Empreendedorismo na Universidade

Universidades empreendedoras: qual a diferença entre EUA, Europa e Latam?

25/junho/2025

Universidades empreendedoras são um tópico central da missão da Wylinka – afinal, são elas que garantem um ambiente envolvendo infraestrutura, cultura, capital humano e muitos outros elementos que permitem à ciência se tornar inovação nas vidas das pessoas. Grande parte dos nossos projetos, por exemplo, se voltou para ajudar universidades brasileiras a modernizarem suas atividades para incentivo ao empreendedorismo, como ocorreu na capacitação de 160 pesquisadores em 10 Estados pelo Startup Tech ou na capacitação das incubadoras do CEFET-MG.

E nessas indas e vindas no tema, um dos acadêmicos que gravita a Wylinka – o prof. Artur Vilas Boas (da FEA-USP), que inclusive já liderou nossas operações de Marketing e Conteúdo – publicou um excelente trabalho apresentando uma grande comparação sobre universidades empreendedoras nos Estados Unidos, na Europa e na América Latina. O trabalho, publicado no Canadian Journal of Administrative Sciences (ABS2), envolveu 41 líderes de universidades empreendedoras e se concentrou em entender as diferenças entre a Arquitetura Empreendedora (entrepreneurial architecture) dessas muitas instituições. E foi para aproveitar esta oportunidade que resolvemos fazer um texto da Deep detalhando um pouco mais dos aprendizados do trabalho. Vamos nessa?

E o que é essa tal de Arquitetura Empreendedora?


Uma das analogias mais comuns sobre Universidades Empreendedoras é a ideia de conduíte (aquele famoso tubo por onde passam fios diversos em construções) – um caminho pelo qual as atividades empreendedoras fluem e são direcionadas até sua concretização em negócios sendo criados. Um trabalho que recomendamos sobre o tema é o “Entrepreneurial activity and regional competitiveness: evidence from European entrepreneurial universities”, pois foi lá onde a ideia de universidades empreendedoras como um conduíte se aprofundou. E é nessa linha que a ideia de uma Arquitetura Empreendedora também entrou no debate das universidades empreendedoras. Para os criadores originais do conceito, profs. Nelles e Vorley, a Arquitetura Empreendedora de uma universidade se caracteriza como “os fatores institucionais, de comunicação, de coordenação e culturais internos a uma organização voltada para a inovação”, dando atenção aos elementos institucionais que fazem a estrutura de uma universidade promover o empreendedorismo.

E quais os elementos centrais de uma arquitetura? Para os autores, a Arquitetura Empreendedora de uma universidade conta com cinco elementos:

  1. Estruturas – a infraestrutura da universidade, como seus NITs, incubadoras, parques tecnológicos, laboratórios etc.

  2. Sistemas – os meios de relacionamento e conexões entre as estruturas e os departamentos, bem como com as comunidades internas e externas. Em suma, os mecanismos que garantem que tudo ocorra de maneira bem conectada e comunicada.

  3. Estratégias – aqui temos a visão institucional para o empreendedorismo, envolvendo o planejamento formal, incentivos e metas concretas.

  4. Lideranças – os indivíduos que encabeçam empreendedorismo e inovação na universidade, cobrindo sua qualificação e priorização.

  5. Cultura – normas e características institucionais e individuais em relação ao empreendedorismo e à inovação.

Faz sentido, não é mesmo? Se pensarmos sob a ótica de uma arquitetura, sem algum desses pilares, nada para de pé. E foi por isso que a ideia de Arquitetura Empreendedora acabou se tornando comum quando analisamos Universidades Empreendedoras – sendo inclusive uma boa referência nas atividades da Wylinka quando apoiamos universidades no Brasil.

Mas agora que o tema já está apresentado, vamos aos resultados?

A diferença na Arquitetura Empreendedora entre regiões


Além de ser uma boa maneira de compreender e planejar esforços de universidades para o empreendedorismo, o conceito de Arquitetura Empreendedora também é bastante útil para comparar diferentes universidades – e foi isso que realizaram os pesquisadores deste trabalho que trazemos aqui. Por meio de um método bastante avançado de análise de conteúdo (para aprofundar, recomendamos a leitura completa do paper), eles conseguiram identificar como a narrativa de cada região é diferente para todos os cinco elementos. E é nisso que vamos mergulhar agora.

Estruturas

Aqui tivemos universidades dos Estados Unidos com um discurso mais orientado a atividades específicas como programas de empreendedorismo, disciplinas, competições e atores de financiamento, sem dar tanta atenção ao papel de parques científicos e tecnológicos. Mas um cuidado: isso pode ser atribuído à amostra do estudo, que não incluiu instituições conhecidas por seus parques tecnológicos, como Stanford ou Duke (Universidade da Carolina do Norte), apesar de contar com respondentes do MIT e da Universidade da Califórnia. Em uma resposta de um líder do MIT, por exemplo, os autores identificaram a importância do ecossistema de Kendall Square (a praça das biotechs atrás do MIT). De maneira bastante distinta, as lideranças de universidades da Europa e América Latina enfatizaram a presença dos parques científicos junto às atividades acadêmicas. Curioso, né? Mas ainda assim, entre elas foi encontrada uma distinção: nos países europeus, os parques tecnológicos tendem a estar mais conectados às universidades, como o Manchester Science Park. Já na América Latina, o discurso se volta para os atores regionais, incluindo prefeituras, associações nacionais e elementos de políticas públicas – destacando que estes desempenham um papel central na estruturação desses ecossistemas de inovação.

E foi neste bloco que os autores começaram a notar que, enquanto nos EUA há uma dispersão e independência de estruturas de suporte, o discurso da América Latina é muito mais ancorado em esforços dos governos – o que, de acordo com o estudo, pode indicar um risco de paternalismo e dependência excessiva.

Sistemas

Nos Estados Unidos, a comunicação e os sistemas de distribuição de informação foram apontados como mais informais e descentralizados, com interações acontecendo principalmente por meio de redes sociais e eventos universitários. Já na Europa e na América Latina, a construção de redes é mais estruturada e centralizada, especialmente em escritórios de transferência de tecnologia (nossos NITs) e centros ligados a empreendedorismo, como incubadoras, centros de apoio e áreas de relacionamento com ex-alunos. Segundo os autores, tanto na Europa quanto na América Latina a comunicação nesses contextos ocorre por meio de estratégias mais formais, como newsletters, e-mails institucionais, conexões entre departamentos e eventos acadêmicos. Uma diferença entre essas duas regiões é que, enquanto as universidades latinas enfatizam a presença de órgãos e redes formais, como acordos de cooperação e parcerias institucionais, as europeias apresentam um modelo mais descentralizado, porém bem organizado, garantindo eficiência na troca de conhecimento e colaboração entre diferentes atores. Aqui também cabe uma nota importante: geralmente as universidades latinas são bastante grandes comparadas com as norte-americanas, especialmente quando falamos de Federais e Estaduais, que abrangem muitos cursos diferentes e dezenas de milhares de alunos. Sabemos que isso impacta bastante na capacidade de comunicação, e esse resultado parece ser um reflexo disso.

Além disso, a formação de redes por meio de sistemas públicos e privados veio com algumas distinções. Nos Estados Unidos, o suporte público não apareceu muito nas entrevistadas (embora as grants e apoios governamentais sejam massivos), enquanto na Europa, agentes regionais como conselhos locais e incubadoras parecem desempenhar um papel fundamental. A discrepância é ainda maior na América Latina, onde o apoio governamental é forte, tanto por meio de financiamento de programas ou iniciativas de internacionalização quanto por parcerias públicas e esforços regulatórios. No que diz respeito ao suporte privado, as universidades americanas destacaram o papel dos grandes doadores e uma comunidade de ex-alunos altamente engajada como contribuinte ativo no desenvolvimento de iniciativas empreendedoras. Já na Europa e na América Latina, esse apoio privado é mais discreto, ocorrendo por meio de redes formais, como câmaras de comércio e conselhos consultivos. Em alguns casos, foi percebida uma relação de entes privados e estudantes de graduação, estes vendo empresários como mentores, role models ou futuros empregadores. Emblemático, né?

Estratégia

Em termos de estratégias, foi percebido um maior alinhamento entre as diferentes regiões – algumas com maior ênfase em transferência de tecnologia (Europa), outras em programas de empreendedorismo (EUA). Infelizmente, um discurso comum na América Latina foi relativo à falta de estratégia – com discursos mais ligados à negação de estratégias claras.

Além disso, um insight interessante do trabalho foi sobre o que motivou mudanças de estratégias nas universidades das regiões para se voltarem mais ao empreendedorismo. Nos Estados Unidos, a Segunda Guerra Mundial desempenhou um papel crucial ao estimular avanços tecnológicos e consolidar a importância das universidades na inovação científica e industrial (recomendamos muito o livro – MIT and the rise of the entrepreneurial science). Já na Europa, as transformações foram motivadas principalmente pela redefinição das missões institucionais e por parcerias estratégicas com governos, como o financiamento público para a criação do Manchester Science Enterprise Centre, que fortaleceu o vínculo entre academia e empreendedorismo. Já aqui na nossa América Latina, as mudanças vieram por meio de programas de cooperação internacional, como o Erasmus+, além da criação de incubadoras e conferências nacionais voltadas ao desenvolvimento acadêmico e empresarial. Outro fator relevante especialmente apontado no Brasil foi o surgimento de empresas unicórnio fundadas por ex-alunos, que serviram como inspiração para novas iniciativas e reforçaram o papel das universidades como agentes de inovação e crescimento econômico. Esses eventos demonstram como o contexto histórico e político influencia diretamente a evolução das instituições de ensino superior, moldando suas estratégias e impacto na sociedade. E aqui também podemos perceber uma grande diferença temporal no desenho de estratégias – enquanto nos EUA os esforços se fortaleceram na década de 1930, alguns movimentos só foram ocorrer no Brasil nas últimas décadas.

Lideranças

Este é um dos aspectos mais curiosos dos resultados. Nos Estados Unidos, foi percebido uma liderança é mais centralizada, com figuras como o presidente da universidade ou o reitor de escolas específicas desempenhando papéis-chave, além de um órgão dedicado exclusivamente à inovação e ao empreendedorismo (ex: Martin Trust Center, no MIT). Já na Europa e na América Latina, a estrutura é mais descentralizada, com diversas organizações espalhadas pelos campi e um foco maior nos Escritórios de Transferência de Tecnologia (NITs) – novamente podendo ser um efeito do tamanho das universidades. Um fato muito interessante foram os diversos cargos de liderança voltados para empreendedorismo e inovação, incluindo vice-presidentes de pesquisa e inovação, vice-reitores de pesquisa e empreendedorismo e comitês de colaboração empresarial.

Outro aspecto relevante é o papel dos estudantes na promoção do empreendedorismo dentro das universidades. Enquanto nos Estados Unidos esse protagonismo é menos destacado, na Europa e na América Latina os movimentos estudantis, como ligas e empresas juniores, parecem desempenhar um papel crucial na organização de iniciativas voltadas à criação de negócios, além de feiras de carreiras e programas de estágio. Nas universidades latinas, por exemplo, há uma forte presença de organizações estudantis dedicadas ao empreendedorismo (ex: Núcleo de Empreendedorismo da USP), que atuam na estruturação de ações de apoio à criação de startups e na conexão entre alunos e o mercado. Esse engajamento estudantil reflete uma abordagem mais coletiva e colaborativa na construção de ecossistemas empreendedores, contrastando com o modelo mais centralizado dos Estados Unidos. Contra-intuitivo, né? Novamente, o fator tamanho das universidades impacta aqui – o MIT, por exemplo, tem cerca de 12 mil estudantes, enquanto a USP tem cerca de 100 mil. Apesar disso, uma relativa arrogância institucional por parte de universidades americanas em relação a movimentos estudantis já foi documentado em um excelente trabalho do prof. Etzkowitz – “StartX and the ‘paradox of success’: filling the gap in Stanford’s entrepreneurial culture”.

Cultura

O papel da cultura local e da região no empreendedorismo universitário varia significativamente entre os Estados Unidos, Europa e América Latina. Nos EUA, o ecossistema empreendedor é fortemente influenciado por fundos de VC e pelo mercado de trabalho gerado pelas big corps e big techs, criando um ambiente propício para a inovação e a comercialização de novas ideias. Já na Europa, o empreendedorismo universitário é impulsionado por atores locais, como hubs, incubadoras e parques tecnológicos, além de contar com uma cultura nacional que valoriza o impacto da inovação. Tanto nos EUA quanto na Europa, respondentes apontaram que eventos locais e atividades de ex-alunos desempenham um papel fundamental na construção dessa cultura dentro das universidades. Por outro lado, na América Latina, a ênfase recai mais sobre iniciativas internas das universidades, como hubs e eventos acadêmicos, sem uma forte conexão com o ecossistema regional. Sabemos bem, não é mesmo?

Quando se trata do incentivo ao empreendedorismo e à educação empreendedora, as três regiões possuem infraestrutura semelhante, incluindo escritórios de transferência de tecnologia (NITs) e centros de empreendedorismo, mas com resultados distintos. Nos EUA, há um foco claro na comercialização de invenções, com suporte ativo – em especial por parte dos TTOs – para transformar pesquisas em negócios. Na América Latina, os esforços estão mais voltados para a proteção da propriedade intelectual do que para sua comercialização, o que pode limitar o impacto econômico das inovações acadêmicas. Por fim, na Europa, apesar da existência de infraestrutura de apoio, muitos entrevistados apontaram a falta de incentivos para a criação de negócios enquanto dentro das carreiras acadêmicas (alguns até falando que Research University por natureza não devem fomentar a inovação) – a pressão por publicar e fazer ciência parece ser mais forte e impeditiva.

Conclusão


Ficamos bastante felizes de poder trazer esse trabalho super profundo para vocês (obrigado prof. Artur por ajudar na construção do texto!). A compreensão dessas diferenças é sempre muito importante quando pensamos e desenhamos estratégias de apoio a universidades – e é com esse tipo de pesquisa que a gente trabalha na hora de fazer nossos programas. Como podem perceber, alguns fatores são muito difíceis de mudar, mas outros já são bem viáveis e factíveis, e isso nos inspira a pensar como melhorar cada vez mais as universidades brasileiras. Esperamos que vocês tenham gostado tanto quanto a gente, e se quiserem ver o paper inteiro, o link está aqui (e por enquanto está open access pela editora!). E se você tiver interesse em usar esse nosso conhecimento nos programas ou no desenho de estratégias da sua Universidade, é só entrar em contato com nosso comercial, (comercial@wylinka.org.br). Também não deixe de nos acompanhar nas redes sociais – Linkedin e Instagram.

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