A revisão das políticas públicas na Europa para as Deep Techs: políticas para entrada ou para crescimento?
Quando falamos de Deep Techs, um tema fundamental é a maturidade institucional de uma região – ou seja, a segurança jurídica, a qualidade das políticas públicas, o ambiente regulatório favorável, os aspectos culturais e outros elementos. E um debate que aqueceu a Europa nas últimas semanas foi o estudo “O futuro da competitividade na Europa”, apresentado pelo economista Mario Draghi (ex-presidente do Banco Central Europeu) por solicitação da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. No estudo, o economista tece duras críticas à maneira como a Europa se organizou para a inovação nos últimos anos – e damos alguns destaques aos seguintes trechos:
“Em diferentes métricas, um grande gap se abriu entre UE e os EUA – impulsionado principalmente por uma desaceleração mais pronunciada no crescimento da produtividade na Europa. As famílias europeias pagaram o preço pela perda de padrão de vida. Em uma base per capita, a renda disponível real cresceu quase o dobro nos EUA do que na UE desde 2000.”
“Primeiro — e mais importante — a Europa deve reorientar profundamente seus esforços coletivos para reduzir o gap de inovação com os EUA e a China, especialmente em tecnologias avançadas. A Europa está presa em uma estrutura industrial estática, com poucas empresas novas surgindo para disromper as indústrias existentes ou desenvolver novos motores de crescimento. Na realidade, não há nenhuma empresa da UE com valuation acima de 100 bilhões de Euros que tenha sido criada do zero nos últimos cinquenta anos. Enquanto isso, todas as seis empresas dos EUA com uma avaliação acima de 1 trilhão de Euros foram criadas neste período. Essa falta de dinamismo é uma profecia autorrealizável.”
“Não há instituições acadêmicas suficientes atingindo os níveis mais altos de excelência, e o pipeline da inovação para a comercialização é fraco. (…) No entanto, enquanto a UE ostenta um sistema universitário forte na média, não há universidades e instituições de pesquisa suficientes no topo. Usando o volume de publicações nos principais periódicos científicos acadêmicos como uma métrica indicativa, a UE tem apenas três instituições de pesquisa classificadas entre as 50 melhores globalmente, enquanto os EUA têm 21 e a China 15.”
“Barreiras regulatórias para escalabilidade são particularmente onerosas no setor de tecnologia, especialmente para startups. (…) Segundo, a postura regulatória da UE em relação às empresas de tecnologia dificulta a inovação: a UE agora tem cerca de 100 leis focadas em tecnologia e mais de 270 reguladores ativos em redes digitais em todos os Estados-Membros. (…) Terceiro, as empresas digitais são dissuadidas de fazer negócios em toda a UE por meio de subsidiárias, pois enfrentam requisitos heterogêneos, uma proliferação de agências reguladoras (…). O efeito líquido desse fardo de regulamentação é que apenas grandes corporações — que geralmente não estão baseadas na UE — têm capacidade financeira e incentivo para arcar com os custos de conformidade. Jovens e inovadoras empresas de tecnologia podem optar por não operar na UE.”
E, diante desse cenário, como governos e responsáveis por políticas públicas de inovação devem se organizar? Uma resposta interessante vem também da Europa, com um recente estudo sobre políticas de crescimento de empresas de tecnologia que funcionaram de maneira efetiva na Itália. Como política pública e insegurança jurídica para Deep Techs é um ponto central nos nossos produtos aqui da Wylinka, resolvemos reservar esse texto para isso. Vamos lá?
Políticas de crescimento vs. políticas de entrada: o Italian Startup Act
Um dos pontos centrais na crítica de Mario Draghi gira em torno da ausência de políticas públicas que incentivem o crescimento / escalabilidade das empresas de alta tecnologia. Aqui temos uma separação importante que vem sendo apresentada nos últimos anos: não é só sobre incentivar empreendedorismo, mas incentivar empreendedorismo de alto crescimento, capaz de gerar muitos empregos e criar bases para transições tecnológicas regionais. Nesse sentido, entende-se que há um espectro de políticas públicas destinadas somente ao crescimento de empresas de tecnologia – e essas são geralmente negligenciadas, eclipsadas por políticas de incentivo à criação de startups (ou políticas de entrada). Em um estudo de 2023 na Small Business Economics, Grilli e colegas debatem exatamente este ponto: o papel do Italian Startup Act no incentivo ao crescimento de Deep Techs na Itália.
E o que foi o Italian Startup Act? Em suma, se parece com o nosso marco da inovação e das startups (que já cobrimos nesse texto aqui), visando criar um ambiente mais favorável para startups por uma série de instrumentos regulatórios, como custo zero de incorporação de uma empresa, simplificação de procedimentos de falência, incentivos fiscais para investimentos em equity e garantias públicas para acesso a crédito bancário para empresas de tecnologia. Como destacam Grilli e colegas, tal marco regulatório se caracterizava por políticas de entrada (facilitam criação de startups) e políticas de crescimento (facilitam o crescimento e a escalabilidade das startups), desdobrando-se da seguinte maneira:
- Políticas de entrada: redução de custos de criação de empresas (taxas e impostos) e redução do tempo para criação de uma empresa (simplificação de procedimentos de incorporação);
- Políticas de crescimento: flexibilização trabalhista (contratos menos rígidos), salário dinâmico (facilitação para remunerações baseadas em performance), facilitação para remuneração por meio de equity, atração de high-skilled people (menores impostos para funcionários com alta qualificação, como doutores), incentivos para investidores (deduções fiscais em IR), incentivos para financiadores (garantias governamentais para crédito bancário), suporte a internacionalização (consultoria da Agência Italiana de Comércio) e incentivos para crowdfunding.
O resultado? Os autores identificaram associação positiva (com significância estatística) entre políticas de crescimento e atração de empreendedores que criam grandes empresas de tecnologia. Com isso, a Itália tem atraído uma série de talentos para criar empresas de alta tecnologia, além de incentivar os investidores a aportar capital em tais empresas. Complementarmente, a OCDE apresentou um estudo avaliando os impactos de tal marco regulatório, indicando resultados 10-15% maiores para as empresas que se beneficiaram do programa. Embora em inglês, a tabela abaixo detalha melhor uma avaliação feita sobre o programa em 2016, com relações de impacto super interessantes (flexibilização trabalhista, incentivos para venture capital e incentivos para P&D liderando os de maior impacto):
Conclusão
Segurança jurídica no incentivo à inovação é uma pauta super importante para nós aqui na Wylinka – inclusive sendo bastante debatida durante os eventos itinerantes do Fórum Brasileiro de Deep Techs. E como apresentamos no texto, o desenho de incentivos regulatórios é muito maior do que respostas rasas do tipo “precisamos de uma regulação melhor” – a forma e as modalidades de incentivo importam muito. A compreensão da multitude de instrumentos distintos (como os destacados na tabela acima), bem como o efeito deles é fundamental para a criação de sistemas de inovação mais produtivos.
E se você é um decisor público e quiser aprofundar no entendimento sobre políticas de entrada e políticas de crescimento, não deixe de nos procurar! Temos atuado intensamente para a melhoria de ambientes de inovação no país, como por meio do projeto Mobiliza, que visa a capacitação de agentes públicos e impulsiona a criação/implementação de políticas públicas de inovação. Tem interesse em algo assim na sua região? É só entrar em contato com nosso comercial, Anna Bolivar (anna.bolivar@wylinka.org.br). Também não deixe de nos acompanhar nas redes sociais – Linkedin e Instagram.