Sobre Echo Chambers e Diversidade: a polêmica envolvendo o memorando de um funcionário Google.
Sobre Echo Chambers e Diversidade: a polêmica envolvendo o memorando de um funcionário Google.
Nas últimas semanas tivemos uma grande polêmica no universo de tecnologia, a carta de um (ex)funcionário Google trazendo um ponto de vista incomum sobre políticas de diversidade. Antes de mergulhar no debate, nós recomendamos fortemente que a carta seja lida — todos os argumentos em torno da polêmica se dão por colocações feitas na carta, e há muita gente ficando no superficial por não ler e sair emitindo opiniões. Você pode ler a carta original clicando aqui ou conferir essa versão traduzida clicando aqui.
A grande polêmica se deu sobre o fato de o autor trazer uma construção de argumentos questionando o ambiente de trabalho da Google em dois aspectos principais: (i) políticas afirmativas em relação às minorias, especialmente as mulheres, têm um caráter exclusivo prejudicial; (ii) a estrutura social de atenção às minorias reprimia os discursos contrários e criava um ambiente no qual visões opostas eram nocivamente silenciadas. A carta foi sumariamente rechaçada por muitos funcionários, fazendo com que o tema viralizasse. Na mesma semana o funcionário foi demitido, o que também aumentou a atenção — muitos afirmaram que o silenciar de visões opostas só ficou mais evidente com a demissão. Nesse ínterim, as discussões na internet sobre o tema se acirraram e a confusão ficou generalizada.
Disclosure: esse texto foi escrito por um homem e uma mulher, bem como o tema foi debatido no escritório da Wylinka — envolvendo homens e mulheres no processo de construção dos argumentos.
A nossa intenção com esse texto não é assumir um lado, muito pelo contrário, objetivamos trazer as duas visões que estão debatendo — esclarecer quais são e seus discursos. Entendemos que, de maneira simplória e generalista, há um espectro de opiniões sendo debatidas. Tentamos, assim, colocar os dois pontos contrários — seguindo a regra de se conhecer a tese e a antítese para se chegar à síntese. O que queremos é que nosso leitor navegue pelos dois lados do argumento de modo a não somente replicar discursos dominantes sem conhecimento dos dois lados da leitura.
Lado A— Se incomodam como o funcionário está sendo tratado
As pessoas desse extremo podem assumir (ou serem vistas como) a negativa forma de: pessoas que ignoram a complexidade de discussões sociais; figuras que nunca sofreram opressão real e que preferem o comodismo do status quo (que muitas vezes é defendido como meritocracia).
Nesse lado, há uma grande receio quanto à superficialidade do “politicamente correto”. Muitos aqui enxergam um grande número de pessoas que somente repetem discursos sem entender a fundo, é ruim para o avanço da ciência e dos múltiplos lados do debate científico. É a famosa “echo chamber”, um espaço onde se fala o que é socialmente aceitável e isso se perpetua em ecos de discurso. Para esse lado, essa é uma postura excessivamente moralista, que desconsidera a racionalidade científica envolvida em debates, se assemelhando a estruturas religiosas do passado. Inclusive alguns aqui acham a carta ruim, mas consideram importante o debate e a liberdade de expressão no formato que se deu.
Há também a questão da hipersensibilização e o silenciamento. Para estes, a problematização excessiva em torno de temas delicados leva a uma hipersensibilização aos mesmos, levando as pessoas a um estado de tensão e silêncio abusivo devido ao medo de se expressar e incomodar alguém. Nesse aspecto, entende-se que há uma percebida intolerância com a visão contraditória, inclusive envolvendo agressões e uma exposição cruel.
Dois textos interessantes sobre esse lado:
“Estou exausta e triste pelo fato de que qualquer tipo de desacordo ou diferença de opinião em um círculo ativista levará a uma briga, o que às vezes leva ao abandono de certas pessoas, julgando-as “não confiáveis”, bem como à vergonha pública e à difamação. É nojento que afirmamos estar construindo um mundo novo, uma nova sociedade, uma maneira melhor de lidar com problemas sociais — mas se uma pessoa cometeu um erro, diz e/ou faz algo errado, nem sequer tem a chance de explicar seu o lado sobre o que aconteceu devido ao fato de o processo de resolução de conflitos ser, por si só, impulsionado por ideologia em vez de por uma vontade de entender os fatos.”
Bailey Lamon
Lado B— Concordam com a maneira como o caso foi tratado
As pessoas nesse extremo podem assumir (ou serem vistas como) a negativa forma de: repetidores de discurso; pessoas que abraçam posições socialmente aceitáveis somente pela imagem bonita envolvida de maneira inconsciente; pessoas em condições confortáveis que utilizam a crítica para se manter no comodismo de quem nada age.
Neste lado, há o questionamento quanto a posição do funcionário por desconsiderar a influência do contexto social na formação da desigualdade de gênero e reforçar estereótipos. Há uma complexidade no contexto das minorias (traumas profundos e pequenas agressões diárias) que não pode ser desconsiderado. Deste modo, há a possibilidade de a carta ser considerada um tipo de assédio devido ao tom e/ou termos utilizados.
Para estes, o ambiente de tecnologia, como tantos outros, ainda é muito ríspido com mulheres, que, por exemplo, precisam se esforçar muito mais do que um homem para serem reconhecidas pelas mesmas habilidades técnicas. Por exemplo, o tema “mulher na computação” foi abordado neste nesse artigo, que mostra que, ao contrário do que falado na carta, às mulheres já foram maioria nessa profissão. Além disso, defende-se que o autor se embasou de maneira enviesada e exagerou nas justificativas científicas, além de ter trazido visões pessoais generalistas e superficiais (como as definições políticas). Inclusive, um dos autores por ele citado levantou pontos de atenção quanto ao exagero da carta:
“Não é claro, para mim, como essas diferenças de sexo são relevantes para o local de trabalho do Google. E mesmo que as diferenças de sexo em emotividade prejudicial fossem relevantes para o desempenho ocupacional (por exemplo, não sendo capaz de lidar com tarefas estressantes), o tamanho dessas emoções não é muito grande (tipicamente, variando de “pequeno” a “moderado” em efeito estatístico, representando menos de 0,1 da variância). Então, usar o sexo biológico de alguém para generalizar a personalidade de um grupo inteiro de pessoas seria como operar com um machado: não tem precisão o suficiente para fazer algum bem e possivelmente fará muito mal. Além disso, os homens são mais emotivos do que as mulheres em certas maneiras também. As diferenças de emoção no sexo dependem do tipo de emoção, de como é medido, onde é expresso, quando é expresso e de muitos outros fatores contextuais.”
David Schmitt
Uma outra leitura interessante:
https://papodehomem.com.br/toda-relacao-homem-mulher-e-assimetrica/
Conclusão
Como previamente avisamos, não iremos tomar nenhum lado. O objetivo era trazer os argumentos do debate para que os extremos (e suas nuances) tentassem entender o outro lado, bem como fazer uma autoanálise do seu próprio discurso. Como Wylinka, sempre iremos prezar pelo debate — especialmente científico — e a compreensão profunda dos argumentos. O tema de diversidade é super importante para ser debatido e é inegável seu impacto positivo nos resultados das organizações, além de também se tratar de respeito com os envolvidos. Esperamos que tenham gostado desse post e que a leitura tenha sido informativa! Se gostou, compartilhe 🙂
Para fechar com algo divertido sobre a intolerância, esse vídeo é excelente: