Startups: o que a mídia não conta
Startups: o que a mídia não conta
O momento é de oba-oba. Independente de descompassos políticos e econômicos do cenário atual, vive-se em um momento no qual empreender está na moda, especialmente possuir uma startup. E aí entra o papel dos meios de comunicação, e a mídia (que vem do latim media, plural de medium, os meios) tem representado um papel bastante influente nesse momento. São notícias, eventos e um esforço descomunal em contar os casos de sucesso e mostrar o arquétipo do empreendedor impecável, prodígio e fora-da-curva em todos os sentidos.
Mas o que há por trás de tudo isso? Muita forçação de barra. A ênfase dada à inspiração, que é somente uma parte de uma espiral positiva em ecossistemas de empreendedorismo, acaba que está por matar essa espiral. É o que foi apontado por Darwin no conceito de seleção natural descontrolada, reproduzida e expandida para outros espectros por Geoffrey Miller (2000): imagine um pavão e seu diferencial para conseguir vencer na competição reprodutiva, quanto maior e mais exuberante sua cauda, mais apto o mesmo é para dominar os mecanismos de seleção. Porém ao passo que essa ênfase é reforçada, o corpo do pavão fica mais pesado e com muito menos aptidões físicas, e o mesmo é liquidado no momento que precisa fugir dos predadores- e temos assim os problemas da seleção natural descontrolada.
E assim temos também um pouco das consequências da forçação de barra: os que deveriam somente inspirar como uma externalidade natural de seu empreendimento passam a virar palestrantes e “agentes” do ecossistema que nada fazem além de reforçar a superficialidade do oba-oba. É o glamour empreendedor e a cauda do pavão. Histórias fantasiosas de pouca idade e muita empresa, de muitos números e outras maluquices quase beirando a loucura começam a pipocar de maneira imprudente, criando o mito de que empreender é fácil, de que os resultados sempre vêm e de que o mundo é dos hiper talentosos fora da curva. Chegamos no tempo onde media numbers (“X anos e Y empresas” e companhia) são mais importantes que qualquer biografia de profundidade da The New Yorker. O motivo? A preguiça do leitor de querer maior profundidade em suas leituras e o oportunismo dos veículos buscando mais clicks, mais shares, mais linkbaits — “o importante é viralizar”, dizem os entendedores.
Não, não acredite em tudo que vê — em sua maioria, mera fantasia à procura de mais números e mais penas na cauda do pavão, que não aguentará muito ao ser exposto ao menos apto de seus predadores. Muito além do que a capa do jornal, há muita verdade fundamental que precisa ser aprendida no impulso inicial do empreendedor, é preciso compreender as montanhas-russas emocionais que passamos, é preciso enxergar a fragilidade do novo e é preciso absorver a regra básica necessária para fazer uma startup dar certo: foco, hands on e consistência sempre.
O ecossistema de empreendedorismo brasileiro precisa de inspiração? Sim. Mas deixemos essa inspiração florescer naturalmente das entregas e de uma execução incrível, deixemos que a inspiração seja externalidade e concentremos em capacitação, em conexão e em suporte inequívoco. É nisso que acreditamos. Plantio diário, flawless execution e consistência. Os resultados vêm, e confiamos no processo.
E, afinal, o que a mídia não conta?
Você vai ter muitos chefes. Esqueça a ideia de que empreender é ter liberdade, pois clientes, investidores, parceiros, funcionários e todos os outros envolvidos serão muito mais duros — e te machucarão muito mais profundamente — que qualquer chefe. Eles irão te deixar no chão, e você vai aprender a se levantar.
Abrace a solidão, ela será sua companheira. A partir do momento que todos ao seu redor são diretamente envolvidos e impactados pelo seu negócio, as coisas começam a ficar mais difíceis. É difícil se abrir quando se é um líder, é difícil demonstrar fragilidades quando se precisa carregar um time nas costas e é muito difícil buscar conselhos e suporte quando se está no topo do ranking de “role models” de todos os seus amigos.
O fracasso existirá, sempre. Uma das piores fantasias colocadas pela mídia é que o caminho é uma linha reta e ascendente. Desculpe-nos te decepcionar, mas não é. Ela pode até rumar de maneira positiva no eixo y, mas saiba que os percalços estarão sempre presentes, transformando essa ascensão em algo próximo a uma senóide.
Inteligência emocional será a mais exigida de suas competências. Startups são altamente sensíveis, tanto às boas quanto às más notícias. Qualquer “temos muito interesse no seu produto” mudará sua vida, bem como outros “as coisas mudaram um pouco por aqui” te farão querer sumir do mundo e desistir de tudo — e ambas as frases serão frequentes no seu cotidiano.
A maioria das startups está em “zombie mode”, ou seja, parecem se movimentar, parecem ter vida, mas não mais operam, não funcionam e vivem há um bom tempo dando vida aos muitos CEO’s de landing page que temos por aí. Procure saber qual foi a última venda realizada por aquela startup ou por aquela pessoa que está figurando as notícias motivacionais sobre empreendedorismo, você verá que crescimento e execução não é algo muito comum para esse tipo de empreendedor.
Por fim, vale a pena. Você estará em um esforço fora de série para mudar a vida de muitas pessoas — e se conseguir, toda a conta emocional envolvida nos itens acima será paga com facilidade (e lucros). E você passará a perder todo e qualquer interesse em sair na mídia, pois saberá que o seu trabalho e sua paixão valem muito mais a pena que qualquer abordagem superficial que somente te enche o ego — as veiculações começam a se tornar exclusivamente centradas em captação e conversão de novos clientes, e você perceberá a diferença.
E assim damos a nossa contribuição como parte da mídia na construção de um ecossistema mais consciente. Esperamos que esse seja mais um texto para mostrar que, no fim do dia, o que o Brasil precisa é de mais empreendedores que executam do que palestrantes que dão a mínima para isso tudo.
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