Aceleração e Metodologias

Teoria da Mudança para ambientes de inovação: um guia básico para iniciantes

20/setembro/2020

Teoria da Mudança para ambientes de inovação: um guia básico para iniciantes

Um dos maiores desafios dos habitats de inovação é conseguir demonstrar os resultados das suas ações. Capacitar empreendedores e desenvolver soluções inovadoras são ações que envolvem muito conhecimento tácito e muitas vezes é difícil criar um método para medir o que está dando certo e o que precisa melhorar. Apesar de existirem indicadores populares como faturamento da startup, tamanho da equipe, mentorias oferecidas, investimento captado, exits, etc., esses indicadores dizem pouco sobre o dia a dia de uma incubadora ou aceleradora e trazem poucas informações sobre a influência do seu trabalho no desenvolvimento das startups/soluções.

Estamos acompanhando o trabalho de 11 habitats de inovação do ecossistema capixaba no programa Bloom Innovation Spaces (BIS), realizado em parceria com o SEBRAE ES. Uma das ferramentas fundamentais para avaliação desses ambientes e desenho de métricas possíveis no dia a dia é a Teoria da Mudança. Nesse artigo, vamos explicar o que ela é e porque ela pode beneficiar tanto as organizações que precisam de muita clareza na sua narrativa de impacto e geração de resultados.

O que é a Teoria da Mudança?

A Teoria da Mudança é um framework para ajudar as pessoas a gerir transformações desejadas dentro de um determinado sistema. Ela contempla desde as soluções implementadas pela organização até o impacto que se deseja atingir. Normalmente, é usada por organizações não governamentais, gestores públicos, negócios de impacto, entre diversos outros atores que trabalham com cenários complexos. As grandes perguntas-chave trabalhadas pela Teoria da Mudança são POR QUE e COMO. Ou seja, a mudança e a intervenção.

A Teoria da Mudança proporciona aos envolvidos no projeto uma visão “de trás para frente”. Ou seja, do impacto para a intervenção. Esse é um caminho que desafia nossa lógica usual de causa e efeito. Geralmente partimos das ações e analisamos os seus desdobramentos. Isso pode parecer apenas um detalhe, mas faz muita diferença no dia a dia da gestão. O impacto desejado está sempre distante, enquanto as ações/intervenções estão sempre próximas do nosso dia a dia.

O olhar da Teoria da Mudança permite que nosso foco esteja permanentemente no impacto — que é o propósito que baliza nossas ações e métodos de trabalho. Manter essa consciência constante facilita mudar as ações e eliminar incoerências que nos distanciam dos resultados desejados. Também fica mais fácil desapegar da solução e alinhar o time em relação a objetivos, mantendo a comunicação afiada dentro da organização.

Em quais contextos ela pode ser aplicada?

As ferramentas de gestão que estamos mais acostumados têm uma relação muito linear entre as fases do processo: A leva a B que então levará a C e assim completa-se a jornada. Esse tipo de abordagem é muito útil em ambientes controlados. Porém, quando falamos de transformação em sistemas complexos, existem muitas variáveis externas que podem influenciar os resultados. Além disso, esses sistemas envolvem muitos stakeholders, que de alguma forma precisam ter suas necessidades ou expectativas atendidas para manter as relações equilibradas.

A Teoria da Mudança é uma forma de lidar com essa complexidade. Existem diferentes desenhos de Teoria de Mudança, alguns mais lineares do que outros. Porém, todos eles abordam os seguintes itens:

  1. IMPACTO/MUDANÇA;
  2. OBJETIVOS/OUTCOMES;
  3. RESULTADOS/OUTPUTS;
  4. INTERVENÇÃO/ATIVIDADES;
  5. STAKEHOLDERS.

Na Wylinka, utilizamos um modelo mais linear, que alguns teóricos chamam de Logic Model (que possui uma abordagem mais focada em projetos específicos).

Acesse imagem em https://www.sopact.com/theory-of-change

É importante que a Teoria da Mudança seja revista periodicamente para que as informações e o conhecimento acumulado com a realização das intervenções possam sempre ser incorporados, aumentando a robustez do modelo da organização.

Foco nas hipóteses

Um dos maiores ganhos trazido a projetos é o foco nas hipóteses que embasam as ações. É mais comum do que deveria, mas muitas vezes criamos planos de ação que não se comunicam com todas as pessoas envolvidas. O conhecimento e as premissas dos estrategistas normalmente não estão claros para todos no projeto e, mesmo entre eles, pode haver perspectivas divergentes que passam despercebidas na zona de conforto do conhecimento especializado. Não deixar claras as hipóteses que baseiam as ações podem trazer grandes prejuízos.

O primeiro deles é interno: em projetos de longo prazo os times podem mudar ou podemos ter colegas de backgrounds muito diferentes envolvidos. Essas pessoas vão ver o projeto de forma diferente, sempre. Se não há comunicação clara de PORQUE uma ação está sendo desempenhada, aparecem brechas para interpretações erradas, decisões atravessadas, podendo evoluir para mal entendidos e expectativas desalinhadas. Não importa quão simples seja uma ação, sempre se certifique que o óbvio está mesmo evidente.

O segundo prejuízo é externo e muito comum: não ouvir os impactados na estratégia. Por mais conhecimento de causa no assunto, a gente sempre precisa envolver os demais stakeholders no processo de construção da solução. Mesmo quando as nossas suposições estão corretas, trazer novos pontos de vista produz um salto de efetividade e inovação porque engaja os stakeholders e garante diversidade aos projetos.

Em resumo: ao montar a sua TDM, você estará sempre sendo convidado a deixar claras as hipóteses que embasam porque suas ações geram determinado resultado. E isso é uma mão na roda para o desenho de indicadores. Por exemplo: se uma premissa comunicada do seu programa de aceleração é trazer diversidade às soluções desenvolvidas, vai ser mais fácil concluir que os indicadores devem demonstrar a inclusão de mulheres, pessoas pretas e da comunidade LGBTQIA+ nos times dos projetos/startups e nas posições de liderança.

Outro ganho gerado pela Teoria da Mudança é nos fazer pensar sobre as relações entre as saídas das nossas intervenções e os reflexos de curto, médio e longo prazo gerado por elas. Anteriormente, eu expliquei sobre a complexidade do sistema e como há muitas variáveis influenciando os resultados. Quanto mais distante estão as metas de longo prazo (OUTCOME) dos resultados diretos da intervenção (OUTPUTS), mais difícil será medir o resultado.

É como se fôssemos perdendo a propriedade em cima dos desdobramentos, uma vez que eles são fruto não só da nossa intervenção, como também de outros fatores dentro do sistema. Quando a TDM nos força a construir a relação entre OUTPUTS e OUTCOMES, aumentamos a nossa influência no processo, pois conseguimos trazê-lo para dentro da rotina de gestão.

Dicas para montar a sua Teoria da Mudança

1) Não complique demais:

Como já dissemos anteriormente: a Teoria da Mudança atende a projetos inseridos em sistemas complexos e que envolvem muitos stakeholders. Ela nos ajuda a ter um norte num contexto em que não temos controle sobre a maioria das variáveis. Se tentarmos prever todas essas variáveis, corremos o risco de construir uma Teoria da Mudança impossível de gerir, tão complexa que ficaremos postergando suas revisões. Vai terminar na gaveta como os antigos planos de negócio.

Comece a construir a teoria focando em explicitar o que é óbvio para o time do projeto e você verá que mesmo o óbvio poderá despertar questões muito importantes que, uma vez faladas e escritas, podem balizar o essencial para um bom trabalho. Uma maneira legal de olhar para essa teoria é como uma ferramenta de comunicação antes de uma ferramenta de planejamento estratégico.

2) Se atenha aos outcomes relevantes para a sua missão:

Ao desenhar a TDM é muito comum ter dificuldade em priorizar e fazer escolhas. Quando vamos montando as hipóteses e mapeando outcomes, percebemos benefícios complementares gerados pelas nossas intervenções. Podemos nos sentir tentados a controlar o processo querendo também medir esses reflexos complementares. Por exemplo: um outcome dos programas de desenvolvimento de ecossistema da Wylinka poderia ser o aumento do seed money disponível para startups em uma determinada região devido à melhor articulação entre organizações de apoio e investidores.

Mesmo considerando que esse seria um excelente case de externalidade positiva do nosso trabalho, e que merece ser valorizado, precisamos nos ater à missão da organização ou corremos o risco de perder o nosso posicionamento. Se a Wylinka promove a inovação de base hard science por meio do empreendedorismo, tentar replicar o resultado do aumento do seed money em outras regiões poderia tirar o nosso foco das ICTs ou do empreendedorismo, transformando-nos em uma organização que alavanca investimentos para startups em geral.

Não há problema nenhum com a mudança por si mesma. Mas quando essa decisão não é consciente, a instituição se distancia das suas estratégias, enfraquece o seu posicionamento e se perde em atividades menos coerentes com seu propósito.

3) Envolva todos os stakeholders:

Uma dica muito, muito importante na hora de construir a Teoria da Mudança é chamar para a mesa representantes dos stakeholders que serão impactados pelas intervenções. Essa dica envolve questões de governança, colaboração e representatividade. Entendendo que a Teoria da Mudança é sobre gestão do impacto e não gestão da organização (apenas), nada mais coerente do que chamar os impactados para decidir juntos sobre os rumos das ações.

Além de ser uma premissa básica de desenho de soluções (“envolva o seu usuário”), é uma forma de engajar o ecossistema na sua intervenção, fazendo com que o resultado se torne compromisso de todos. Isso aumenta a resiliência e a inovação do sistema e do projeto, baseando-se na diversidade.

4) Não se apegue muito à sua primeira TDM:

A TDM é um conceito relativamente simples de entender, mas um pouco difícil de se colocar em prática dada a complexidade dos sistemas que nela são considerados. Assim como tudo na vida, ela demanda prática para se refinar. É natural que a primeira versão da TDM da sua organização tenha pontos em aberto, hipóteses não validadas e relações de causa e efeito difíceis de medir. Porém, assim como pesquisa em projeto, quando nossos recursos são escassos, ter alguma é melhor que não ter nenhuma. O importante é estar revisitando e alimentando a TDM com o conhecimento acumulado na realização das intervenções e com o engajamento dos stakeholders no processo.

Para entender mais de Teoria da Mudança:

Esse foi o nosso guia, nem tão pequeno, sobre desenho de Teoria da Mudança. Ela está sendo muito bem aceita pelos habitats que estamos atendendo no Espírito Santo. Se você quer entender como aumentar o impacto de ecossistemas e habitats de inovação, a Anna, do nosso comercial, vai ter o maior prazer de conversar com você. Basta mandar um e-mail para (novosnegocios@wylinka.org.br). E se esse conteúdo foi útil para você, nos ajude a espalhar a Teoria da Mudança pra novos contextos compartilhando com mais pessoas!

Autora: Maristela Meireles, Analista de Inovação na Wylinka, desenvolve metodologias para nossos programas de inovação e aceleração de soluções.

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