores do mundo. Além disso, olharia para Israel, Coreia do Sul e faria uma interseção com a África do Sul. Ou seja, pensaria em rotas alternativas,  porque acredito que temos de olhar para o que não existe para criar o novo”, completa. 

Quer ver na prática como isso é possível? Não perca o próximo texto da série Potência Amazônica, iremos mostrar um empreendimento, modelo de caviar amazônico, que está ganhando o mundo! 😉

AutoraTuany Alves (jornalista e analista de comunicação pela Wylinka)

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