Aceleração e Metodologias

Proof of Concept Centers: um novo mecanismo para o empreendedorismo nas universidades?

17/abril/2017

Proof of Concept Centers: um novo mecanismo para o empreendedorismo nas universidades?

Com o crescimento da pauta “empreendedorismo e inovação” nas discussões sobre desenvolvimento econômico das nações, muito se começou discutir quanto às modalidades de apoio e aos agentes envolvidos: incubadoras, aceleradoras, venture builders e outros mecanismos começaram a ser tratados como boas esperanças de apoio ao aumento das taxas de natalidade de empresas inovadoras (bem como redução das taxas de mortalidade das mesmas). Um dos agentes que mais recebeu apontamentos sobre seu papel e potencialidades foram as universidades: além de formadoras de mão-de-obra qualificada, tais instituições geralmente são as principais geradoras de conhecimento e novas tecnologias — cabendo às mesmas o esforço para incentivar os transbordamentos desse conhecimento de modo a impactar positivamente as regiões em que se inserem.

A discussão sobre agentes e papéis a serem desempenhados deu luz a diversos mecanismos de suporte – porém, na visão de alguns pesquisadores, as empresas nascentes de base tecnológica que demandam uso intensivo de conhecimento acadêmico (por exemplo: biotecnologia, engenharia de materiais, dispositivos médicos, física aplicada e outros) ainda sofriam do que foi cunhado de “funding gap”. Nessa crítica, aponta-se que os modelos de fomento à geração de empresas de base tecnológica geralmente se concentram em fases mais avançadas dos negócios, não se comprometendo com os riscos e desafios de estágios iniciais do desenvolvimento tecnológico puro, que no caso das acima citadas são estágios mais longos e incertos. A ausência de mecanismos para esse estágio foi reconhecida como um grande limitador no desenvolvimento de empresas de base tecnológica baseadas no que chamamos de “hard science”. Frente a esse desafio, a resposta de algumas universidades foi a criação de um modelo inovador atento a este funding gap das pesquisas com potencial para inovação tecnológica — surgiu assim o recente modelo dos Proof of Concepts Centers (POCC’s).

Fonte: http://www.frogheart.ca/?p=12456

O conceito

Por ser uma categoria ainda muito recente nos ecossistemas de empreendedorismo (os primeiros modelos são datados de 2001 e 2002), poucos estudos acadêmicos conseguiram trabalhar com maior propriedade no tema, porém, uma definição bastante utilizada nos estudos tem sido a seguinte:

A PoCCenter is an organization working within or in association with the university, to provide funding, mentoring, and education, in a customizable support to Proof of Concept activities in Technology Comercialization, i.e., the development and verification of a commercial concept, the identification of an appropriate target market, and the development of additional required protectable IP.

(The role of a Proof of Concept Center in a university ecosystem: an exploratory study)

O objetivo de um POCC? Como o nome já diz, facilitar o processo de prova de conceito, ou seja, encontrar um conceito comercialmente interessante, tecnicamente válido, com mercado apropriado e propriedade intelectual estruturada para os avanços tecnológicos identificados no ambiente acadêmico. Não buscando oferecer infra-estrutura ou elementos mais avançados, tais centros tem como foco central de sua atuação (i) o desenvolvimento de processos claros de identificação de oportunidades, (ii) a aproximação com agentes da indústria para melhor compreensão do mercado e (iii) o contato com mentores e especialistas para o amadurecimento da visão de negócio dos pesquisadores. Os três elementos se fundamentam em um mecanismo de apoio financeiro inicial para suprir o funding gap, investimento geralmente aplicado a partir do cumprimento de metas pré-estabelecidas no programa (e com estruturas diversas para cada instituição — alguns sendo doações, outros sendo verba governamental e até mesmo outros envolvendo participação acionária). A atenção ao processo de melhorias, adaptação dos modelos/tecnologias e interação com o mercado em um processo de melhoramento contínuo é tratado como o grande diferencial dos POCC’s. Alguns autores referenciam o artigo “The Value Captor’s Process”, da Harvard Business Review, como um dos maiores norteadores de um POCC:

“A fundamental flaw in go/no-go decision making is the assumption that many critical elements of the future business can be defined in advance. This presumes that the venture team can specify at the outset who the intended users are, what benefits they will receive, how the business will be competitively positioned, and what should be included in a detailed list of “must have” and “would like to have” features. This kind of thinking overlooks the critical role of learning. As a venture progresses, its team often discovers that the offering appeals to a different set of users or that the desirable or deliverable benefits have changed, making it necessary to revise the competitive positioning of the business. Ventures should be treated like scientific experiments, which involve identifying gaps in knowledge, developing a hypothesis, designing a test, conducting the experiment, and evaluating the results. If the hypothesis is supported, further research along the same lines can be undertaken with greater confidence. If it is not, the scientist will reflect on the possible reasons and then either stop or redesign the experiment. Even a hypothesis that is not borne out can be valuable, because it offers new insights.”

Os primeiros modelos: The Von Liebig Center (Universidade da Califórnia) e Deshpande Center (MIT)

Criado em 2001, o Von Liebig Center nasceu a partir de uma doação de US$10 milhões da Fundação William J. von Liebeg com a missão de “(i) acelerar a comercialização das inovações da UCSD para o mercado, (ii) incentivar e facilitar o intercâmbio de ideias entre a universidade e a indústria e (iii) preparar os estudantes de engenharia para ambientes de trabalho empreendedores”. Para o cumprimento dessa missão, três atividades são desempenhadas — financiamento inicial (15 a 75 mil dólares por projeto), serviços de orientação e programas educacionais. Alguns detalhes são importantes: o financiamento é dado somente com o cumprimento de metas definidas pela gestão do programa e os “mentores” são especialistas do mercado remunerados. No braço pedagógico, há múltiplas atividades, tais como cursos, palestras, seminários e conferências — sendo um programa aberto aos estudantes da universidade que querem se aproximar do contexto de empreendedorismo tecnológico, com alguns vindo a se tornar estagiários no POCC e outros vindo a desenvolver variadas atividades empreendedoras após a vivência educacional. Já o POCC do MIT, também criado a partir de uma doação — US$17.5 milhões, com o surgimento em 2002 — se divide no programa de financiamento (grant program), programa de mentoria baseada em voluntários do mercado (catalyst program), eventos e os times de inovação (innovation teams, uma parceria com alunos de pós-graduação atuarem no suporte aos negócios nascentes como uma experiência de desenvolvimento de empresas tecnológicas).

Para conhecer detalhes do modelo, indicamos a leitura deste artigo do Journal of Technology Transfer.

Resultados e possíveis aplicações no Brasil

Um dos motivos pelos quais o termo tem começado a ganhar maior relevância no mundo são os resultados que começam a surgir, embora seja ainda um fenômeno recente e com poucos dados para inferências. Em um estudo sobre o potencial dos POCC’s na Rússia (“Proof of Concept Center — A Promising Tool for Innovative Development at Entrepreneurial Universities”), são apontados números sobre o impacto dessa nova modalidade no surgimento de empresas nas universidades:

Além dos números, outro sinalizador que trouxe maior atenção ao tema foi o anúncio, em 2011, do então Presidente americano Barack Obama sobre a criação de um programa, dentro da Startup America Initiative, de apoio aos POCC’s como uma estratégia de fomento ao desenvolvimento econômico e novas tecnologias para energia limpa (ver mais em “University Proof of Concept Centers: Empowering Faculty to Capitalize on Their Research”). Numericamente, já sabe-se que, baseado em um estudo de 2013, já haviam sido mapeados 38 POCC’s só nos Estados Unidos, o que reforça a relevância do tema. Além dos resultados em termos quantitativos, os impactos em termos de aprendizagem e amadurecimento tecnológico são destacados:

“The main expected outcomes for a PoCC are the transitions of promising technologies from the laboratory to the market, but there may be projects in which such transition is not immediately possible. In those projects, researchers however gather market insights that allow them to pursue the development of the technology, redirect their research lines, or redo project ideation, recycling the project and eventually giving it a new life.”

(The role of a Proof of Concept Center in a university ecosystem: an exploratory study)

E como seria o desenvolvimento de um POCC no Brasil? Entendendo os pilares de um POCC sendo (i) financiamento alinhado ao cumprimento de metas, (ii) processos de iteração bem fundamentados (“ventures should be treated like scientific experiments”) e (iii) ênfase no interação com a indústria e com mentores de mercado, é possível enxergar fortes aplicações nos cenários brasileiros — com algumas atividades já sendo desenvolvidas em um modelo de prova de conceitos, como o programa AWC, financiado pelo Instituto TIM (focado em graduação). O desafio se encontra nos esforços para o desenho de um processo eficiente, no trabalho de uma cultura de empreendedorismo dentro das universidades e na busca pelos recursos financeiros — desafios partilhados pelas universidades do mundo inteiro, mas que, quando bem atacados, têm trazido bons resultados suprindo o gap das universidades para geração de negócios tecnológicos em um contexto de “hard science”.

Como Wylinka, nós vemos uma relação forte com os NITs brasileiros (assim como lá fora muitos dos POCC’s são ligados aos escritórios de transferência de tecnologia). Por atuarmos há alguns anos no apoio aos NITs, com projetos de desenvolvimento, estruturação, capacitação, metodologias de avaliação e mapeamento de novas tecnologias, percebemos um grande desafio dessas organizações em um cenário de escassez de recursos e pessoas. Acompanhamos vários NITs nesse processo e vemos um fato recorrente: depois que se supera os desafios iniciais de institucionalização, operacionalização e captação de recursos, vem um desafio ainda maior – as tecnologias que eles devem trabalhar estão tão longe da inovação que apenas um rol muito restrito de empresas inovadoras se aproximam e conseguem viabilizar parcerias para leva-las ao mercado. Nesse contexto, os POCCs lançam uma nova luz sobre a problemática, propondo a construção de mais um pilar na ponte entre ciência e mercado, pilar que pode trazer mais segurança para que a ciência se aproxime das questões mercadológicas — ao mesmo tempo que dá suporte para que as empresas se aventurem e reinventem seus produtos e processos a partir do conhecimento científico que estamos gerando nas nossas ICTs. Com essa nova fronteira surgindo para o contexto de desenvolvimento tecnológico a partir da pesquisa, fica aqui a pergunta: onde será o primeiro POCC do Brasil?

Para entender mais os modelos, recomendamos a leitura dos links citados acima — especialmente o estudo “The role of Proof of Concept Center in a university ecosystem: an exploratory study”.

Autor: Artur Vilas Boas.

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