Investindo em startups: o tal do willingness to pay
Continuando a nossa série “Investindo em Startups”, cujo objetivo é apresentar alguns novos frameworks de análise de startups para investidores e agentes de suporte a startups. Hoje vamos falar de um tema bem comum a muitos empreendedores que já levantaram capital: o “willingness to pay”.
É comum, em devolutivas de fundos de investimentos, empreendedores receberem alguns dos seguintes comentários:
- “O mercado não me parece tão grande” (para aprender a dimensionar melhor, falamos aqui)
- “Esse modelo não se alinha às nossas teses” (para encontrar melhores modelos, falamos aqui)
- “Não enxergamos alguma vantagem sua caso a startup XYZ expanda para o mercado brasileiro”
- “Ainda não confiamos nas evidências de willingness to pay nesse mercado”
E é sobre o tal do willingness to pay que vamos conversar. Willingness to pay é um termo comum no mercado de VC, e inclusive possui tradução em português bem fácil – “disposição de pagar”. Ele resume bem o quão gritante é a dor do usuário, além de analisar se há ali uma disposição de pagar (dor + capacidade de pagar).
Muitos empreendedores e empreendedoras, ao ter uma ideia de negócio acabam se fechando na ideia e ignorando a possibilidade de aquele problema não ser tão relevante assim, de o mercado não ter tanta disposição de pagar por aquela solução. É daí que surge a devolutiva “não confio nas evidências do willingness to pay”.
O que se quer dizer aqui é: não me leve a mal, mas essa dor não parece ser tão grande a ponto de o cliente querer pagar por esse valor.
Para investidores e agentes de apoio a startups, saber fazer essa leitura de onde há e onde não há willingness to pay é fundamental, pois evita a alocação de recursos em ideias pouco promissoras. A boa notícia é: existem algumas ferramentas que auxiliam na leitura, e aqui embaixo vamos organizar algumas abordagens que facilitam.
O bom e velho GOOB
Get out of the building, ou “saia do prédio e vá ouvir os usuários”, raramente falha. Alguns fundos de investimento inclusive possuem equipes e processos dedicados a esse tipo de coleta de dados. Aqui não tem muito erro: é ir para onde os usuários estão e ouvir ao máximo sobre seus problemas e rotinas.
Além disso, é bem importante conversar com especialistas de mercado e pessoas que empreenderam nesse espaço. São eles que sabem das dinâmicas do mercado, do comportamento real dos usuários e de tentativas que já deram tanto certo quanto errado.
Para o “ir pra rua”, recomendamos sempre o vídeo “what do you ask” do Justin Wilcox:
Técnicas quantitativas e outras coletas
Embora tenhamos sempre barreiras com técnicas quantitativas – tipo rodar um Google Forms perguntando “você usaria o produto X?” -, algumas técnicas têm se mostrado úteis na jornada de alguns empreendedores(as) que admiramos bastante. Neste artigo da Harvard Business Review, por exemplo, o autor destaca a conjoint analysis, uma técnica comum no meio acadêmico que pode ser bem utilizada para willingness to pay, como pode ser lido neste artigo.
Já neste artigo acadêmico (que também olha para Conjoint Analysis), usa-se o modelo de Kano para identificar maior disposição a pagar por parte dos usuários. Já vimos alguns empreendedores tendo excelentes resultados com o modelo de Kano.
De toda forma, reforçamos: a percepção do contato direto de uma entrevista presencial com usuários ajuda bastante a entender emoções por trás. Portanto, use técnicas quantitativas somente de modo complementar.
O Jobs to be Done em sua forma original
Quando as pessoas falam sobre Jobs to be Done, a proposta de Clayton Christensen para entender qual a “tarefa para a qual seu produto é contratado a cumprir”, elas geralmente resumem o conceito no formato de framing. Para elas, o valor da técnica é o explicitar do que o produto faz em uma sentença, usualmente organizada da seguinte maneira:
- Quanto tentando (verbo + objeto)
- Na situação (contexto)
- A pessoa sofre com (problema do usuário)
- E quer sentir / ser percebida (expectativas emocionais + contexto)
O Jobs to be done como uma ferramenta de framing não é de todo ruim, pois gera a clássica conclusão de que “um gancho com dupla face é igual a uma furadeira, dado que ambos resolvem o job to be done, que era pendurar um quadro”. Apesar disso, ao ler o livro original no qual o professor Christensen propõe o JTBD, temos algo bem mais rico: o processo de coleta.
O Job to be Done ficou famoso pela pesquisa de Christensen para uma rede de fast-food. Nela o professor entrevistou pessoas perguntando sobre o porquê de consumirem milk shake.
Nesse processo, ele avaliou as situações de não escolha. “Não comprei um chocolate porque da última vez me senti culpado; não comprei uma banana porque, embora saudável, fez sujeira no carro”, diziam os entrevistados. Nessas situações de não escolha, o professor conseguia gerar “a lista de tarefas dos clientes” – nome inclusive dado ao seu artigo para a Harvard Business Review quando traduzido para o português.
Nessa lista, havia coisas como “preencher a barriga entre o café da manhã e o almoço; não fazer sujeira; não causar culpa; poder ser consumido com uma mão enquanto dirige”, entre outros fatores que o levaram ao bem-sucedido lançamento de um milk shake mais leve e saudável, com pedaços de fruta dentro. Aqui o processo de coleta, e o olhar para as situações de não-escolha, têm mais valor que o framing em si.
Além disso, no Jobs to be Done, pode-se entender até algo mais relevante: quantas vezes essa pessoa tentou resolver esse problema nos últimos dias? até onde ela foi por uma gambiarra que resolvesse esse problema? como ela resolve hoje? Aqui mora o pote de ouro do willingness to pay.
Se há um comportamento de busca e investimento em soluções ruins atualmente, tem-se um indício forte de willingness to pay. Quando o problema é do tipo “cabelo pegando fogo”, o usuário aceita qualquer solução meia boca, e está sempre em busca de algo rápido para apagar o fogo. Quando essa busca por soluções/gambiarras não é tão frequente, pode-se entender que há pouca evidência de disposição a pagar.
No fim do dia, a pessoa investidora se beneficia desse processo ao se perguntar:
- Será que as gambiarras atuais não resolvem?
- A não escolha de soluções anteriores indica algum padrão do comportamento do usuário? Ex: soluções de saúde focadas em prevenção não têm funcionado no Brasil, o que essa solução tem de diferente para dar certo?
- Quais fatores levam ao willingness to pay? E quais não levam?
Conclusões
A disposição a pagar é fundamental para tirar a miopia quanto ao potencial de uma ideia, e pessoas que investem/apoiam startups precisam ter vasta experiência em saber diferenciar isso. Para alguns, vêm com o tempo e muitos projetos fracassados. Para outros, ferramentas já facilitam o processo de evitar aprender com o erro.
Esperamos que as ferramentas e processos que elencamos aqui lhe ajudem a desenvolver cada vez mais um feeling melhor sobre a disposição de pagar dos usuários. No nosso dia-a-dia aqui na Wylinka, essas ferramentas são sempre úteis para apoiar empreendedores e empreendedoras nos nossos programas. Conheça algumas dessas histórias no nosso portfólio, clique aqui!
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Esperamos que tenha gostado! Because when you rock, wyrock.
Autor: Artur Vilas Boas – Pesquisador na USP em empreendedorismo e inovação (Linkedin)