Y Combinator: o que o “edital para startups” revela sobre seus próximos investimentos?
Começo de ano é sempre assim: uma série de “visões sobre o futuro” começam a surgir em portais, organizações de especialistas, associações e muito mais. Em nosso último texto, por exemplo, trouxemos uma cobertura da Consumer Eletronics Show – evento no qual as grandes empresas de tecnologia apresentam suas apostas tecnológicas para o futuro. Já no texto de hoje, vamos para um outro “documento de visão sobre o futuro”, e que valorizamos muito: o Request for Startups da Y Combinator.
Para quem não sabe, a Y Combinator (YC) é a maior aceleradora de startups do mundo, que conta com casos emblemáticos em seu portfólio – como AirBnB, Rappi, Reddit, Dropbox, entre outras. Há mais de uma década, essa aceleradora faz uma listagem sobre apostas em tecnologia que seus analistas têm para o futuro e que gostariam de investir – por isso o nome “request for startups”, que pode ser traduzido para “chamado para startups”.
Embora tenhamos usado o termo “edital” no título, a iniciativa não funciona como um edital propriamente como temos no Brasil, mas ela acaba seguindo a ideia de apresentar um escopo de apostas para orientar um pouco melhor potenciais aplicantes para seus programas. É uma listagem super legal que utilizamos muito para nos atualizar e direcionar startups dos programas que organizamos como Wylinka, tais como o DeepTech e BloomBTech. E agora que já introduzimos a ideia da listagem, vamos à curadoria que fizemos da nova versão recém-lançada pela aceleradora (que, segundo eles, foi totalmente revisada neste ano).
O encontro da IA com os Robôs
Um dos aspectos mais presentes no “request” da YC é o papel da robotização para saltos econômicos. Segundo eles, a tendência da robotização será fortalecida por duas grandes forças em crescimento: (i) aumento da capacidade das inteligências artificiais (IAs) e sua implementação no contexto de robôs que aprendem e se tornam cada vez mais produtivos, assertivos e eficientes; (ii) demandas por saltos de produtividade na manufatura americana, que conta com estímulos governamentais e pressões competitivas globais.
A turma da Y Combinator ainda destaca: as maiores apostas deles são nos contextos fora do B2C, como o uso de inspeção industrial (exemplo de investida deles: Gecko Robotics) ou no agro (exemplo de investida: Bear Flag Robotics). Para eles, ter a capacidade de construir operações industriais robustas, mas com a velocidade de uma startup, será um grande diferencial.
Novas interfaces: spacial computing e digital twins
O lançamento do novo óculos da Apple – o Apple Vision Pro – foi um grande marco para o contexto de spacial computing, comumente conhecido pelas realidades virtual e aumentada (que já vinha quente devido ao Meta Quest 3, grande aposta do tio Zuckerberg). A expectativa da YC nesse espaço é que sejam desenvolvidos novos aplicativos e melhores soluções de experiência do usuário. Uma das aplicações mais claras são as ligadas a produtividade – como nesse vídeo aqui -, já destacadas pelo Zuckerberg como potencial enorme de mercado (ex: se um time de desenvolvimento ganhar 10% em produtividade usando tais óculos, qualquer empresa compraria o equipamento para toda a equipe).
Também na linha de interfaces, mas com um recorte “do físico para o digital”, são os gêmeos digitais. Gêmeos digitais são tecnologias de simulação digital avançada que conseguem substituir a necessidade de simulações físicas, o que permite uma enorme redução de custos e velocidade de iteração para implementação de melhorias. Para a YC, os avanços em Machine Learning vão estressar mais ainda essa fronteira dos digital twins.
Um exemplo legal disso no Brasil é a Medroom, que utilizou realidade virtual + gêmeos digitais para auxiliar o planejamento de uma cirurgia super rara no Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da FMUSP.
Climate: o futuro das Deep Techs para a Y Combinator
É isso aí! Um dos nossos temas mais queridos apareceu. Deep techs com soluções para o clima são uma das nossas paixões, e temos apostado muito nisso em nossos programas como. Para a YC, esse é um mercado que pode vir a desbloquear 3 a 10 trilhões de dólares em EBITDA, com uma série de programas de investimento que vão acelerar mais ainda as coisas. A própria aceleradora já investiu em mais de 100 empresas no assunto, e hoje elas valem mais de 10 bilhões de dólares.
Nesse espaço, as apostas são em: (i) novos mecanismos geradores de energia, bem como melhores infraestruturas para smartgrids; (ii) deep techs focadas em descarbonização; e (iii) fintechs verdes, como novos fundos ou outros formatos de financiamento de projetos para o clima. Inclusive, climate techs parecem ser um dos maiores interesses da Y Combinator, com um texto gigante detalhando cada uma de suas apostas – recomendamos que interessados leiam clicando aqui.
Y Combinator enxeSaúde como ousadia e modernização
As apostas relativas à temática da saúde se desdobram em uma frente super ousada e em outra frente bastante pragmática. O lado ousado vem com um interesse específico bem explícito: “alguma maneira de colocar um fim ao câncer”. Uma sessão inteira do Request for Startups é focado na questão do câncer, discutindo coisas como o avanço de tecnologias de ressonância magnética ou melhorias nas terapias existentes contra a doença. Um outro long shot em saúde é o desenvolvimento de novos modelos para pesquisas em biotecnologia, como soluções focadas em descoberta de novos medicamentos e aumento da produtividade da pesquisa de bancada.
Do lado mais pragmático, a YC destaca o interesse por soluções que ofereçam um combo de infraestrutura + gestão para organizações de saúde (inclusive destacando soluções que assumem a frente de gestão de tais organizações, como os modelos de “Managed Service Organizations” – MSO). Além disso, o YC destaca o interesse por soluções que possam eliminar os “middlemen” de saúde (ex: soluções que tirem as farmácias da intermediação entre farmacêuticas e pacientes). Isso porque, de acordo com pesquisas voltadas para o setor, 70% dos gastos em saúde ficam com tais intermediários.
Por fim, eles trazem a ideia de “Explainable AI”, uma inteligência artificial que consegue explicar para médicos e pacientes seu processo de decisão que levou ao resultado apresentado. Dessa forma, caso a IA indique que uma radiografia pode levar a conclusões X, Y ou Z, ela também explica o racional por trás dessas conclusões. Do lado do paciente, essa capacidade de explicar ainda pode reduzir a pressão ao sistema de saúde, e é o que Google e a Mayo Clinic têm apostado em sua nova parceria envolvendo IA Generativa.
E agora…?
Como falamos, o Request for Startups é só um documento para ampliar os horizontes das pessoas sobre futuros que eles acreditam ser interessantes. O texto em si tem uma série de outras pautas, mas escolhemos essas 4 frentes acima por acharmos bem interessantes e alinhadas ao Brasil. Como a YC mesmo destaca, a lista é somente para animar as pessoas quanto a possibilidades e auxiliá-las no processo de descoberta de oportunidades. Desta forma, não deve ser vista como uma regra (ou nem mesmo como um edital cheio de regras ou recomendações), mas sim como uma fonte de inspiração.
Se você gostou dessa lista, não deixe também de ler nosso texto sobre a Consumer Eletronics Show, pois vai muito em linha com o tema que estamos debatendo. E se você quiser acompanhar mais novidades tecnológicas que acontecem no Brasil e no mundo, não deixe de seguir a gente nas redes sociais – Linkedin e Instagram – para saber quando tem texto novo no ar! Because when you rock, #wyrock!
Autor: Artur Vilas Boas – Pesquisador na USP em empreendedorismo e inovação (Linkedin)