Deep Techs e Startups

Biostartups: cientistas no comando

20/dezembro/2021

Esse texto é sobre formatos e processos que permitem a explosão das chamadas biostartups, startups fundadas e lideradas por cientistas.

A palavra chinesa para “crise” é a mesma que para “oportunidade” – e reflete muito o cenário atual das startups de biotecnologia no mundo todo: a Covid-19 evidenciou a necessidade de novas soluções biotecnológicas de prontidão, e estas nunca presenciaram um ecossistema com incentivos tão fortes. Cientistas, por sua vez, temem não serem capazes o suficiente para liderar seus projetos inovadores, muitas vezes submetendo suas ideias a tomadores de decisão que não compreendem a fundo o potencial de impacto da tecnologia desenvolvida.

Esse é um tema que trabalhamos há tempos na Wylinka: o conceito de lógicas conflitantes, onde pesquisadores ficam muito distantes do contexto de negócios, e depois precisam ser trazidos mais para perto da realidade de liderar uma startup. Inclusive um dos nossos gestores já escreveu um artigo acadêmico para o SEMEAD, que pode ser encontrado aqui.

Esse texto é sobre formatos e processos que permitem a explosão das chamadas “biostartups”, startups fundadas e lideradas por cientistas. Bora lá?

Modelos internacionais de startups em biotech: VC-Led x Founder-Led

Historicamente, o modelo “liderado-por-investidor” é o consenso quando se trata de gestão de empresas de biotecnologia. Aqui, uma firma de investimento se associa a um(a) cientista e centraliza a estratégia de negócio consigo, reduzindo o papel do(a) pesquisador(a) a apenas o desenvolvimento e execução da pesquisa em si. Embora esse modelo possua um(a) fundador(a) científico(a), a firma (ou aquele quem investe) é a agente que funda e constrói a empresa de fato – desde combinar uma tecnologia no laboratório com uma necessidade ou problema médico não atendido, até o licenciamento da propriedade intelectual, a obtenção de parceiros para funções estratégicas – como a posição de CEO nos estágios iniciais -, e então o recrutamento de uma equipe capacitada em gestão para a execução do negócio.

O grande exemplo desse modelo é a criação da, hoje grande, Genentech: a biotech que revolucionou a produção de compostos úteis em saúde como a insulina sintética, através da manipulação de processos biológicos. Criada na década de 1970, a empresa surgiu da parceria entre um venture capitalist, com o foco no desenvolvimento do negócio, e um co-fundador cientista e professor da Universidade da Califórnia (UCSF) que permaneceu no contexto acadêmico. Muitas vezes, esse é um modelo em que pesquisadores ficam na figura de Chief Scientific Officer ou Scientist in Chief.

Esse tipo de modelo se estabeleceu como o standard para o surgimento de várias outras grandes bio-empresas ao longo das próximas décadas, já que a área demanda altos custos, riscos e grande intervalo de tempo para sua aplicabilidade. A maioria, porém, se concentra em terapêuticos – desenvolvimento de remédios para doenças ou condições de saúde – já que o único teste para o seu sucesso é o teste clínico, no qual ou passa ou não passa, e portanto não há necessidade do alinhamento de um produto que satisfaça o mercado.

Uma das implicações desse modelo convencional tem sido a diminuição o potencial dos fundadores científicos de trabalharem em novos mercados ou em novas aplicações de suas tecnologias em desenvolvimento. Ao mesmo tempo, o mundo ainda é assolado por problemas – ambientais, energéticos, de saúde populacional, etc. – e o número e variedade de empresas não possuem, a tempo, soluções para enfrentá-los. Um modelo que empodere que aqueles(as) que entendem das bases dos problemas e veem além do convencional possam direcionar suas invenções/avanços científicos a mercados ainda não explorados ou explorados de formas ainda convencionais, irá levar ao mundo inúmeros impactos a outro nível.

Cientistas que Geram e Gerem Inovações

Trabalhando com diversos programas de inovação científica, vemos que um dos maiores enganos que fundadores(as) de startups (ou projetos de solução) de biotecnologia possuem (e em outras empresas de base tecnológica, no geral) é a percepção de precisarem entregar o direcionamento/condução de suas soluções a pessoas de negócio, para que apenas estas tomem posições estratégicas, como CEO.

Por um lado, a complementariedade do time fundador é essencial para o sucesso de projetos de inovação. Entretanto, isso não quer dizer que fundadores(as) de áreas e background acadêmico não possam gerenciar suas próprias startups. De fato, dados de firmas de investimento americanas apontam para uma característica única de startups na área de biotecnologia e saúde – os anos de experiência contam, e muito, na capacidade disruptiva da invenção. E não poderia ser diferente – a aplicação prática de conhecimentos em áreas científicas dependem de uma boa captação de insights, e aqui os experts são os protagonistas.

O primeiro passo: Founder-Market Fit

Isso mesmo, o encaixe do(a) fundadora(a) ao mercado em que ele ou ela estão atuando. Mas, ao mesmo tempo, é mais do que isso – é o alinhamento das forças dessa pessoa com a dinâmica e os desafios do seu negócio, especialmente durante os momentos early stage. E em áreas nas quais o desenvolvimento da solução demanda anos, ao invés de meses, esse conceito é essencial, porque é um importante indicador de resiliência do time, além de ser um critério utilizado por diversas empresas de capital em tomadas de decisão de investimento.

Aqui apresentamos alguns parâmetros que medem o founder-market fit:

  • Obsessão: trata-se do “brilho nos olhos”. Essa característica ajudará o(a) fundador(a) a atravessar os momentos difíceis da startup. Um sinal deste parâmetro é o profundo conhecimento sobre o problema, o mercado, os stakeholders, os competidores atuais e até mesmo os potenciais futuros competidores. Nada de superficialidade, nem de suposições.
  • Storytelling do(a) Fundador(a): trata-se do “por quê”. Imagine um(a) fundador(a) de uma startup dizer “eu vi uma oportunidade de mercado” versus “minha missão é…”. Qual narrativa é mais convincente aos usuários e investidores? A aproximação ao usuário, visando a criação de um senso de comunidade e propósito, tem sido um grande esforço das empresas atuais e rende maiores retornos.
  • Network: trata-se da interação com agentes do mercado. Boas relações com o time interno, investidores e outros atores do mercado, além do fit cultural com os consumidores são grandes e valiosas habilidades de um(a) fundador(a).
  • Experiência: trata-se da dose certa de experiência. As habilidades para ter um negócio B2C são diferentes daquelas para se ter um negócio B2B. Ainda mais, como já mostrado, negócios de base tecnológica tendem a demandar conhecimentos profundos sobre o produto.

Nos programas da Wylinka, sensibilizamos os pesquisadores e pesquisadoras a refletirem sobre seu alinhamento com o produto e o mercado, questionando-os (i) sobre o porquê de serem o melhor time para resolver o problema que se propoem a resolver, (ii) sobre como eles se destacariam dos demais competidores, (iii) sobre como enxergam o negócio em 1, 5 e 10 anos, (iv) sobre alguma razão que os faria deixar de construir a startup, e (v) sobre o real entendimento do problema que se propõem a resolver versus a solução em desenvolvimento.

Para um(a) cientista, pode parecer difícil possuir todas as habilidades. Porém, graças à democratização de metodologias de empreendedorismo, no mundo todo, o número de startups de biotecnologia fundadas e lideradas por cientistas ávidos e criativos tem crescido – e estas são as chamadas Founder-Led Biotechs. Junto dessas, o impacto e modelo de negócio das soluções se diversificaram, alcançando grandes rodadas de investimento e até mesmo IPO. Confira aqui algumas delas!

Da academia ao Series A:

  • Asimov – fundada em 2017 e com captação de U$25 milhões em 2020, a startup integra biologia sintética, design computacional e aprendizado de máquina para auxiliar na programação de células.
  • Dyno Therapeutics – fundada em 2018 e com captação de U$100 milhoes em 2021, a startup utiliza da inteligência artificial para otimizar abordagens de terapia gênica.
  • 1910 Genetics – fundada em 2018 por uma mulher cientista afroamericana, com passagem pela maior aceleradora do mundo (Y Combinator) e com captação de U$22 milhões em 2021, a startup integra inteligência artificial e automação biológica para melhorar o desenvolvimento de drogas terapêuticas.

Confira aqui outras startups de biotecnologia que captaram grandes investimentos: Biobot Analytics, Cellino, GRO Biosciences.

Da academia/Dos series ao IPO:

  • AbCellera – fundada em 2012 e registrada na bolsa NASDAC desde 2020, desenvolve anticorpos terapêuticos para diversas condições de saúde humana.
  • Finch Therapeutics – fundada em 2017 e registrada na bolsa NASDAC em 2021, a empresa desenvolve tecnologia microbiana com base em dados de transplantes de fezes bem-sucedidos, com o objetivo de produzir coquetéis de micróbios terapêuticos.
  • SQZ Biotech – fundada em 2013 e registrada na bolsa NYSE, a empresa desenvolve tecnologia de engenharia de células com o fim de inserir materiais específicos dentro das células de pacientes.

O segundo passo: Ecossistema Permissivo/Maduro

Uma característica que envolve tais exemplos de biotechs é a presença de um ecossistema que permite sua viabilização e crescimento. Aqui, programas de incubação e aceleração auxiliam os(as) pesquisadores(as) a encontrarem aplicações para suas tecnologias e se adequarem à necessidade do mercado – encontrarem o “product-market fit”. Além disso, tratando-se de negócios de base tecnológica, espaços laboratoriais ou de bancada muitas vezes são fatores limitantes para a independência das startups, uma vez que geralmente estão vinculados a espaços institucionais públicos. Uma tendência nesse cenário é o aluguel mensal de espaços laboratoriais, o que acelera o desenvolvimento de soluções de forma autônoma.

Com apoio, capacitação e incentivo correto, tudo pode acontecer. E mais, o aumento de casos de sucesso funciona como catalizador do interesse de mais investidores no modelo “founder-led”, tornando-se uma espiral/loop positivo para o ecossistema de inovações biotecnológicas.

E no Brasil?

Por aqui, apesar dos diversos desafios, diversas startups em biotecnologia e outras de base tecnológica são fundadas e lideradas por pesquisadores e pesquisadoras – confira alguns de nossos mapeamentos de tecnologias aqui. Alguns exemplos de biostartups são: Tissue Labs, Biolinker, Genera, Nanox e Quantis.

Na Wylinka, já executamos diversos programas de apoio à inovação de base tecnológica, como o Catalisa, SBQ Acelera, In.cube, e muitos outros, impactando pesquisadores e pesquisadoras de todo o Brasil. Se você gosta de tecnologia e inovação, não deixe de não deixe de nos seguir nas redes sociais — Instagram e Linkedin — para ver as novidades! Aqui na Wylinka não só acompanhamos tecnologias de fronteira como auxiliamos pesquisadores e inventores a transformar tudo isso em negócios e impacto para o Brasil, então talvez algum de nossos programas funcione para você. 😉

Autor: Artur Vilas Boas – Pesquisador na USP em empreendedorismo e inovação (Linkedin)

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