A revolução do Biodesign na Inovação de base tecnológica
Em um cenário econômico que ainda sofre com a luta contra a pandemia, era de se esperar que setores relacionados à indústria da informação, alimentação saudável, aquecimento global, acessibilidade à saúde e cura de doenças ganhassem projeção de forma exponencial e, consequentemente, maiores investimentos.
Apontada como um dos setores com maior tendência a receber grandes investimentos em 2022 as startups deep techs, ou ‘tecnologia profunda’, são aquelas que desenvolvem soluções utilizando as tecnologias que surgiram com a Quarta Revolução Industrial, como inteligência artificial, criptomoedas, materiais avançados, bioimpressão 3D, robótica, computação quântica e realidade virtual e aumentada.
Dentro das empresas em todos os segmentos, o ESG já começa a fazer parte da cultura organizacional sustentado por pautas como bioeconomia, neutralização de carbono e sistemas de produção circulares. É aí que surge a necessidade de uma visão multidisciplinar, na qual designers, engenheiros e biólogos formam equipes para mesclar conhecimentos e produzir soluções disruptivas, originando o Biodesign.
Em Stanford Byers Center for Biodesign, o termo dá nome a uma metodologia de inovação desenvolvida por Bill Aulet, que há 20 anos orienta equipes multidisciplinares em todo o mundo para o desenvolvimento de produtos e serviços inovadores no campo da Saúde. Portanto o Biodesign é conhecido pela sua aplicação neste setor, por meio das tecnologias de bioimpressão 3D e desenvolvimento de tecidos humanos através da engenharia genética. Mas o Biodesign está gradativamente ganhando espaço em outros setores da indústria que, até pouco tempo atrás, seriam considerados totalmente distantes das ciências biológicas, como a indústria da moda, indústria automotiva e até mesmo a construção civil.
O que é Biodesign?
“As maiores inovações do século XXI serão a interseção da biologia e da tecnologia. Uma nova era está começando.” – Steve Jobs
Literalmente, é a união entre design e organismos vivos. Em que biólogos, cientistas, artistas e designers integram sistemas biológicos às metodologias de design para a criação de novos produtos. Não são recentes os processos de alteração de propriedades naturais, como a pasteurização ou mesmo a reprodução seletiva, mas esse casamento – até pouco tempo improvável – só foi possível graças à Quarta Revolução Industrial, que aproximou a Biologia Sintética de tecnologias de fabricação digital como a impressão 3D, dando origem por exemplo a um tecido idêntico ao couro, criado a partir da cultura de colágeno em laboratório, da Modern Meadow.
Dando continuidade à metamorfose que a moda tem sofrido nos últimos anos, o Biodesign está se tornando a estratégia principal para a adoção de ciclos produtivos circulares. Para se ter uma ideia, grandes marcas já consolidam a substituição definitiva do couro animal por couro vegano. Por exemplo, a inglesa Stella McCartney já utiliza fungos para produzir couro para as suas bolsas, graças a tecnologia de biofabricação digital desenvolvida pela BoltThreads.
A natureza também é a designer no projeto Silk Pavillion, da arquiteta, cientista e professora no M.I.T. Neri Oxman. Oxman transforma bichos da seda em arquitetos, ao projetar um pavilhão que ganha forma a partir do processo de tecelagem da seda de milhões de insetos inseridos em um ambiente pré-concebido a partir do estudo dos movimentos para a produção da seda.
Utilizando os princípios da Biomimética, ciência que estuda as soluções da natureza aplicadas a problemas de engenharia e design, o designer holandês Joris Laarman criou a Bone Chair, cadeira modelada em impressão 3D. A ideia é reproduzir o processo orgânico de formação dos ossos humanos.
Biodesign: soma de duas áreas de conhecimento naturalmente disruptivas
O Biodesign abre um universo de oportunidades sem precedentes para designers, como a possibilidade de trabalhar em cooperação com projetos nos mais diversos setores, inclusive no desenvolvimento de novos materiais através da biotecnologia e biofabricação digital. A biologia sintética é também outro campo para o biodesigner, que poderá propor novos atributos de design em materiais a partir de alterações genéticas.
O mais fascinante desta disciplina em plena ascensão é mesmo a possibilidade de promover o encontro de biólogos em designers em prol do desenvolvimento de uma solução. Enquanto designers precisam do conhecimento em sistemas biológicos para criar produtos que estão de acordo com a nova economia, biólogos encontram nos designers a capacidade de visão de mercado que exponencializa o potencial das suas pesquisas.
Porém, existem ressalvas, como pontua a revista Fast Company: Graças aos avanços na computação, nossas máquinas podem agora ler e escrever com DNA. Quando se trata de trabalhar com organismos vivos, somos capazes de iterar mais rapidamente e projetar com mais precisão. Os defensores do biodesign vêem isto como uma forma de construir coisas e criar produtos de forma mais sustentável, uma vez que os seres vivos crescem e se multiplicam com pouca energia, e poderiam substituir materiais tóxicos.
Não há dúvida de que ser capaz de projetar sistemas vivos melhorará nossa qualidade de vida ao ser mais gentil com nosso meio ambiente do que os métodos atuais de construção e indústria, mas também traz preocupações éticas, pois a capacidade de alterar organismos vivos poderia ter consequências desastrosas nas mãos erradas.
Mas Biodesign não significa necessariamente alterar organismos vivos, e sim aprender com eles. Trata-se de um aproveitamento das soluções da natureza para criar ciclos produtivos mais saudáveis e regenerativos. Micélios, por exemplo, dão origem a produtos totalmente biodegradáveis. É como usar a melhor tecnologia, a natureza, a favor das pessoas e do planeta.
“A Mãe Natureza já forneceu as tecnologias que permitem que o ser humano seja mais eficiente e sustentável. Só precisamos saber onde encontrá-las” – Ecovative
Quem são os grandes players?
Fundada por dois engenheiros de Nova York, em 2007, a Ecovative Design é pioneira em – literalmente – fazer crescer produtos a partir de micélios; parte vegetativa dos fungos. Com o argumento de produtos totalmente sustentáveis que se decompõem em até 40 dias em contato com o meio ambiente, a Ecovative foi pioneira em inserir no mercado as primeiras embalagens feitas de compostos de micélios, em 2007. Atualmente Avaliada em 90 milhões de dólares, a empresa tem em seu portfólio couro vegetal, carne, algodão, bacon e isopor. Todos os produtos são biodegradáveis, ou seja, não só não geram resíduos como contribuem para a regeneração do planeta.
Já a Gingko Bioworks atingiu o patamar de 100 milhões de dólares unindo design à biologia sintética para a produção de cosméticos e fragrâncias. Hoje em dia ela aplica o biodesign à indústria alimentícia, médica e até na produção de vacinas.
Com atuação principal no desenvolvimento de tecidos, a Bolt Threads soma design à biotecnologia, biofabricação digital e a tecnologia mais avançada para a produção de tecidos: os bichos da seda. A marca já recebeu mais de 200 milhões de dólares em investimentos para desenvolver materiais avançados.
E agora, por onde começar?
O Biodesign como área de conhecimento que nasce naturalmente colaborativa, encontra nos seus atores verdadeiros agentes de divulgação. A prova disso é a quantidade de iniciativas como plataformas de conhecimento aberto, eventos e publicações. Assim, se você se interessou pelo assunto, pode começar pelo :
- Material Ecology – um verdadeiro tratado de processos de Biofabricação Digital, arquitetura e design. A autora é ninguém menos que Neri Oxman, uma das maiores referências na área.
- Biofabricate – eventos anuais de Biofabricação, atualmente no formato online.
- Biodesign Challenge – uma premiação anual aberta a alunos de qualquer parte do planeta. Vale assistir aos eventos anteriores no canal no YouTube, para se inspirar e conhecer jovens cientistas das mais variadas áreas de atuação.
- MA Biodesign – Mestrado em Biodesign pela Universidade St Martins de Londres.
- A Revolução das Plantas – neste livro premiado como publicação científica-literária de 2018, o botânico e fundador da neurobiologia vegetal Stefano Mancuso nos ensina a aprender com as plantas a encontrar soluções tecnológicas para construir um futuro em harmonia com a natureza.
- Nature: colaborations in Design – uma compilação de 65 projetos de design, arquitetura, moda, arte e interatividade inspirados na natureza e apresentados durante a exposição Nature – Cooper Hewitt Design Triennial (2019) no Cube Design Museum, em Kerkrade, Holanda.
Autora: Carla Werkhaizer – Designer Multiplataforma (LinkedIn)