Deep Techs e Startups

O papel do investimento anjo no novo cenário de startups do Brasil.

29/setembro/2019

O papel do investimento anjo no novo cenário de startups do Brasil.

Aqui na Wylinka, temos acompanhado o amadurecimento do cenário de startups no Brasil há bons anos. Não somente fazendo estudos aprofundados, como o recém trabalho feito com o Reino Unido, mas também participando ativamente, como atuando na operação de muitas rodadas do SEED-MG (programa de startups do governo de Minas Gerais). Disso tiramos muitos aprendizados que foram transformados em artigos, estudos e desenho de programas diversos ligados a empreendedorismo e inovação.

A partir de 2018, como já falamos em outros artigos, o país passou por uma grande transformação em seu cenário de startups: não somente pelos muitos casos de unicórnios e grandes volumes de capital de risco injetados no país, mas pela consequência que os mesmos trouxeram — bastante liquidez no mercado, fundadores(as) se tornando investidores(as), empreendedores e gestores dessas startups abrindo novos negócios a partir de suas experiências, centenas de vagas sendo criadas levando à educação de um enorme pool de talentos no país. Com esse amadurecimento, emergiu a natural (e saudável) competição: por talentos, por investimentos e por clientes.

No caso da competição por investimentos, startups que hoje estão começando encontram um novo desafio. Muitos dos fundos de estágio inicial no país, como os de capital semente (Canary, Indicator, GFC, One.vc e outros), têm sido abordados por empreendedores e empreendedoras mais maduros, muitos sendo second time founders, o que leva a uma barra muito mais alta para empreendedores de primeira viagem que querem captar investimentos com tais players. E como essa barreira de entrada pode ser resolvida? A nosso ver, uma saída é o investimento-anjo, e é nisso que vamos mergulhar agora 🙂

Photo by Lukas Meier on Unsplash

Introdução: capital de risco é sobre sinalização e dealflow

Por volta da década de 70, um debate sobre o comércio de carros nos EUA levantou uma pauta que influencia a decisão de investidores até hoje. Vendedores de carros usados tinham, em seu portfólio de veículos à venda, carros de boa e de má qualidade, mas seus vendedores não sabiam distinguir e, muitas vezes, acabavam comprando carros de má qualidade no mesmo preço que os de boa qualidade. Para isso foi cunhado o termo “informação assimétrica” — quando agentes econômicos possuem informações diferentes sobre um mesmo produto. Tal característica levava a diversos desafios que não vamos nos aprofundar aqui. O ponto central é: para minimizar os riscos em mercados de informação assimétrica, as pessoas recorrem à sinalização para tomada de decisão. Sinalização é se basear em alguns sinais que podem minimizar o risco. No caso de carros, “único dono” é um sinal bastante comum utilizado na tomada de decisão em busca de um menor risco, embora não necessariamente signifique que o carro está em boas condições (assim como carros que não são “único dono” podem ter boas condições).

E o que isso tem a ver com investimento em startups? O processo de tomada de decisão de muitos fundos em estágio inicial, dado o volume de projetos que recebem diariamente, também acaba recorrendo a sinalizações que ajudem a minimizar o risco (formação do time, empresas anteriores etc.). E, assim como nos carros usados, tais sinais podem não resultar em sucesso certo.

Para minimizar o risco, há também a criação de um dealflow de qualidade. O dealflow é o fluxo de entrada de novas startups interessadas, e sua qualidade determina bastante o resultado de um fundo. Um bom dealflow envolve volume (diversificação) e qualidade de entrantes, que geralmente vem por meio de indicações e boas redes de relacionamento. É por isso que muitos fundos se beneficiam de seus efeitos de rede: casos de sucesso atraem novos casos não só pelo posicionamento, mas pelas indicações de novas startups que empreendedores(as) bem sucedidos(as) fazem para o fundo, gerando resultados exponenciais.

E qual o papel do investimento-anjo nesse caso?

Investidores-anjo se caracterizam por estar geralmente no estágio mais nascente das startups, acompanhando de maneira mais próxima e identificando potenciais casos de sucesso devido a essa proximidade e suporte. Nesse sentido, essas figuras acabam sendo menos “signal dependent” por terem maior contato e maior volume de informações (no exemplo do carro, investidores-anjo poderiam ser como os donos de mecânicas da região, que conhecem os carros ali vendidos, já andaram neles e inclusive já arrumaram uma coisa ou outra em suas partes internas). Se trabalhando bem, investidores-anjo passam a não somente se beneficiar dos retornos que conseguem ao investir nas primeiras rodadas, mas também se tornam um bom sinal para fundos de VC em estágios mais avançados. No tweet abaixo, por exemplo, vemos que o retorno por ações dos primeiros investidores da Lyft foi de aproximadamente 378 vezes. 😉

Ok, entendemos que investimento-anjo não somente dá retorno, mas também permite empreendedores(as) que não tem tanta sinalização assim, embora talento de sobra, consigam superar as barreiras para rodadas mais avançadas. Mas e quais as melhores práticas nesse cenário de investimento-anjo dentro de um contexto de muitas rodadas futuras?

#1: Compreender as regras de diluições futuras

Para jogar o jogo do stage funding (processo de captação em estágios gradativos que culmina em eventos de liquidez, como venda ou IPO), os(as) investidores-anjo precisam respeitar bastante os filtros de fundos mais avançados. Dois grandes elementos de decisão aqui são equity e cap table. Equity é sobre o quanto uma startup consegue se diluir a ponto de se manter atrativa para rodadas futuras. Como o pessoal da Canary apresentou nesse excelente post sobre diluição, uma faixa saudável na primeira rodada é de 5% a 10%. Para capital semente, 15% a 20%. Pode parecer difícil para um(a) investidor-anjo pegar tão pouco em estágio inicial, mas uma grande diluição pode significar (i) não conseguir captar outras rodadas ou (ii) fundadores(as) desmotivados em rodadas futuras por não possuírem quase nada da empresa que estão liderando. Além disso, um cap table (estrutura de “donos” da empresa, somando fundadores e investidores) com muita gente atrapalha em processos de decisão e, em casos de captação de recursos internacionais, algo bem comum nesse cenário, adiciona uma camada enorme de complexidade na burocracia de internacionalização de todos os envolvidos.

#2: Saber adicionar em smart money

O smart money é a rede de contatos e outros ativos além dos recursos financeiros que investidores-anjo trazem. Esse é geralmente o maior diferencial. É comum, por exemplo, fundos em estágio mais avançado avaliarem startups pela qualidade dos(as) investidores-anjo — eles agregam valor? eles estão ligados ao mercado atacado? eles têm expertise com esse tipo de desafio? — . Isso não somente sinaliza vantagens competitivas para o time da startup, mas também demonstra que a rede dos(as) fundadores(as) é boa o suficiente a ponto de conseguirem acesso a anjos qualificados. Voltamos às regras de sinalização de fundos de venture capital 😉
Além disso, saber não participar é tão importante quanto saber participar. Não ficar forçando o time fundador a ir em eventos diversos, reuniões e outras atividades que podem distrair a operação, assim como não querer ditar as decisões, é de grande valia para um estágio tão importante das startups.

#3: Não só conectar, mas também mentorar

Empreender é uma tarefa que envolve muita solidão. Investidores-anjo podem não somente ajudar a abrir portas com clientes e fundos de investimento, mas também podem transferir sua experiência em forma de mentoria. Nesse sentido, há muito valor no movimento de fundadores(as) de grandes startups se tornando investidores-anjo. A mentoria que os mesmos oferecem, especialmente no “eu sei como é, já passei por isso e aprendi tais coisas”, é fundamental para empreendedores(as) que estão começando.

Finalizando…

Investidores-anjo ganham um novo papel nesse momento tão positivo do cenário de startups no Brasil, e os pontos que aqui levantamos são um pouco da nossa experiência com esse tipo de estágio inicial, visando realmente um melhor ecossistema nacional de empreendedorismo e inovação. Hoje o país tem amadurecido bastante, com o surgimento de diversas iniciativas interessantes, como pools de investidores-anjo em universidades, como FEA Angels e Poli Angels, da USP, e GV Angels, da FGV.

Recomendamos algumas leituras sobre o assunto (todos ligados ao fundo Canary, que hoje talvez seja o melhor produtor nacional de conteúdo no assunto — kudos for you, guys and girls!):

Como aproveitar seus investidores da melhor forma para a sua startup?

Diluição de Founders & Venda de Ações Secundárias

Angel investing dá retorno?

E se quiser desenhar algum programa de apoio a startups no Brasil, não deixe de nos procurar! Temos feito bastante trabalho nesse sentido há alguns anos. É só mandar um email para a Sara Aquino (sara.aquino@wylinka.org.br), do nosso comercial, que ela faz a mágica dela. 🙂

Esperamos que vocês tenham gostado! Because when you rock, #wyrock.

Autor: Artur Vilas Boas.

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