Aceleração e Metodologias

Germinação: o diferencial do Vale do Silício chega ao Brasil

02/novembro/2020

Germinação: o diferencial do Vale do Silício chega ao Brasil

Nos últimos anos, ouvimos a mesma coisa de diversos ambientes brasileiros “é o Vale do Silício brasileiro”. A intitulação — na maioria das vezes autointitulação — é perigosa e cai em um erro comum das análises: observar apenas o momento presente do Vale do Silício e tentar replicar/emular. Como já falamos em alguns posts e trabalhos: precisamos parar de emular o Vale do Silício e começar a analisar sua história para entender o que pode ser adaptável e o que não pode ser. Comparar-se, na maior parte das vezes, é injusto e leviano. Contudo, aprender com a história da região é possível e produtivo.

Aqui na Wylinka, temos como missão desenvolver ecossistemas ao dar suporte para instituições na criação de mecanismos que gerem mais negócios de base tecnológica. Durante nossa história, ajudamos a construir diversos programas que desenvolveram instituições e regiões, como o programa de aceleração de tecnologias do CPQD (Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações, um dos maiores centros de P&D em TI e Telecom do Brasil) junto a startups. Nessa jornada, temos estudado bastante como desenvolver regiões e ambientes de fomento a startups de base tecnológica, e o texto de hoje é uma leitura sobre o momento atual, final de 2020, para o ecossistema de startups brasileiro.

A origem do Vale do Silício

Quando analisamos documentos históricos do desenvolvimento do Vale do Silício, como o registro escrito em 1990 por AnnaLee Saxenian, no qual ela analisava a emergência da região e suas taxas de crescimento mais elevadas que outras regiões de base tecnológica, como a Rota 128 (em torno de Boston, MIT e Harvard), podemos identificar elementos marcantes na trajetória do Vale. Saxenian reforçava: “não é um simples fruto do livre mercado ou de alguma política nacional, mas sim o resultado de uma densa rede de relacionamentos sociais, profissionais e comerciais da região”.

Na visão da pesquisadora, o fenômeno de empresas nascidas a partir de outras empresas (entrepreneurial spawning, o qual traduzimos como “germinação de novos negócios”) garantiu a sofisticação da região com soluções mais especializadas, responsivas e eficientes. Além disso, a migração de pessoas entre empresas, bem como o sucesso de alguns negócios transformando empreendedores(as) em investidores(as), construiu uma nova rede de colaboração entre clientes, parceiros, fornecedores, fundos de investimento, universidades e muito mais. A colaboração catalisou a transferência e apropriação de conhecimentos, gerando a sofisticação que falamos acima.

O papel de todo esse desenvolvimento registrado por Saxenian é bem registrado no framework de competitividade regional proposto pelo Fórum Econômico Mundial, como pode ser visto na imagem abaixo — a inovação e a sofisticação caminhando juntas no desenvolvimento local.

A consequência deste desenvolvimento? Maior geração de empregos de qualidade, mais investimentos em educação para suprir a demanda por talentos, amadurecimento das instituições locais e mais.

E o Brasil?

Essa é a tese central deste post: começamos a identificar no Brasil os mesmos padrões da emergência do Vale do Silício. Com os grandes exits, que começaram em 2018 com a 99, vieram mais recursos sendo injetados, novos unicórnios surgindo e uma massa de talentos sendo formada dentro das startups. Talentos formados dentro das startups, talentos prontos para empreender — e assim tivemos mais de 20 startups sendo fundadas por ex-funcionários(as) da 99, considerado um “celeiro de startups”, muitas delas recebendo investimentos dos próprios fundadores. Fenômeno igual ocorreu com a Pipo Saúde, em que um dos fundadores foi um dos primeiros funcionários da Nubank, e, ao sair para fundar a startup, recebeu investimento do próprio CEO da Nubank, David Vélez. Grandes startups se tornando berço para uma nova geração de empresas de tecnologia gerou o que muita gente chama de “Mafias”, como a PayPal Mafia.

O racional por trás é que trabalhar em uma startup, diferente do trabalhar em grandes empresas, (i) te dá maior visibilidade de processos de gestão, (ii) capacita em um maior leque de funções (com os primeiros funcionários(as) trabalhando em múltiplas áreas), (iii) fortalece a rede de relacionamentos por meio de acesso a redes de investimento, fornecedores e mais. Além disso, há vieses de seleção (sorting biases) participando do fenômeno: pessoas empreendedoras se atraem mais por startups, bem como são bem sucedidas na carreira e em processos seletivos de tais empresas.

E onde isso impacta? Como já falamos: geração de empregos, educação, amadurecimento de instituições e mais. Alguns exemplos recentes:

  • Geração de empregos: com as grandes rodadas de investimentos que tais empresas estão atraindo (até mesmo as nascentes, como a Pipo Saúde, já alcançam captações acima dos R$20 milhões), milhares de empregos estão sendo gerados. Como aponta estudo: três das cinco vagas de emprego em crescimento no Brasil estão no setor de tecnologia. Empregos indiretos também são gerados: como ocorreu no Vale do Silício, as empresas nascentes, por serem mais modernas, estão mais dipostas à contratação de novas startups (como startups de benefícios, gestão de talentos, fintechs e mais), fortalecendo as novatas e ampliando sua capacidade de contratação.
  • Investimento em educação: para suprir a demanda por talentos em tecnologias, muitas startups de educação surgem com modelos que incentivam a transição de carreira, como modelos de ensino gratuito (école 42), modelos de pagamento somente quando empregado (Trybe e Labenu) ou até mesmo instituições, como as próprias startups, pagando pela formação de pessoas nesse mercado (Alpha EdTech e Buser). O resultado? Centenas de vagas educacionais em modelos acessíveis para acelerar a transição de carreira dos milhões de desempregados(as) no país, elevando a qualidade do capital humano nacional.
  • Amadurecimento institucional: os novos modelos empurram a evolução legistlativa de um país, como por exemplo fazendo avançar o Marco Legal das Startups. Além disso, embates regulatórios são promovidos e provocam a melhoria do acesso a serviços de qualidade para a população, como é o caso da recente luta do Buser, app que oferece acesso a viagens interestaduais com mais qualidade, segurança (como espaços preferenciais para mulheres) e melhor preço, no combate a entraves regulatórios diversos.
  • Grande movimentação de capital: além dos mais de R$10 bilhões de reais injetados em startups brasileiras somente em 2020, mais de 100 empresas de tecnologia foram compradas por empresas maiores no ano, o que atrai sofisticação para as adquirentes e liquidez para os adquiridos — resultado em dinheiro sendo movimentado no país, especialmente no ecossistema. Como visto no caso da 99, muitos dos empreendedores(as) adquiridos voltam ao ecossistema como investidores(as), tornando o ciclo mais virtuoso ainda.

E como aumentar essa germinação?

O fenômeno da germinação de novos negócios — empresas criadas dentro de empresas — pode ser estimulado por diversos fatores. O primeiro deles é a criação de regiões concentradas para estimular a construção de networking: hubs de inovação com empresas dialogando mais com as startups — como, por exemplo, o Inovabra, que tem gerado muitos negócios entre startups e grandes empresas; bairros de tecnologia orientados à construção de networking natural em ambientes de descontração (bares e restaurantes), de trabalho (incubadoras e parques tecnológicos) e conexão (eventos específicos) — como é o caso do Porto Digital, em Recife. O segundo é o incentivo a mecanismos que aumentem a absorção de talentos empreendedores por parte de startups, como programas de estágio específicos e modelos de colaboração mais livres em eventos e desafios pontuais — como é o caso dos programas de estágio em startups da UNIFEI (Ninja Startup Job) e a organização de hackathons junto a startups. Por fim, a facilitação regulatória, com melhores incentivos para investimento anjo e segurança para empresas nascentes, catalisa o movimento. O importante é entender: a germinação de novos negócios é um dos mecanismos mais efetivos para o estímulo ao empreendedorismo local de qualidade, com diversos estudos já publicados reforçando essa tese, não podendo ser negligenciado por governos e empresas que buscam a inovação.

E se você quer pensar como desenvolver uma atmosfera vibrante para o surgimento de novas startups na sua universidade, cidade, empresa ou mais, é só falar com a gente! Temos uma experiência de muitos anos organizando esse tipo de projeto, e vai ser um prazer colocar tudo que já estudamos e aplicamos no seu contexto! Mande um email para a gente no (novosnegocios@wylinka.org.br) que a gente cria junto! =)

Além disso, no nosso site e nos nossos canais no Instagram, Linkedin ou Facebook você pode conhecer outros projetos que já fizemos.

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