Aceleração e Metodologias

Um novo modelo de apoio para negócios de alto risco com base em ciência e tecnologia

18/outubro/2020

Um novo modelo de apoio para negócios de alto risco com base em ciência e tecnologia

Tem sido um grande desafio, em diversos países, incentivar o empreendedorismo baseado em ciência e tecnologia, algumas vezes definido como “deep tech”, “hard science”, ou “rocket science”, uma vez que há riscos e complexidades mais elevados em comparação a negócios que possam escalar mais rápido e com menores investimentos iniciais.

No Brasil temos muitas soluções e conhecimento em desenvolvimento na área de saúde, mas que enfrentam o vale da morte e não se desenvolvem a ponto de chegar a ser soluções aplicáveis. Dados do Global Innovation Index de 2019 e de estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada de 2016 mostram que 45% das publicações científicas brasileiras são em áreas relacionadas à saúde. Também mostram que a participação brasileira na produção científica mundial é crescente, principalmente em áreas de Ciências da Vida e Biomedicina. O Brasil apresenta alta especialização científica em Ciências da Vida e Biomedicina, em níveis mais elevados que países como EUA e Inglaterra. Medicina tropical é área de altíssima especialização científica global e a Fiocruz é a instituição que mais publicou no mundo. No entanto, há um gap de investimento para as etapas de pesquisa em laboratório, prova de conceito e produção do protótipo, que se agrava com a diminuição que os aportes governamentais para C&T vem sofrendo. É necessário fomentar o desenvolvimento de ideias, negócios e projetos nascidos da ciência, apoiando as fases entre a pesquisa e o teste em campo.

Photo by CDC on Unsplash

No projeto Deep Tech Saúde, em que a Wylinka mapeou soluções de base científica e tecnológica com o potencial de ampliar o acesso para a base da pirâmide a diagnóstico e atenção primária, percebemos dificuldades para o desenvolvimento das soluções, com a maior parte das tecnologias em estágio inicial ou ainda não inseridas no mercado. Entre as principais necessidades para desenvolvimento apontadas estava o aporte de capital e a parceria para testes e validação em campo.

Formas atuais de apoio

É notória a importância de unir a produção científica com a geração de negócios sustentáveis que possam trazer impacto positivo para a economia e a sociedade; basta lembrar do conceito já relativamente antigo de tríplice hélice ou das fortes movimentações das agências de inovação nos últimos 10 a 20 anos. O próprio Decreto 9.283 de 2018 busca formas mais ágeis de permitir que os conhecimentos e tecnologias desenvolvidos nas universidades e centros de pesquisa cheguem ao mercado.

Há programas já consolidados, como o PIPE da FAPESP, outros mais recentes como o Centelha da Finep, além dos diversos programas de apoio a startup que indiretamente também podem beneficiar este tipo de ação. Há também habitats de inovação como aceleradoras e incubadoras, que apoiam a estruturação de um negócio a partir de pesquisas e inciativas acadêmicas — um exemplo mais voltado para hard Science é a Baita, de Campinas.

De forma geral, os instrumentos de apoio financeiro para este estágio bastante inicial são montados como grants, ou subvenção econômica, e em menor número, no formato de equity, com participação em sociedades empresariais. Ambos são instrumentos de maior tolerância ao risco, em ambos os casos se assume a possibilidade de que os recursos não serão ressarcidos plenamente, diferente do mecanismo de crédito, o qual inclui garantias para a proteção do saldo desembolsado.

O modelo usado pela Israel Innovation Authority (IIA)*

Seguramente Israel apresenta um modelo de muito sucesso em termos de conversão do conhecimento gerado em universidades e centros de pesquisa em faturamento e novos negócios na economia. Os seus NITs (lá chamados de TTO — Technology Transfer Office) são montados como estruturas privadas, mesmo que ligados a instituições públicas, para ter equipe estável e muito bem equilibrada, montando conjunto de aptidões importantes para a negociação desta transferência de tecnologia — há desde pesquisadores renomados que conseguem ter trânsito no meio acadêmico, como também advogados e financistas especializados em encontrar mercado e conduzir negociações para a transferência da tecnologia para o meio empresarial.

Em um dos mais prestigiados casos, o Yeda, relacionado com o Weizmann Institute, possui um modelo que possui um bom modelo de compartilhamento de royalties, deixando até 40% com os pesquisadores. Mas o mais importante, observado em conversa com representantes da instituição, é que não se deve tomar muito tempo na negociação do valor do conhecimento ou da patente, caso já tenha sido depositada. É importante tornar rápida a possibilidade de teste inicial por parte de alguma empresa, em arranjo definido de distribuição de royalties em caso de sucesso, privilegiando licenciamento ao invés de abertura de empresas / startups.

Assim, fica evidente que por melhor que seja a patente e por mais promissores que tenham sido os resultados obtidos em laboratório, será necessária a colocação de um capital tolerante a risco para testar a criação de um negócio em torno deste conhecimento, que colocará outros riscos e desafios associados, como a produção industrial, a logística, o marketing, riscos de concorrência, etc.

É neste ponto que o IIA se coloca como um grande apoiador para que estas tecnologias possam ser colocadas na prática, disponibilizando um tipo especial de subvenção econômica, chamado de conditional grant. Este modelo, que poderia ser chamado de subvenção condicional em português, permite um adequado compartilhamento de risco e retorno e oferece às empresas interessadas melhores condições para levar estas tecnologias promissoras e de alta complexidade à economia, uma vez que há maior tolerância aos riscos desta ação.

Entre as vantagens do modelo de subvenção condicional está a possibilidade de evitar a perda de Propriedade Intelectual (PI) — uma das preocupações em Israel era dar subvenção e depois a empresa levar a equipe de pesquisa para outro país, ou registrar os conhecimentos em outras jurisdições, diminuindo a possibilidade de retorno social e econômico para o país. Neste modelo, a beneficiária precisa pagar um múltiplo do valor recebido, que pode ser maior caso não trate sua PI da maneira esperada.

Assim, quando há casos de sucesso, a empresa paga de volta como participação em royalties, até atingir o múltiplo definido pelo IIA. Desta forma, evita-se também o que se chama em economia de incentivo perverso — projetos de extremo sucesso, que faturassem muito teriam que pagar de volta ao governo mais em comparação às iniciativas fracassadas; ao se colocar um “cap”, ou um limite baseado em um múltiplo definido, assim que este for atingido cessam os pagamentos. Este de fato é um exemplo de capital paciente, pois se o múltiplo demorar 15 anos para ser atingido, por exemplo, haverá tolerância para tal. Em qualquer situação, é um resultado fiscal muito melhor do que a subvenção tradicional. Estudos indicam que Israel recupera 30% deste recurso. Um ponto a se ressaltar, é que a recuperação destes recursos é realizada pelo Tesouro e não pela agência, evitando também eventual conflito de interesses da agência buscar apoiar apenas os projetos com maior potencial de geração de receitas, deixando de arriscar em áreas que possuem maior complexidade ou riscos.

Impactos no Brasil

Atualmente as subvenções econômicas são executadas principalmente pela Finep, que o faz de maneira descentralizada (como nos programas Centelha e Tecnova, em parceria com as FAPs) ou de forma direta, sempre por editais de concorrência pública, que podem ter temais mais gerais (chamadas de 2006 a 2010) ou específicas para um setor, principalmente a partir de 2011. Há um modelo de recursos não reembolsáveis usado pela Embrapii, Organização Social com contrato de gestão com MCTIC e MEC, mas não é exatamente uma subvenção pois os recursos são direcionados para Instituições de Ciência e Tecnologia (ICTs), ainda que em ação coordenada com empresas interessadas. Mas neste formato, é o ICT que se torna uma unidade Embrapii e busca caminhos para interagir com empresas, invertendo a lógica da empresa direcionar o processo.

A possibilidade de se iniciar o uso deste novo modelo de subvenção especificamente para apoiar a transferência de tecnologia pode ser um grande incentivador para que se corra o risco necessário de testar os novos conhecimentos no mercado. No limite, uma empresa interessada poderia eventualmente ter direito a uma licença inicial de uma nova tecnologia por custo quase zero, tendo acesso a este incentivo financeiro, e os pagamentos seriam feitos, apenas em caso de geração de receita, ao agente financiador e também ao ICT e equipe de pesquisa. Tendo em vista que há fundos de seed capital que em conjunto com aceleradoras já conseguem absorver uma parte de novos negócios mais rapidamente escaláveis, esta ação poderia ter foco inicial justamente em itens de maior complexidade tecnológica, em hard Science, ou em áreas com grande possibilidade de impacto social, mesmo que em mercados mais restritos (ex: solução tecnológica para educação pública). Seria, em muitos casos, uma solução interessante em comparação a outras alternativas de financiamento (crédito, que necessitaria de histórico financeiro e garantias; equity, que dependeria de um modelo mais rapidamente escalável, ou mesmo a subvenção tradicional, que não traria qualquer perspectiva de retorno).

Baseado na dissertação de mestrado “Hybrid financial instruments as a strategy to increase risk/return sharing when financing innovation” de autoria de William Rospendowski e em visita ao país em 2018 — disponível em link.

Esperamos que tenha gostado! Se quiser ler mais sobre o tema, aqui falamos sobre “Áreas de oportunidade de ação em ciência e tecnologia em saúde no Brasil para além do contexto da pandemia” e aqui sobre “10 vezes em que a ciência brasileira brilhou contra o Covid-19”. Conheça também o mapeamento de tecnologias para COVID-19 que fizemos junto com o Núcleo de Política e Gestão Tecnológica da USP (PGT-USP) e o PIPE Social.

No nosso site e nos nossos canais no Instagram, Linkedin ou Facebook você pode conhecer outros projetos que já fizemos e em Ciência e Tecnologia pelo Brasil e pelo mundo, além das novidades mais relevantes sobre o tema.

Autores: Ana Carolina Calçado (diretora na Wylinka) e William Rospendowski (mestre em Políticas de Ciência, Tecnologia e Inovação pela Universidade de Sussex)

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