O que o Brasil pode aprender com a China no fomento a startups?
O que o Brasil pode aprender com a China no fomento a startups?
08/09/2016: “O novo iPhone 7 da Apple foi anunciado esta semana. Ao contrário das novidades da era Jobs, o anúncio de tal produto principal foi anunciado com uma longa lista de mudanças iterativas: um pouco mais leve, ligeiramente mais rápido, uma vida de bateria ligeiramente melhor. De notável, somente duas mudanças. A primeira é a remoção da entrada do fone de ouvido, uma decisão muito contestada. A segunda é a adição de uma segunda câmera. É uma jogada brilhante. Uma segunda câmera permite que o iPhone 7 use diferentes distâncias focais e, melhor ainda, uma simulação digital de bokeh — um fundo desfocado que você vê normalmente em fotos tiradas de câmeras profissionais. Isso é inovação, liderada por uma empresa líder visionária. Infelizmente, essa visionária não é a Apple. Há meio ano atrás, e a sete mil milhas de Cupertino, a fabricante de telefones com sede em Shenzhen, a Huawei, revelou seu mais novo smartphone. Projetado em colaboração com Leica, a mais renomada fabricante de câmeras alemãs, o Huawei P9 possui uma característica matadora: uma segunda câmera que simula digitalmente o bokeh. Já faz muito tempo que a China apenas copiava o ocidente. Cada vez mais, as empresas chinesas estão liderando os caminhos, deixando suas contrapartes ocidentais patinando em roadmaps de produtos desatualizados.” (Daniel Wong, Senior Product Manager — McKinsey & Company)
Nos últimos anos, muito se tem falado sobre o crescimento da economia chinesa — e mais recentemente sobre o desenvolvimento de ecossistemas de empreendedorismo e inovação na China, como Shenzen, Beijing e Shangai. Nós, da Wylinka, temos buscado estudar bastante o fenômeno — inclusive utilizando alguns estudos mais profundos em nossos trabalhos com políticas públicas e desenvolvimento de ecossistemas pelo Brasil — , e resolvemos tentar resumir alguns grandes achados nesse post para ser inspiração para um maior número de pessoas.
Quais são os grandes casos?
Para fazer uma introdução ao fenômeno, consideramos importante trazer três casos interessantes de regiões que estão chamando atenção: Beijing (também conhecida como Pequim), Shangai e Shenzen.
–Beijing é uma metrópole enorme, que conta com cerca de 25 milhões de habitantes e grandes números: mais de 5000 startups ativas, 70 instituições de ensino superior (com algumas de ponta, como Tsinghua e Peking University), mais de 280 centros de pesquisa e 300 espaços de coworking. A cidade tem seu “Vale do Silício”, o Zhongguancun, onde se concentram as principais startups e as grandes empresas de tecnologia, como o caso da Apple, que está construindo um centro de P&D em Hardware com um investimento de 45 milhões de dólares na região.
–Shangai também tem grandes números — 24 milhões de habitantes e cerca de 2500 startups ativas. O interessante da região é o amplo apoio da cidade e do governo para as startups, como um suporte para empréstimo de 30 mil dólares com taxas reduzidas, regiões com aluguéis gratuitos para startups em fase nascente e até políticas de reembolso para investidores em caso de fracasso das startups nascentes lá estabelecidas. O resultado disso tudo é um ambiente atraente que deu vida a casos como WeWork e Mobike.
–Shenzen é uma das nossas queridinhas por ser um grande pólo de startups de hardware, possuindo inclusive uma das principais aceleradoras de startups de hardware do mundo, a Hax Accelerator — cuja metodologia estudamos e falamos nesse post aqui. O interessante de Shenzen foi a transformação que a cidade passou com políticas de abertura dos governantes locais, que apostaram no potencial que a região já tinha em hardware e utilizaram isso para gerar uma transformação para uma economia voltada para a facilidade de construir produtos, como é o caso da Huawei. Além disso, a cidade é conhecida por seus mega shoppings de eletrônicos, que gera fenômenos como a história do cara que construiu um iphone comprando partes separadas nesses locais.
Os acertos a se inspirar
A China tem uma história complexa de centralização e autoritarismo, mas mais recentemente vivenciou políticas que transformaram sua economia envolvendo rupturas com modelos antigos de governança. Não iremos nos concentrar nesse processo histórico (recomendaremos um artigo no final desse texto), mas sim nas ações recentes de transformação. Em um profundo estudo de Princenton sobre a transformação da China, o diretor da Tsinghua University, Daniel Bell, aponta três grandes camadas para os recentes resultados chineses: (i) lideranças do país passando a ser formadas com base na meritocracia, sendo que o avanço na carreira política se dá somente a partir de ampla demonstração de conhecimento e formação intelectual; (ii) aprendizagem baseada em experimentação, com maior abertura a testes de novas políticas públicas e uma forte gestão do conhecimento sobre os aprendizados — sendo a criação de zonas econômicas especiais, como Shenzen, um bom exemplo dessa prática; (iii) lideranças locais sendo formadas de maneira democrática, por eleições populares. Chega a ser difícil imaginar tais movimentos vindo da China, mas nossos estudos e outras análises têm reforçado essa visão — assim como os resultados em termos de ecossistema também demonstram frutos concretos dessas estratégias.
Para alcançar esses avanços, algumas políticas super interessantes foram desenvolvidas a partir de 2015 por Xi Jinping (com esforços iniciados desde 2006 com Hu Jintao), o mais recente presidente do país:
- Grandes investimentos em educação, sendo hoje a maior formadora de PhD’s do mundo. Na educação, têm também havido esforços de ensino de empreendedorismo e inovação dentro das instituições.
- Desenvolvimento de centros voltados para aplicação da ciência, como parques tecnológicos e regiões de inovação mais integrados;
- Políticas de combate a corrupção, com grande intensidade de ações de auditoria, mudanças na legislação e aumento no rastreamento das movimentações financeiras da esfera pública;
- Mudança nas estruturas de administração das universidades, reduzindo a participação de políticos nos conselhos e passando a considerar um corpo técnico formado por doutores e especialistas, com políticas de desburocratização e maior liberdade a tais instituições.
Uma boa análise desses avanços na China pode ser encontrada nesse documentário da Wired sobre Shenzen:
Os erros a evitar
Seria impossível escrever um texto sobre a China sem destacar os aspectos delicados de toda a construção desse cenário atual. O nível de centralização do governo chinês, sua barreira impossível de ser penetrada por competidores ocidentais e suas políticas frágeis de propriedade intelectual representam grande parte de muito do que foi construído no país — algo considerado em muitos países como injusto e nocivo às outras economias. Esses fatores não só são nocivos em termos de competitividade, mas também são vistos como elementos que atrapalham a capacidade de inovar continuamente, como abordado no texto da Harvard “Why China can’t innovate”. Apesar dessas críticas, a China vem mostrado bons resultados na sua capacidade de inovar, o que é de se observar. O fechamento da internet no país é uma outra pauta complexa, pois pode gerar um nível de isolamento que chega a situações embaraçosas — como muitas startups e executivos chineses sendo versões copiadas de casos americanos, fazendo sucesso em um cenário que desconhece a fundo esses fenômenos do ocidente, mas soando de maneira muito esquisita para o resto do mundo. Tal aspecto dialoga com a fama de “copiadores”, que tem origem até mesmo na educação básica chinesa — na qual o aluno tem que repetir com a mesma entonação os ensinos do professor, e a replicação perfeita é o resultado ideal para um bom aluno. Essa abordagem gera uma cultura com uma realmente diferente no que se refere a propriedade intelectual, favorecendo a cultura “Shanzai” super presente em Shenzen (assista ao documentário acima, além de interessante, a fotografia é muito bonita). Uma análise que recomendamos é esse bate papo de um pesquisador da USP contando sobre uma imersão realizada na China, nele há uma boa visão crítica desses cenários.
Conclusões
De maneira geral, o caso de transformação da economia chinesa é incrível para tirar aprendizados — muitos deles mais aplicáveis ao Brasil que os esforços de se emular o Vale do Silício. As políticas voltadas para melhoria das estruturas sociais, investimentos em P&D, facilitação governamental e esforços anti-corrupção fazem muito sentido para o nosso momento.
No ano passado, tivemos a oportunidade de ver uma apresentação de um líder de um parque tecnológico da China, e o que mais nos surpreendeu foi a consistência da política chinesa: um projeto de 20 anos executado de maneira super consistente durante todos os anos, com uma equipe praticamente sem rotatividade e com uma gestão do conhecimento ímpar. Esse é, para nós da Wylinka, um dos grandes recados aos governos brasileiros, que geralmente querem mais vender slogans interessantes e levam ao cenário caricato de a cada dois anos uma bandeira governamental diferente, mas com nenhuma ação saindo desses esforços. A firmeza na política pública gera muita solidez para o desenvolvimento de ecossistemas — e é isso que os empreendedores precisam: suporte inequívoco.
Quer conhecer um pouquinho mais os trabalhos que a Wylinka faz no desenvolvimento de ecossistemas de empreendedorismo pelo Brasil? Então confere esse material recente de um grande esforço que vem sendo desenvolvido em Uberlândia (clique aqui para ver) — são vários atores envolvidos, e a Wylinka sendo um deles. A transformação está sendo maravilhosa e é muito legal ver um ecossistema crescendo desse jeito no país! Esperamos que o texto inspire mais ecossistemas do país a se movimentar para resultados melhores, é isso que vai transformar nossa economia.
Because when you rock, #wyrock!
Algumas fontes legais para um estudo aprofundado:
–The Rise of China’s Innovation Economy (2016): um excelente paper contando toda a transformação da China em potência.
–Livro do Daniel Bell (2016) sobre as mudanças estruturais da China por meio das políticas públicas.
–The Rise and Decline of Hegemonic Systems of Scientific Creativity (2013): super rico artigo sobre como declinam e surgem as superpotências, com uma análise histórica envolvendo as histórias de França, Alemanha, Inglaterra, Estados Unidos e a ameaça da China.
–The National Medium- and Long-Term Program for Science and Technology Development — o plano do governo para 2006–2020 que a China vem cumprindo rigorosamente no seu desenvolvimento. É uma excelente inspiração.