Comportamento Empreendedor

Acídia: a doença dos empreendedores e a procrastinação

21/março/2016

Acídia: a doença dos empreendedores e a procrastinação

Não, não deixe para ler depois. A procrastinação é uma guerra individual que poucos assumem, mas muitos possuem — e quando se fala em métodos para superá-la, diversas estratégias são desenhadas. Porém, tais estratégias geralmente se concentram em aspectos superficiais: controlar o ambiente, organizar as tarefas com novas ferramentas e aplicativos, criar metas externas para estimular a pressão etc (quem nunca se pegou buscando tais ferramentas acreditando que irá encontrar a terra prometida da produtividade?). O fato é: sobre este assunto, embora haja esforços válidos para subsidiar melhorias, nunca se toca no aspecto crucial — a procrastinação em excesso pode não ser somente uma característica, mas sim um sintoma e, em alguns casos, está ligada à depressão.

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(não, não é só você que sofre disso)

Ao mergulhar um pouco mais no tema, podemos encontrar alguns pontos bem interessantes, sendo um deles a ligação histórica no desenho dos pecados capitais entre a preguiça e a acídia. A acídia era conhecida como a doença de monges, doença que os impedia de trabalhar, de produzir e, inclusive, de se concentrar em uma leitura por muito tempo — era caracterizada como uma melancolia profunda, um desinteresse repentino pela ação e, ao mesmo tempo, uma vertiginosa e inexplicável agitação de pensamentos. Hoje em dia, a acídia se repaginou e ganhou o nome procrastinação — frequentemente trazendo consigo uma experiência paradoxal: ao mesmo tempo que não se consegue avançar em algumas atividades, ocorre um mergulho em diversas outras, colocado por alguns filósofos como “uma atividade incessante contra a sensação de miséria da vida, na busca de atitudes/coisas/pessoas que possam anestesiar a sensação de vergonha em seu interior”.

E como surge a acídia no universo dos empreendedores?

Eis a realidade: ser empreendedor é assumir para si uma vida de grandes momentos de solidão. Você está à frente de um sonho, enxergando algo além da neblina e é responsável não só por sua jornada, mas pela jornada de colaboradores, clientes e até mesmo daqueles que em você se inspiram — e isso alimenta a sensação interior de que “como muitos dependem de mim, eu não posso fraquejar”. É preciso ter muito culhão para viver essa vida. A cobrança é constante, ao redor só há comparação e histórias de sucesso (afinal, ninguém quer assumir que está nesse barco chamado desespero), a montanha-russa emocional é intensa e a sensação de ser um fracasso torna-se cotidiana, inclusive muitas vezes resultando na síndrome do impostor.
Há medo, muito medo de ser um fracasso — e essa é a grande causa de todos os males, pois, ao invés de colocar o empreendedor em movimento, esse medo o paralisa. Com tudo isso vem a negação e a materialização do que há de mais prejudicial no comportamento dos empreendedores, e essa materialização pode ser percebida a partir de algumas atitudes comuns nos ambientes de empreendedorismo, sendo estes alguns exemplos:

-Excesso de iniciativas, o hábito de pular de novo projeto em novo projeto, escassez de resultados consistentes à frente de uma sólida missão;
-Excesso de distrações. Sim, facebook, netflix, comida, bebida, químicos, jogos, conquistas, auto-afirmação, reclamação, drama e demais vícios são o que há de mais materializado nessa fuga de empreendedores;
-Escassez de sono e de tempo, geralmente acompanhados pelo falso mito de “estou ocupado demais, a vida está corrida. Tá foda!”. Não, você não está tão ocupado quanto diz;
Burnout, desistência frequente e culpabilização externa (a responsabilidade nunca será do desistente, sempre há algum motivo especial para a desistência que quase se torna um hábito).

E qual a saída para tudo isso?

Auto-conhecimento. Para os budistas, a prática da atenção plena (se manter e constante estado de serenidade e reflexão sobre tudo que ocorre ao redor) é o caminho para uma “ação sem necessidade de agitação”, pois nos mantém em boa observação — inclusive auxiliando no reconhecimento das materializações citadas acima. Compreender como lidar consigo mesmo, o que te faz fugir e o que te move pode ser um grande meio de encontrar maior plenitude no dia-a-dia de sua produtividade. Algumas ferramentas e práticas ajudam, mas, como sabem todos aqueles que já tentaram infinitas ferramentas que nada resolveram após certo tempo, a procrastinação é algo muito mais profundo.

Também há o elemento mais prático nessa guerra consigo mesmo, pois, já que a procrastinação está relacionada a (i) visão de custo x benefício em uma ação e (ii) sensação de apequenamento frente a algumas tarefas, existem práticas legais para o desenvolvimento de uma rotina mais madura. Elencamos algumas atitudes legais que aprendemos com os empreendedores da nossa rede:

-Quebrar as atividades em pequenas tarefas e simplesmente se forçar a começar. A confiança gerada nos primeiros passos dá ânimo para o avanço em ações mais complexas. Conforme o nível vai aumentando, pode ser necessário maior esforço no enfrentamento — disciplina é importante, afinal, águas calmas não formam bons marinheiros, não é mesmo? Com o ganho de tração nas pequenas entregas, a sensação de incapacidade diminui e a produtividade aumenta. Um jeito de forçar a movimentação é estabelecer metas externas, como se comprometer a entregar parte da atividade em períodos pré-determinados de modo a forçar a execução. (ferramentas úteis: fazer uma lista de atividades factíveis no dia (to-do list) para olhar sempre que estiver começando a procrastinar. Lembre-se: só com o tempo você vai conseguir ter experiência no dimensionamento das suas atividades, começar com poucas é sempre melhor).
-Procrastinar de modo produtivo. Em vez de se perder no facebook e afins, que tal ter sua fuga centrada em hábitos produtivos? Ler blogs interessantes, ver filmes ligados a grandes realizações, se perder no feed do Quora, sair para caminhar — todos esses hábitos geralmente são bem quistos por procrastinadores e podem ajudar nos processos de melhor compreensão de seus hábitos e impulsionar à ação. (ferramentas úteis: existem plugins para navegadores que te impedem de entrar em redes sociais e outros sugadores de energia. Em casos extremos, desligue o wifi.)
-Entender que seu corpo importa. Praticar atividades físicas pode ajudar a revigorar as energias. Dormir bem, se alimentar bem, evitar desgastes emocionais — tudo isso afeta a energia e a capacidade de entregar de uma pessoa. Há quem diga também que deixar as tarefas importantes para o começo do dia — quando se está com energia recuperada — é melhor. Geralmente, quem diz trabalhar melhor na madrugada o faz por ter deixado para a última hora, que normalmente é a madrugada do dia anterior, e assim estabeleceu este hábito — é importante compreender que no final do dia seu corpo está mais cansado de um dia inteiro em atividade, e realmente não responderá tão bem quanto após uma noite de sono.

Quer mergulhar no tema? Going deep:

A série sobre procrastinação do “Wait but Why” é bem rica nesse sentido, confira aqui o conteúdo traduzido: Por que os procrastinadores procrastinam / Como vencer a procrastinação
-Discussão de um filósofo sobre o tema preguiça/acídia — A preguiça e a melancolia — Café Filosófico.
-Livro sensacional do Ben Horowitz sobre os desafios pessoais da vida de empreendedor — O lado difícil das situações difíceis.

Esperamos que tenham gostado! Compartilhe 🙂

Autor: Artur Vilas Boas

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