Deep Techs e Startups

Como o Investimento de Impacto dialoga com Investimento em Deep Techs?

26/setembro/2023

O setor de impacto está movimentando bilhões no Brasil. Segundo o report da Ande de 2021, houve um investimento de R$18,7 bilhões em impacto no Brasil, distribuídos entre 319 negócios fechados.

O que caracteriza esse tipo de investimento em impacto? Estamos falando de investimentos diretos em empresas que têm um determinado impacto ambiental ou social como objetivo explícito, assim como a expectativa de retorno financeiro. Nesse cenário, 71% dos investidores que compõem o passivo dos fundos são indivíduos de alto patrimônio líquido.

Em paralelo, o relatório “Deep Tech Investment Paradox”, traduzido para o português pela CAOS Focado, revela que as deep techs bem-sucedidas estão concentradas em resolver os grandes problemas da humanidade. Para se ter uma ideia, 97% das deep techs contribuem para pelo menos um dos ODS da ONU. 

Neste artigo eu te conto como esses dois mundos se cruzam nos Investimentos. Vamos lá!

Onde o Investimento em Impacto e as Deep Techs se encontram

Assim como a internet transformou as nossas vidas há algumas décadas, as deep techs têm o potencial para impactar o mundo, liderando a quarta onda de inovação. 

Para ilustrar seu potencial de impacto no Brasil, trago o exemplo da Cromai, uma empresa do portfólio da CAOS Focado, um Venture Studio focado em startups deep tech, desde sua concepção até o estágio de product market fit. Por meio da aplicação de algoritmos de visão computacional e aprendizado de máquina de última geração em um sistema de detecção de plantas daninhas em cana de açúcar, a Cromai consegue economizar, atualmente, mais de 65% no uso de herbicidas nessa cultura. Isso contribui diretamente para a redução da pegada de carbono e para a prevenção de contaminações ambientais. 

Em exemplos como esse, pode-se dizer que a espinha dorsal do investimento em impacto e em deep tech é a mesma. Mesmo que, atualmente, não haja uma relação clara entre esses dois conceitos (investimento de impacto e deep techs) no investimento em startups early stage, cabe dizer que existem empreendedores da economia real que construíram patrimônio e possuem as condições e a relevância necessárias para causar impacto, compreendendo a relação simbiótica entre o investimento em impacto e em deep techs. Um exemplo é a Green Rock, um family office dos fundadores dos laboratórios Salomão Zoppi, que investe em Venture Capital e Private Equity relacionados a tecnologias de fronteira, como biotecnologia, com foco em resolver os grandes problemas da saúde no Brasil.

Devido à complexidade dos desafios relacionados aos ODS e ao conhecimento científico necessário, é impossível que duas pessoas em uma garagem consigam criar uma inovação em deep tech. Cerca de 1.500 universidades e laboratórios de pesquisa estão envolvidos com tecnologia profunda, e as empresas baseadas em conhecimento científico mais avançado e complexo receberam cerca de 1.500 subvenções de governos em 2018. 

A meta de 2050 para redução de emissões de gases do efeito estufa (para limitar o aquecimento global a no máximo 2ºC, e até mesmo 1,5ºC) não será alcançada com soluções convencionais. Para resolver os grandes desafios da humanidade, não são suficientes inovações em softwares e aplicativos. É preciso mais do que apenas bits; é preciso algo profundo em termos de tecnologia e modelo de negócio.

Mais repertório e casos de sucesso

A Deep Science Ventures, um fundo de Venture Capital com operação de Venture Studio, também atua aproximando o investimento de impacto e o investimento em deep tech. Seu lema é ‘estamos criando um futuro no qual a humanidade e o planeta possam prosperar’. O fundo é focado em quatro resultados principais: cultivo restaurador, expansão da inteligência, reversão do aquecimento global e terapêutica curativa.

Um exemplo de empresa do seu portfólio é a Mission Zero Carbon, que está desenvolvendo uma tecnologia de captura direta de ar (DAC) que recupera o CO₂ de alta pureza do ar, incorrendo em apenas uma fração dos custos e da energia necessários para fazê-lo hoje. Isto permite desbloquear os mercados CCU (Carbon Capture and Utilization) e CCS (Carbon Capture and Storage), de forma descentralizada, permitindo que muito mais atores se juntem à jornada rumo ao Net Zero.

Outro exemplo é o da Flagship Pioneer, Venture Studio que cria avanços em saúde humana e sustentabilidade e constrói empresas de bioplataforma desde 2000, com um portfólio de mais de US$34B. Uma das empresas do seu portfólio é a Moderna, criadora de vacinas para a Covid-19.

Impacto, Deep Tech e Blended Finance

O Blended Finance também é uma convergência entre o investimento de impacto e o investimento em deep tech. O relatório “Investindo em Deep Techs”, da Wylinka, traz que o modelo de blended finance combina recursos financeiros advindos de diferentes tipos de capitais (públicos, privados, filantrópicos) com o objetivo de estimular o investimento em projetos sustentáveis, sendo muito utilizado para alcançar as metas dos ODS. Já a OCDE (2018), destaca que o Blended Finance é o uso estratégico do capital de desenvolvimento para a mobilização de capital adicional com foco no desenvolvimento sustentável de países em desenvolvimento.

Este conceito é importante devido ao equilíbrio dos tipos de fonte de capital e expectativas de retorno muito diferentes entre si. Enquanto um venture capital puro não aceita entrar no risco de fases mais embrionárias das deep techs, o governo e instituições cujo objetivo é promover externalidades positivas, e não apenas obter altos retornos, aceitam fazê-lo. Nesse sentido, a combinação de diversos tipos de financiamento e mentalidades oferece uma ótima oportunidade para acelerar o desenvolvimento das deep techs no Brasil.

Para definir a estratégia de blended finance, é preciso entender o estágio de maturidade do negócio e as relações de risco e retorno para o investidor. Em estágios muito iniciais, pode-se contar com investidores anjos e apoio governamental à pesquisa. Já o capital privado, como o venture capital, pode entrar quando as principais incertezas tecnológicas já foram abordadas.

No Brasil, o blended finance é particularmente importante para as deep techs. Um exemplo é a Quantis, outra empresa no portfólio da CAOS Focado. Ela atua na área de biotecnologia, desenvolvendo bioimpressão 3D e engenharia genética para produção de insumos humanos, revolucionando tratamentos em medicina regenerativa. A Quantis combina investimento privado de anjos, uma aceleradora especializada em biotecnologia, e um fundo de Corporate Venture Capital (CVC) com investimento não reembolsável público da FAPESP, FINEP, Sebrae e FAPEMIG. Atualmente, a Quantis está em busca de R$1,5 milhão de investimento privado para submeter ao PIPE Invest, dobrando o montante da rodada com recursos não reembolsáveis.

Já sobre fundos de blended finance, um bom exemplo é o Seed4Science. Gerido pela Fundepar Investimentos, ele é um Fundo de Investimento em Participações que tem como objetivo desenvolver negócios de base tecnológica inovadora em estágios iniciais. Essa iniciativa é um esforço conjunto da FUNDEP, FAPEMIG e BDMG para ampliar a disponibilidade de capital para empresas inovadoras em Minas Gerais. O Fundo também conta com a participação da Funarbe e da Codemig como parceiros. Há ainda a KPTL, que possui os fundos Criatec com investimento do BNDES e recentemente lançou um fundo de investimento de R$45 milhões da Finep.

Outras possibilidades

Associado a isso, há um crescente aumento de fundos de corporate venture capital (CVC) voltados para deep tech. Eles podem entrar em fases mais embrionárias do negócio e, em alguns casos, atuam como Venture Builders. Um exemplo é a Alvarez & Marsal, líder global em consultoria, melhoria de desempenho, reestruturação e recuperação empresarial. Em 2019, a A&M criou o Next, um fundo de CVC, com o objetivo de investir em startups, incluindo empresas de base tecnológica disruptivas.

Temos de lembrar também que um aspecto prevalente no setor de investimento de impacto é o capital filantrópico (correspondendo a 29% do investimento total), pouco observado no setor de deep tech. Tendo em vista o horizonte de impacto de uma deep tech, faz sentido contar também com este tipo de capital. 

Nesta tendência, surge o conceito de venture philanthropy. Esse modelo é o resultado da apropriação do modus operandi do venture capital voltado ao investimento para o impacto socioambiental. Um exemplo é o i.V Ventures, que é um fundo de impacto early stage que apoia empreendedores em estágios iniciais comprometidos com o desenvolvimento das soluções transformadoras para água e saneamento, economia de baixo carbono e habitação de interesse social. 

A aceleradora de negócios de impacto Quintessa também tem levantado essa bandeira junto a family offices, o que mostra que falta pouco para que o investimento de impacto e deep tech deem as mãos.

Trabalhando no presente, por um amanhã

A crise climática continua piorando à medida que as emissões de gases de efeito estufa continuam a ascender. O último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas conclui que a temperatura global já está 1,1°C acima dos níveis pré-industriais e provavelmente atingirá ou superará o ponto crítico de inflexão de 1,5 °C até 2035.

Catastróficas ondas de calor, secas, inundações e incêndios florestais tornaram-se muito frequentes. O aumento do nível do mar está ameaçando centenas de milhões de pessoas em comunidades costeiras. Além disso, a pandemia de Covid-19 interrompeu três décadas de progresso constante na redução da pobreza, com o número de pessoas vivendo em extrema pobreza aumentando pela primeira vez em uma geração. Ela também causou o maior aumento da desigualdade entre países em três décadas.

Diante desse cenário e da proximidade do ano de 2030, que marca o horizonte dos ODS da ONU, torna-se fundamental olhar para o impacto com as lentes das deep techs, e vice-versa. Quanto mais aproximamos os interlocutores de cada ecossistema, mais tecnologias estarão disponíveis em prol da humanidade.

No Brasil o cenário já está amadurecendo nesse sentido. No 1º Fórum de Deep Techs realizado em junho de 2023 pela Wylinka e CAOS Focado, em parceria com o Hello Tomorrow e a State, reuniram-se representantes do investimento em deep techs e representantes do investimento de impacto (público e privado). O movimento do ecossistema é animador, mesmo em meio à crise dos Venture Capitals tradicionais.

A Hello Tomorrow, criada em 2011 por um grupo de indivíduos convencidos de que a ciência tem o potencial de mudar o mundo para melhor, acredita que a tecnologia pode fornecer soluções para alguns dos maiores problemas do nosso século, começando pelas alterações climáticas. Diogo Dutra, CEO da CAOS Focado, também está otimista em relação ao amadurecimento do ecossistema de deep techs e a perspectiva para a América Latina: ‘Estamos animados para ver a história que o Brasil vai escrever e como nós, da CAOS Focado, podemos ajudar a construir essas pontes’.

Juntos, podemos enfrentar os desafios mais prementes da nossa era e forjar um futuro mais sustentável para todos. Vamos juntos?

Autora: Sílvia Takey, Business Developer & Co-Founder de Startups Deep Tech (Linkedin)

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