A lição de Corporate Venturing deixada pela Microsoft no “caos OpenAI”
Recentemente vimos o “caos OpenAI” ocorrendo em uma velocidade sem precedentes – tudo “televisionado” pelos seus protagonistas no Twitter (atual X). A saída inesperada do CEO, as mudanças no board, a ação estratégica da Microsoft e o retorno do CEO ao cargo em menos de 96 horas deixaram uma série de lições, mas resolvemos trazer para o texto de hoje uma lição que passou bastante desapercebida pela maioria dos comentaristas: a postura da Microsoft diante de um cenário de M&A.
O texto de hoje vai falar um pouco mais sobre a relação entre corporações com startups, algo que vem acontecendo cada vez mais forte (no Brasil, a grande maioria dos exits de startups com fundos de investimentos vem por meio das fusões e aquisições), e que muitas vezes é um pilar estratégico para o nosso tema queridinho – a relação das corporações com as deep techs. Então, bora entender melhor essa treta?
p.s.: fique com a gente pois no final recomendaremos uma lista de leitura para esse verão!
A breve história do caos
De forma resumida e simplificada, o que vimos na história da OpenAI foi o resultado de conflitos de interesses acontecendo no conselho (board) da empresa relativos aos caminhos que a OpenAI deveria seguir (dado sua origem non-profit e o crescimento do seu braço for-profit). Com isso, o board decidiu pela saída de Sam Altman, CEO, e, em consequência, uma saída revoltada por parte do CTO da empresa, Greg Brockman, que gerou uma série de questionamentos por parte dos investidores, funcionários e espectadores.
Após essa movimentação, houve uma demonstração pública de lealdade aos dois fundadores por parte da maioria dos funcionários – o que sinalizava que estes iriam segui-los em qualquer nova empreitada. Nos bastidores deste caos, Satya Nadella, CEO da Microsoft (principal investidora da empresa), costurava um acordo de criação de um novo braço de inteligência artificial que seria liderado pelos recém-saídos fundadores da OpenAI.
Com isso, a OpenAI perderia todos seus funcionários, que iriam seguir Sam e Greg na Microsoft, perdendo todo o seu valor de mercado e vivendo a mais rápida história de destruição de valor de uma empresa já vista. Long story short, esse cenário de destruição da OpenAI fez com que o board fosse reestruturado, Sam Altman e Greg reinstaurados e tudo voltando ao “normal”.
O grande foco das coberturas da mídia foram as posturas de membros do conselho, movimentações políticas que poderiam ter influenciado as decisões de demissão de Sam, discussões sobre governança, entre outros. Porém, como falamos, o texto de hoje é sobre uma movimentação que passou despercebida por muitos analistas: a postura da Microsoft no horizonte de M&A.
A Microsoft e sua trajetória de M&As
Quando falamos de Corporate Venturing, falamos de uma postura estratégica de grandes empresas na busca por expansão de seus mercados por meio de novos negócios, podendo ocorrer por meio de ações de criação de negócios internos, joint ventures, investimento em novas empresas (Corporate Venture Capital) e até mesmo sua aquisição.
A Microsoft sob o comando de Satya Nadella, por exemplo, expandiu muitas operações por meio de investimento e aquisição de novas empresas – dos casos recentes mais emblemáticos, temos LinkedIn, GitHub, OpenAi e Activision Blizzard. Embora a aquisição Nokia (pré-Satya Nadella) tenha ficado emblemática como um caso de fracasso, as últimas aquisições contribuíram com o salto de valor de mercado da empresa, que já chega à casa de 6x sob o comando de Nadella.
Com isso, hoje a empresa conta com (i) uma frente de gaming e personal computing que representa quase um terço da receita, (ii) uma frente de nuvem e AI, que se fortaleceu muito nos últimos anos, se tornando a maior fonte de receita (quase 50%) e (iii) uma frente de produtividade e B2B que se expandiu com uma série de novos produtos, tanto em hardware como software.
Além disso, o CEO sempre destaca o quão estratégico ele gosta de ser em suas aquisições, como em uma fala feita em um evento recente:
“A primeira coisa que penso é: isso é algo ao qual a Microsoft pode agregar valor real? Se você pegar o LinkedIn, o GitHub, a Activision ou a Mojang, todos eles precisavam fazer sentido quanto à contribuição única da Microsoft ao ativo, seja por meio da nossa tecnologia, nossa marca, ou nosso acesso ao mercado.”
A lição em M&A: uma boa cultura como adquirente
Uma história que comumente ocorre em aquisições é o movimento do adquirente (comprador) absorver a empresa, mas não oferecer um ambiente fértil para que ela floresça dentro da esfera corporativa. Problemas culturais, burocracias excessivas e necessidades de adaptação às dinâmicas corporativas vão minando o potencial de sinergia planejado com a aquisição e, infelizmente, terminam com os fundadores e time principal da startup saindo do novo arranjo corporativo.
O principal resultado já foi documentado em uma série de estudos: grande parte das aquisições têm sinergias superestimadas no momento da aquisição.
E qual a lição da Microsoft? Uma postura totalmente diferente e amistosa como adquirente. Em um dos primeiros tweets anunciando a vinda de Sam Altman para a Microsoft, Satya Nadella, já flertando com os funcionários da OpenAI, sinalizava – “nós aprendemos com as outras aquisições recentes sobre como deixar startups adquiridas independentes e confortáveis culturalmente dentro da Microsoft – e esperamos fazer igual com vocês”.
E a mensagem parece não ser somente “para inglês ver”, pois funcionários de empresas adquiridas participaram do coro e reforçaram – “posso confirmar a postura da Microsoft. Por aqui, não precisamos usar as soluções Microsoft e temos bastante liberdade nas decisões”.
Para alguns, esse foi o empurrão necessário para uma decisão de se juntar à nova empreitada de Sam e Greg junto à Microsoft. Como as coisas se ajustaram com o retorno dos mesmos para a OpenAI, não foi necessário, mas ainda assim, temos uma excelente lição de atração de talentos. O que iria resultar em um salto no preço das ações da Microsoft e um potencial domínio do mercado de AI.
Uma outra história nessa linha que gostamos de destacar é a das aquisições realizadas pela Disney – Pixar, Marvel, Lucasfilm e outras. Tal jornada mantém a mesma característica do movimento visto pela Microsoft: uma cultura de independência e respeito criativo que alavancou as sinergias entre adquirente e adquirida.
Um fato curioso que poucos sabem é que Steve Jobs, sócio majoritário da Pixar quando comprada pela Disney, foi fundamental nas outras aquisições feitas pela Disney. No caso da Marvel, Steve Jobs procurou Ike Perlmutter, CEO da Marvel, para sinalizar que Bob Iger, CEO da Disney, era uma pessoa de palavra e que respeitava a liberdade criativa de suas adquiridas. Segundo Ike, este foi um dos fatores decisivos para o seu aceite da venda para a Disney.
Conclusões e lista de leitura!
Esse texto conta sobre uma postura importante quando falamos de M&As: conseguir tirar o máximo das adquiridas, oferecendo liberdade criativa e autonomia de decisões para que consigam seguir suas trajetórias. Usualmente gestores das adquirentes falam – “mas precisamos seguir nossos protocolos, pois temos uma estrutura organizacional grande que não pode abrir exceções”.
Será mesmo? Uma estrutura maior que a Microsoft? Difícil. A criação de estruturas organizacionais que permitam boa relação com as startups investidas/adquiridas é fundamental para uma criação de valor a longo prazo, especialmente para uma maximização de sinergias entre organizações.
E é por isso que vamos fechar essa leitura com uma recomendação de 4 livros para esse verão que já vai começar! O primeiro deles é o “Hit refresh” (Aperte o F5), que conta a biografia da Microsoft sob o comando de Satya Nadella, evidenciando a postura do CEO no redesenho da cultura organizacional que multiplicou o valor de mercado da empresa muitas vezes.
Os outros três recomendamos que leiam em sequência: “Criatividade SA”, a biografia da Pixar, que abrange desde a fase pré-Steve Jobs até a compra pela Disney; “Steve Jobs”, a famosa biografia por Walter Isaacson; “The ride of a lifetime” (Onde os Sonhos Acontecem), a biografia da Disney sob o comando de Bob Iger. Por que recomendamos a sequência? Pois as histórias se conectam, dado que Steve Jobs foi majoritário da Pixar e, com a aquisição, veio a se tornar grande acionista na Disney – e este acaba sendo uma figura chave em uma série de momentos dos dois outros livros.
Fora a biografia do Steve Jobs, os três outros livros são excelentes leituras sobre criação de uma cultura organizacional voltada para criatividade e como gerenciar o crescimento organizacional, especialmente por meio de aquisições e expansões.
Esperamos que tenham gostado do texto e que gostem da lista de livros! Cultura é chave para criação de valor 😉
Autor: Artur Vilas Boas – Pesquisador na USP em empreendedorismo e inovação (Linkedin)