Empreendedorismo na Universidade

Como Berkeley ensina empreendedorismo?

16/junho/2019

Como Berkeley ensina empreendedorismo?

Sendo primeiro lugar em muitos rankings de ciências da computação, a Universidade de Berkeley se destaca por ser um grande berço para empreendedores (como Wozniak, fundador da Apple, e John Hanke, fundador da Niantic). Estando na Bay Area (Vale do Silício), se beneficia muito da comunidade, mas vai muito além na construção de uma atmosfera diferenciada na formação de empreendedores. E foi para entender isso melhor que o nosso ex-estagiário, o Tuta (Arthur Araújo), foi fazer parte de sua graduação em engenharia por lá (programa de intercâmbio da UFMG); nosso especialista em conteúdos, o Artur Vilas Boas, co-orientador do TCC do Tuta, aproveitou para fazer uma imersão recente por lá, se juntando ao Tuta para aprofundar o trabalho. E dessa imersão, que está virando artigo acadêmico e TCC, nasceu esse post 🙂

A University of California, Berkeley é reconhecida por ser uma das maiores instituições de pesquisa do mundo. São 22 prêmio Nobel conquistados e 16 elementos químicos descobertos, inclusive um recebendo o nome Berkelium. Na área de empreendedorismo, é a universidade americana que mais oferta disciplinas com o tema: são mais de 40 oferecidas — em sua maioria executadas pelo SCET (Sutardja Center for Entrepreneurship and Technology). E é pelo Centro que Tuta participou do programa chamado Startup Semester, voltados para intercambistas.

O programa consiste em um semestre apenas com disciplinas de empreendedorismo e tecnologia, de assuntos mais generais como sobre metodologias Lean Startup e Customer Development até tópicos específicos como Alternative Meat e Sports Tech. A experiência nas aulas é uma mistura de conteúdo sobre como criar e gerir startups, e a conexão com mentores das principais empresas do Vale, como Google e Facebook. Executivos, Product Managers e investidores participam das aulas e dão mentoria para projetos que são desenvolvidos.

Na disciplina de Product Management, o professor Ken Sandy, VP de Produto do Master Class, ensina o conteúdo essencial para se tornar um PM — formando diversos alunos que seguiram a carreira em diversas gigantes de tecnologia. O curso tem uma altíssima carga de conteúdo e trabalhos semanalmente, mantendo todos os alunos em sintonia para discussões em sala. Outro diferencial é a diversidade da sala, pessoas de várias partes do mundo, de áreas do Design até Computer Science, de calouros até mestrandos. Como todas as disciplinas, os alunos tiveram que criar uma startup — no caso do Tuta, uma plataforma de pagamentos com uma equipe composta por dois engenheiros de Singapura e uma estudante de economia contratada pela Google.

Uma outra força da Cal, como é comumente chamada, é a infraestrutura voltada para o empreendedorismo. São dois centros de empreendedorismo e inovação responsáveis pelas disciplinas: um da escola de negócios (Haas Business School) e outro da escola de engenharia, o Sutardja. Além disso, são inúmeras iniciativas (institucionais ou não) voltadas para criação de startups. O grande destaque é a aceleradora Skydeck, que investe 100 mil dólares por 5% de equity de projetos criados por fundadores envolvidos com Berkeley, alumni, professores ou intercambistas. O fundo da aceleradora doa metade dos lucros para a universidade. Também existem outros 5 fundos voltados para investimentos em Berkeley founders — e você pode conhecer todos no “Student’s Guide to UC Berkeley’s Startup Ecosystem” que colocaremos ao final do post.

Os alunos também são protagonistas do ecossistema. Não só sendo parte fundamental das equipes dos centros de empreendedorismo, fundos e aceleradoras, mas também criando novas iniciativas. Já são comuns na Universidade as disciplinas DeCal, em que alunos ministram e gerenciam tudo, desde assuntos mais técnicos, como Machine Learning for Business Decisions, até a Decode Silicon Valley, na qual reconhecidos palestrantes são chamados, como o brasileiro Henrique Dubrugas fundador da Brex (valuation de US$2.6 bi) e o líder da Y Combinator, Michael Siebel.

Mergulhando nas especificidades que fazem da Universidade da Califórnia Berkeley um pólo de formação de empreendedores, destacamos alguns eixos principais:

1. Cultura de inovação e liberdade no coração da universidade

Berkeley foi o berço do movimento hippie e do movimento de free speech que caracterizou a mentalidade da California (“California is not a state, is a state of mind”). A Apple, por exemplo, não poderia ser uma melhor exemplificação — como pode ser encontrado na biografia de Steve Jobs, o diferencial da empresa sempre foi viver na intersecção entre tecnologia e artes. Se Steve Jobs e Steve Wozniak podem ser considerados a personificação da cultura tech+arts, Berkeley pode ser considerada sua institucionalização. A cultura de liberdade criativa reflete em dois elementos muito marcantes para a formação de empreendedores na Universidade: processo de seleção de alunos e processo de criação de disciplinas.

Processo seletivo: durante nossas entrevistas com gestores da Instituição, uma coisa que nos marcou foi o fato de a seleção considerar um peso bem alto à redação, sendo o principal critério de avaliação o quão crítico é o aluno e o quão original é seu pensamento. Juntando isso com a profundidade científica local — com dezenas de Prêmios Nobel e um curso de Engenharia Elétrica e Ciência da Computação super puxado, tem-se o brilhantismo dos alumni que povoam o Vale do Silício. Além disso, há uma ênfase em orientar os alunos para uma formação interdisciplinar, como muitos que cursam Ciências da Computação e Antropologia ao mesmo tempo. A gama de cursos constrói um ambiente multidisciplinar bastante criativo.

Processo de criação de disciplinas: em Berkeley, especialmente no contexto de empreendedorismo, há bastante liberdade para a criação de disciplinas novas. Qualquer professor pode propor uma nova disciplina — ganhando a possibilidade de realizar uma versão piloto em um formato mais curto (6 semanas, por exemplo). Com o piloto gerando bons resultados (baseado em avaliação de alunos e outros professores assistindo), cria-se uma disciplina oficial. Além da responsividade diante das demandas do mercado que isso permite (vimos disciplinas de criação de carnes alternativas, a moda do momento, assim como de sports tech), os professores das disciplinas precisam trazer sua rede de mentores/palestrantes de mercado para participar das aulas, o que faz com que nomes do mercado estejam sempre próximos e presentes no campus. Um plus para esta abordagem: os próprios alunos podem propor disciplinas no mesmo formato — como no DeCal project, que falamos acima. Autonomia, a gente vê por aqui.

2. Berkeley Method of Entrepreneurship

Criado pelos diretores do SCET, Iklaq Sidhu e Ken Singer, que consiste em como Berkeley ensina e fomento o empreendedorismo. Focado na criação de mindset, a metodologia, baseada em gamificação, tem o objetivo de fomentar 10 padrões de comportamento empreendedor. Vale o destaque para o Storytelling, muito abordado em todas as disciplinas com várias apresentações avaliativas. No desenvolvimento de Mindset, os professores orientam os alunos na construção de um Plan to Fail (“se prepare para falhar”):

It is necessary to be Wrong sometimes. Plan to Experiment. Plan to Fail. (Fail Fast). Analyze, Adapt and repeat. The smarter you think you are, the harder this is going to be.

Um dos aspectos mais interessantes do Berkeley method é a pirâmide com as camadas “mindset, network e frameworks” que sustentam o modelo. Ensinar o aluno a encarar as coisas de maneira diferente, oferecer recursos para ele se desenvolver e apresentar frameworks com processos específicos para a criação de uma startup.

Os fundamentos do Berkeley Method. Fonte: Sudartja Center.

3. Collider Cup: Um grande plano de integração de disciplinas

No aspecto gamificação do Berkeley Method, há uma cereja do bolo. Embora tenhamos encontrado, em registros iniciais, a gamificação voltantando-se para a criação de situações simuladas para estimular no aluno diversos traços comportamentais (como trabalho em equipe, tomada de decisão em situações complexas, responsividade em meio à incerteza etc), mais recentemente Berkeley inovou com uma proposta integradora super rica: a Collider Cup.

Aproveitando-se dos inúmeros programas e disciplinas voltadas para criação de tecnologias e startups, a Collider Cup trata-se de um evento no qual o melhor projeto de cada disciplina vai para uma final de pitchs em que disputam entre si o grande prêmio (mentoria com nomes no Vale, avanço para reuniões finais com fundos e outros). Tal abordagem cria um clima de desafio super intenso entre os alunos, e a entrega acaba sendo de altíssima qualidade. Na de 2019, por exemplo, ganhou um grupo que desenvolveu um frango baseado em vegetais (na linha do Impossible Burger), trazendo para os participantes comerem durante a final.

Conclusão: um ecossistema de empreendedorismo em torno das disciplinas

Vivenciar Berkeley é entender o quão ricas podem ser as possibilidades quando a liberdade para criar encontra uma comunidade de pessoas críticas e dedicadas. Mais do que pelos estudantes, a cultura da Universidade faz com que professores sejam mais engajados, atraindo uma dedicação ímpar para suas disciplinas. O projeto vencedor da Collider Cup, por exemplo, é composto por alunos com um pensamento original e profundidade técnica, com backgrounds multidisciplinares, tendo sido expostos ao mercado e vivenciando uma maneira completamente de aprender com as dinâmicas do Berkeley Method. Tudo isso faz com que Berkeley as ações de Berkeley não sejam apenas esforços isolados, mas sim um ecossistema composto por pessoas diversas, rica comunidade de mentores do mercado, oportunidades de investimento, programas de formação de talentos e muitos outros itens que criam uma atmosfera vibrante para inovação. O mais interessante? Muitas dessas coisas podem ser replicadas no Brasil, e esperamos que esse texto ajude outros a realizarem essas mudanças 🙂

Para aprofundar:

Também já escrevemos sobre como o MIT ensina empreendedorismo, e você pode conferir o texto clicando aqui. Outros muitos textos nossos sobre empreendedorismo nas universidades você encontra clicando aqui.

Quer conhecer mais nosso trabalho na Wylinka? Já fizemos diversos projetos ligados à formação de empreendedores na graduação, como o StartupTech, na UFMG (clique aqui para conhecer). Além disso, atuamos com transferência de tecnologias, desenho de políticas públicas e criação de programas e espaços para aceleração de startups — nossos cases você conhece clicando aqui. Querendo fazer algo conosco, é só mandar um email para a chefia do comercial, a Anna Bolívar (anna.bolivar@wylinka.org.br), que ela resolve tudo. 🙂

Autores: Arthur Araújo // Artur Vilas Boas.

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