Como criar um Distrito de Inovação?
Recentemente tivemos um anúncio super interessante no Estado de São Paulo: um protocolo de intenções assinado para a implementação do Distrito de Inovação de São Paulo, que unirá atores como Universidade de São Paulo (USP), Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), Instituto Butantan, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Prefeitura do Município de São Paulo e a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado de São Paulo na missão de promover ciência e tecnologia em SP. Tal espaço abraça uma área de cerca de 500 hectares, mais de 300 núcleos de pesquisa e 6 ambientes de inovação aberta, com mais de 70 mil pessoas frequentando a área diariamente.
Essa é uma pauta que nos dedicamos há mais de 10 anos – como (i) nesse texto aqui da Deep analisando o porquê de Florianópolis ter sido eleita a cidade mais empreendedora pela Endeavor em 2014, ou (ii) atuando à frente do SEED-MG, programa de desenvolvimento do ecossistema de startups do Governo de Minas, de 2014 a 2016. E é por isso que pensamos – que tal um texto para Deep discutindo a pauta dos distritos de inovação?
O que é um distrito de inovação? Como surgiu?
Primeiro, vamos à definição utilizando uma recente revisão de literatura excelente publicada no journal Land Use Policy (Yigitcantlar et al., 2020): distritos de inovação são um arranjo geográfico nos quais se integram uma série de atores para a promoção de desenvolvimento urbano/econômico a partir do conhecimento (knowledge-based urban development). Em termos práticos – um raio geográfico no qual se concentram atores importantes para a inovação, como universidades, fundos de investimentos, áreas de P&D, centros de inovação, entre outros.
E aqui cabe uma nota histórica super interessante para o tema. Como alguns estudiosos destacam, os distritos de inovação podem ser considerados os “Parques Tecnológicos” dos tempos modernos. Originalmente, parques tecnológicos também tinham a visão de concentração em um raio territorial – com áreas de P&D de grandes empresas se instalando perto de parques tecnológicos, e essa conexão promovendo a inovação. Seu modelo inicial surge, para alguns, diante de uma crise financeira de Stanford após a WW2 e o entendimento de que sua vasta extensão de terras poderia ser uma fonte de recursos financeiros ao serem oferecidas a preços mais atrativos para empresas inovadoras se estabelecerem próximas à universidade. E foi assim que começou o Stanford Research Park, nos anos 50, atraindo gigantes da época, como HP, Kodak, GE e Lockheed Martin – sendo o movimento considerado como um dos primeiros passos para o surgimento do Vale do Silício.
Trazendo para os tempos modernos, os distritos de inovação vêm com a mesma aposta: concentração regional gera maior colaboração, colisões serendipitosas, desenvolvimento de talentos e crescimento econômico regional. Um exemplo é o MaRS Innovation District, no Canadá, que tem conseguido grandes resultados em soluções focadas em saúde e clima, como é o caso das gigantes ali estabelecidas Blue Rock Therapeutics (+200MM de dólares captados), Deep Genomics (+40MM), Nothern Biologics (+65MM), Johnson & Johnson, Paypal, entre outras.
Nossa tese: o poder das interfaces
Respondendo à questão de “Como construir um distrito de inovação?”, destacamos o ponto central da nossa tese – as interfaces. Mas antes de falar sobre elas, vamos destacar 3 grandes elementos que gravitam na pauta dos distritos de inovação, que são os Ecossistemas de Conhecimento, os Ecossistemas de Empreendedorismo e os Ecossistemas de Inovação. Muitas vezes tratados como a mesma coisa, estes ecossistemas têm atores e objetivos característicos que precisam ser respeitados para um bom desenho de política pública. Como destacam pesquisadores da FEA-USP (Borini et al., 2024), enquanto ecossistemas de conhecimento concentram-se em gerar grandes descobertas de pesquisa, envolvendo atores como centros de pesquisa, financiamentos de pesquisa, professores e bolsistas, os ecossistemas de empreendedorismo concentram-se na sobrevivência de novos negócios, envolvendo atores como fundos de investimento, empresas parceiras e empreendedores. Já os ecossistemas de inovação voltam-se para grandes empresas buscando saltos de inovação em seus produtos, envolvendo atores como áreas de P&D, startups, outras empresas parceiras e universidades.
Como você pode perceber, esses 3 espaços, embora diferentes, possuem muitas intersecções. E a nossa tese é que é o fortalecimento dessas interfaces que gera o surgimento da inovação. Por exemplo, é em um projeto em parceria com uma grande empresa que um pesquisador pode se ver incentivado a criar uma Deep Tech; ou é ao estagiar em uma startup que um estudante pode perceber que seu sonho é empreender. Qual o papel do distrito de inovação aqui? Ser um agente que catalisa essas interfaces. Pela concentração geográfica, tal trânsito é facilitado, mas, além disso, ele pode ser catalisado por um ator que articule mais os 3 universos de maneira proativa. Isso pode ocorrer em diversas maneiras, tais como:
- Oferta de serviços como coworking, mentoria e incubação para apoiar o surgimento de empresas embrionárias;
- Promoção de eventos, como hackathons, para acelerar as conexões e criar uma atmosfera vibrante;
- Desenho e facilitação burocrática de parceiras estratégicas e POCs com grandes empresas;
- Atração de investidores, bem como capacitação de empreendedores para captação de recursos;
- Criação de portais de vagas em empresas de tecnologia do distrito;
- Acompanhamento a longo prazo de talentos e tecnologias de modo a facilitar conexões.
Nessa linha, uma possibilidade que temos refletido dentro da Wylinka é o conceito de Distritos Deep Tech, nos quais a ênfase se dá em alavancar o papel dos ecossistemas de inovação, dando ênfase à capacitação de cientistas empreendedores e às interfaces necessárias para o surgimento de Deep Techs. Deep techs demandam uma série de especificidades, como falamos no nosso ebook “Investindo em Deep Techs”, cabendo um cuidado extra ao desenhar estratégias regionais com esse fim.
De toda forma, um vídeo curto que gostamos bastante sobre o tema de desenvolvimento de regiões empreendedoras é este que apresenta a “Boulder Thesis”, um resumo do livro “Startup Communities”, de Brad Feld:
Mas nada é tão fácil…
Como podemos perceber na listagem acima, nenhuma das ações sai muito do que sempre falamos como Wylinka, certo? E é por isso que este texto precisa de um importante caveat – os principais erros que líderes de tentativas de distritos cometem quando desenham esse tipo de iniciativa. Destacamos:
- Governança e incentivos pouco alinhados: um dos debates mais comuns na criação de regiões empreendedoras é sobre a liderança. Por um lado, alguns defendem que ecossistemas precisam ser liderados por empreendedores – destacando que quando agentes de política pública assumem essa função, buscam mais popularidade e menos resultado, e isso acaba resultando em perda de capacidade de foco e priorização. Para esse argumento, este texto do Paul Graham é excelente – How to Be Silicon Valley. Por outro lado, alguns defendem que a capacidade do Estado de centralizar atores e organizar recursos é a base para a maioria dos saltos tecnológicos da história, o que alavanca sua capacidade de executar e priorizar este tipo de iniciativa. Para esse argumento, o livro Estado Empreendedor (com um bom resumo aqui), de Mariana Mazzucatto é excelente.
- Priorização e tamanho do raio de um distrito: um dos erros que muitas propostas de distrito cometeram nos últimos anos foi a tentativa de abraçar cada vez mais regiões e pautas temáticas, o que gerava propostas muito bonitas no papel, mas impossíveis de executar. No coração do surgimento do Stanford Research Park estava a premissa de “Steeples of Excellence” – ou pilares de excelência, um argumento que defendia a ideia de se concentrar em poucos pilares de excelência e deixar para que o transbordamento do resultado desses pilares gerasse o benefício para outras áreas. No caso de Stanford, foram três – Engenharia Elétrica e Eletrônica; Química; Medicina e Ciências Biológicas. Por fim, até mesmo o tamanho do raio do distrito precisa ser levado em consideração – alguns defendem 100km, outros 10km, outros 50km. Para nós, o importante é priorizar colisões, portanto, não podendo ser algo que limite um trajeto curto de carro ou a pé de um ponto a outro.
- Pouco dialogo com os ecossistemas adjacentes: ao longo desses mais de 10 anos acompanhando a criação de ecossistemas, um padrão que percebemos muito foi a ausência de diálogo das lideranças de um ecossistema com os seus ecossistemas complementares. Programas ancorados em ecossistemas de empreendedorismo, por exemplo, não dialogavam muito com atores próximos do ecossistema de conhecimento (ex: universidades) ou do ecossistema de inovação (ex: grandes empresas). Na mesma linha, programas desenhados por atores de ecossistemas de conhecimento não consideravam o papel de startups ou grandes empresas. A longo prazo, oportunidades eram perdidas e as tentativas de desenvolvimento regional perdiam força por falta de resultados ou outras fontes de recursos.
Apesar disso, acreditamos que cada vez mais as lideranças de projetos para distritos de inovação estão amadurecendo e aprendendo com as tentativas acumuladas. Se você tem interesse em fazer algo nessa linha, não deixe de nos procurar! Conseguimos trazer muita experiência acumulada de projetos e pesquisas nessa linha. É só entrar em contato com nosso comercial, Anna Bolivar (anna.bolivar@wylinka.org.br). Também não deixe de nos acompanhar nas redes sociais – Linkedin e Instagram.