Políticas de Inovação

Como são feitas as políticas públicas de inovação? Mudando a direção de um navio em alto-mar.

10/dezembro/2021

No primeiro texto desta série, sugerimos que políticas públicas de inovação são um conjunto de políticas públicas que favorecem a criação, a utilização e a difusão de produtos e processos novos ou aprimorados, e que esse conjunto de políticas é mobilizado por grandes desafios públicos.

Aqui, queremos mostrar como isso acontece na prática: quais são os instrumentos de que governos dispõem para desenhar e executar políticas de inovação, como os governos podem desenvolver a sua capacidade de atuação contextual para desenvolver boas políticas públicas de inovação, e qual o papel da participação cidadã de diferentes setores da sociedade nesses processos.

Nenhum país, estado ou município é uma ilha. Mas só por um momento, vamos imaginar que eles sejam um grande navio de carga navegando em alto-mar. Decisões estratégicas que mudam a rota de uma navio em alto-mar — mesmo que em poucos metros — são decisivas e resultam em quilômetros de distância no ponto em que os navios atracam em terra firme. O mesmo acontece com as políticas públicas de inovação: decisões e mudanças de rota estratégicas — que podem começar de forma pequena mas que são repetidamente aprimoradas e difundidas entre os agentes de inovação — podem resultar num longo caminho percorrido no sentido da transformação de grandes desafios públicos em resultados econômicos e sociais positivos e duradouros.

Os instrumentos das políticas públicas de inovação e a primazia do contexto

Políticas públicas de inovação em geral têm como objetivo final uma meta ampla e ambiciosa, que contempla resolver grandes desafios públicos — como foi o caso das políticas de inovação colocadas em curso no Brasil entre as décadas de 70 e 90 para erradicação da poliomielite, por exemplo. Mas o objetivo imediato dessas políticas pode ser tipificado de forma mais específica, e cada um desses objetivos imediatos pode ser buscado por meio da implementação de um ou mais instrumentos de governo específicos.

Alguns dos objetivos imediatos das políticas de inovação são o fomento a pesquisa e desenvolvimento (P&D) no nível das empresas, o desenvolvimento de novas habilidades necessárias no mercado de trabalho, e o acesso à expertise necessária para o desenvolvimento de novos produtos e processos. Alguns instrumentos das políticas de inovação que costumam ser colocados em prática para que esses objetivos imediatos sejam alcançados incluem incentivos fiscais para P&D, programas de educação técnica ou vocacional, disponibilização de consultoria e serviços técnicos, e programas de fomento à especialização técnica de pesquisadores e profissionais em países mais desenvolvidos.

Partindo de estudos preexistentes, Jakob Edler e Jan Fagerberg desenvolveram uma tipologia dos instrumentos de políticas de inovação que leva em consideração duas questões principais. Primeiro, se cada instrumento é orientado a aumentar a oferta ou a demanda de inovação. Segundo, a quais objetivos imediatos de inovação cada instrumento busca responder.

Jakob Edler e Jan Fagerberg, p. 12. Disponível em: https://bit.ly/3Csl5d2

Longe de representar uma lista exaustiva de instrumentos de governo ou uma cartilha que os governos devem seguir para alcançar melhores indicadores em suas políticas de inovação, a tabela desenvolvida por esses autores suscita a importante pergunta: na prática, os instrumentos de inovação apresentados têm realmente sido eficazes na realização dos objetivos que eles almejam?

Diversos pesquisadores e organizações dedicadas às políticas públicas de inovação têm tentado responder a essa pergunta. O Innovation Growth Lab da Nesta, por exemplo, tem suportado a realização de Experimentos Aleatórios Controlados (EACs) para compreender a eficácia desses instrumentos na realização de objetivos finais como o aumento da inovação, o fomento ao empreendedorismo e a aceleração do crescimento das empresas. Assim como nos estudos reportados por Edler e Fagerberg, os resultados desses experimentos ainda são pouco conclusivos. Esses autores explicam que, por um lado, é relativamente simples avaliar os efeitos de instrumentos de políticas públicas de inovação em objetivos imediatos — por exemplo, avaliar se o fomento a P&D de fato leva a um aumento nas atividades de P&D nas firmas beneficiadas, ou se um programa de educação técnica leva ao incremento nas habilidades de seus participantes. Por outro lado, contudo, é significativamente difícil avaliar o efeito desses mesmos instrumentos nos grandes desafios públicos que eles miram de forma final — por exemplo, avaliar se o fomento a P&D de fato gera um aumento na produtividade das firmas, ou se um programa de educação técnica aumenta de forma sustentada a quantidade de empregos que levam a níveis de renda mais dignos.

Segundo esses mesmo autores, essa dificuldade se deve a fatores como a existência de interações entre os diferentes instrumentos de inovação (e mesmo entre estes e outros instrumentos de governo e decisões das firmas no âmbito privado), ao lapso de tempo em geral longo entre a produção de uma inovação e seu impacto econômico e social final, e a interdependência entre tais instrumentos e as condições do contexto em que eles são aplicados. Dessa forma, Edler e Fagerberg relatam que instrumentos de políticas de inovação similares têm gerado efeitos diferentes quando se trata do seu impacto sócio-econômico no contexto de diferentes países ou épocas.

Políticas de inovação na prática e atuação governamental contextual: alguns exemplos

Não existe um cardápio de instrumentos de política de inovação infalíveis que possa ser replicado em todo e qualquer país, região ou cidade a qualquer tempo. Contudo, governos interessados em desenhar e implementar políticas de inovação relevantes e eficazes no contexto de que dispõem podem extrair boas lições a partir da experiência bem sucedida de outros governos nesse sentido. Aqui, em vez de procurar transplantar os mesmos instrumentos de governo usados num contexto diferente, o fundamental é observar os processos desenvolvidos por esses governos para manejar e adaptar instrumentos de políticas de inovação aos seus contextos e realidades de tempo e espaço, combiná-los com outras políticas públicas, e cooperar com diferentes setores da sociedade no enfrentamento a um grande desafio público.

1. A estratégia do governo federal americano para o aquecimento global

Um exemplo atualmente em curso de atuação estatal holística em torno de um grande desafio público é a estratégia do governo federal dos Estados Unidos para a redução da emissão de gases de efeito estufa. Ela inclui padrões, incentivos, programas e suporte do governo a inovações que garantam que indústrias críticas do país produzam e coloquem à disposição do mercado tecnologias limpas. Mas ela não pára na aplicação desses instrumentos de políticas de inovação e inclui, com igual importância, um plano econômico que garanta a geração de bons empregos e um plano de justiça ambiental que melhore a saúde e o bem-estar em especial das famílias e comunidades mais vulneráveis. Num post da DEEP de março deste ano, o Artur Vilas Boas também mostrou como o presidente Biden destacou essa abordagem contextual às políticas públicas de ciência, tecnologia e inovação numa carta endereçada a Eric Lander, seu braço direito nesse tema. Num dos pontos da carta, ele provoca Lander a trabalhar para que os progressos em ciência e tecnologia criem novas soluções para combater a mudança climática e para alavancar mudanças de mercado, saltos econômicos, melhoria de saúde, e expansão de empregos, especialmente em comunidades negligenciadas.

2. Projeto QUEST (San Antonio, TX)

Um outro exemplo, que inspirou uma série de programas de inovação regionais baseados no desenvolvimento de novas habilidades na força de trabalho é o Projeto QUEST (Quality Employment through Skills Training, na sigla em inglês), desenvolvido no início da década de 90 (e ainda atividade) na cidade de San Antonio, no Texas. O contexto era de queda na demanda por trabalhos de baixa capacitação, com fechamento de fábricas na região, aliado ao aumento na oferta de trabalhos de alta qualificação, com o aquecimento de setores como o de TI. Diante desse desafio, organizações da sociedade civil local, governo municipal, centros de ensino superior comunitários e firmas atuando na região passaram a colaborar para identificar oportunidades de trabalho emergentes, e adaptar os conteúdos e a forma de oferecimentos dos cursos vocacionais pelos centros de ensino superior comunitários de acordo com a realidade da empresas e dos trabalhadores/alunos.

Quatro princípios servem de base para o Projeto QUEST: (1) empregabilidade, (2) treinamento e programas que ofereçam salários dignos para as famílias e oportunidades de avanço de carreira; (3) suporte intensivo para que as participantes superem barreiras financeiras e pessoais para a aquisição de novas habilidades; e (4) impulsionamento de recursos de treinamento já operacionais na comunidade.

Desde o início de suas atividades, mais de 8200 pessoas participaram do programa, com 91% de empregabilidade, um aumento médio de 200% em seus salários, e um retorno médio de 22,42 dólares em cinco anos para cada dólar investido no programa. Um estudo que avaliou o impacto do Projeto QUEST com base em grupos de teste e controle e olhou para o progresso dos participantes nove anos após concluírem o programa mostrou que essas pessoas se moveram da faixa da pobreza para a de classe média, com um avanço médio de salários anuais saindo da faixa de 11.722 dólares para a de 33.644 dólares. O mesmo estudo também mostrou que os participantes que mais se beneficiaram do programa foram aqueles com mais de 34 anos e com filhos.

3. Porto Digital (Recife, PE)

Por fim, um exemplo do Brasil para o Brasil mostra como é possível traçar e executar um projeto de inovação regional bem sucedido a partir da atuação contextual e cooperativa entre governo, academia e setor privado.

Porto Digital é um ecossistema de tecnologia e inovação com sede na cidade do Recife e ênfase em atividades produtivas e de ensino ligadas aos segmentos de jogos, cine-vídeo-animação, música, fotografia, design e tecnologias urbanas. Foi fundado na virada do milênio, no ano 2000, tendo como grande desafio público mobilizador a inserção de Pernambuco no cenário tecnológico e inovador do mundo. O contexto era de declínio acentuado da economia agrícola local (ligada à exportação de açúcar), incapacidade dos setores industrial e de serviços locais de competir com as firmas de outras regiões do país (em especial, do Sudeste), e existência de condições favoráveis latentes para o desenvolvimento do setor de tecnologias da informação e das comunicações (ICT) — incluindo incentivos específicos por parte do governo federal, produção de conhecimento e tecnologia de alto nível em torno da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), e a presença de um grupo pequeno mas qualificado e consolidado de empresas de software. Diferentemente do Projeto QUEST, o desafio estava não só em qualificar e garantir a empregabilidade da comunidade local para a realidade do trabalho mais ligado às habilidades digitais, mas também em aumentar a oferta desses postos, por meio da criação e sustentação de novos negócios de base tecnológica e criativa.

Um investimento inicial de 33 milhões de reais do governo estadual permitiu a construção da estrutura inicial do Porto Digital de forma bastante integrada à história e cultura da cidade, no território do “Bairro do Recife”. A política pública por trás do projeto também incluiu a criação do Núcleo de Gestão do Porto Digital (NGPD), uma associação civil sem fins lucrativos, qualificada como Organização Social (OS) pelo Governo de Pernambuco e pela Prefeitura da Cidade do Recife, com a missão de elaborar e executar a governança e os projetos estruturadores do Porto.

Desde os seus primeiros anos, e como parte do modelo de atuação colaborativa envolvendo a academia e o ambiente intelectual e técnico proporcionado pela proximidade da UFPE, o Porto Digital sedia o C.E.S.A.R (Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife), uma instituição de ensino superior dedicada a cursos nas áreas de inovação e tecnologia. Além do C.E.S.A.R, três incubadoras de empresas, duas aceleradoras e seis institutos de P&D também fazem parte do Porto.

Mais recentemente, o Porto Digital ancorou no interior do Estado. Em Caruaru, famosa pelas festas juninas e por seu pólo têxtil, o Porto tem realizado atividades de suporte à economia criativa local e ao desenvolvimento de novas áreas, como jogos e TI.

Mais de 20 anos após a sua fundação, o Porto Digital sedia hoje mais de 300 empresas e organizações públicas, além de mais de 10 mil trabalhadores, tendo gerado um faturamento de R$ 2,3 bilhões no ano de 2019.

Políticas de inovação e construção de capacidade pública, o trabalho da Wylinka

Esses exemplos mostram como o aumento do volume de inovação que leve a um desenvolvimento ambiental, social e econômico considerável depende do amadurecimento de todo o ecossistema de inovação. Levando isso em consideração, além de atuar no treinamento de cientistas para a inovação e o empreendedorismo, no desenvolvimento de soluções e negócios a partir da ciência, e no fortalecimento de ambientes de inovação, a Wylinka atua também na capacitação de agentes públicos para o desenvolvimento de políticas públicas de inovação.

Esta construção de capacidade pública é realizada por meio da metodologia Mobiliza, desenvolvida originalmente em parceria com a Nesta (instituição que atua para aumentar a capacidade de inovação do Reino Unido) a partir do Programa GIPA, realizado entre os anos de 2018 e 2019.

A principal base desta atuação é o desenvolvimento de competências de agentes públicos para o processo de criação de políticas públicas inovadoras e inclusivas. Estas competências estão ancoradas em habilidades e atitudes como Facilitação Criativa, Prototipagem, Pensamento Sistêmico, Intraempreendedorismo, Curiosidade, Imaginação, Agilidade, Foco em resultados, Resiliência, Coragem, Reflexão e Empatia. Como parte desta capacitação, os agentes são estimulados a criar políticas baseadas em necessidades reais da sociedade, prototipá-las e articular sua implementação.

Em uma das capacitações realizadas, um time de agentes públicos de entidades como Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Inovação do Mato Grosso do Sul (Fundect), Escola de Governo de Goiás, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG), se concentrou no desafio de “Fortalecer a Interação Universidade Empresa”. Como solução, propuseram um programa que envolve estudantes de graduação em projetos de pesquisa e desenvolvimento em que colaboram com pesquisadores e empresas.

Aprendizados, navegando as políticas públicas de inovação

Os exemplos acima mostram que mais importante do que seguir uma sequência infalível de manobras do timão do navio para mudar sua direção em alto-mar é como essas decisões de rumo são executadas, como elas respondem às variáveis condições do mar e dos ventos. Pensando no contexto de um país, estado ou município desenvolvendo políticas públicas de inovação, mais importante que seguir uma cartilha pré-determinada de instrumentos de políticas de inovação é quem participa e tem seus interesses representados nelas, e como as novas capabilidades geradas pela implementação dessas políticas se multiplicam, se adaptam e se difundem na sociedade ao longo do tempo, contagiando os agentes do setor público, privado e da sociedade civil.

Navegar as políticas públicas de inovação é preciso. Desenhá-las e implementá-las é impreciso — e requer planejamento estratégico aliado a muito trabalho em conjunto, criatividade e agilidade para adaptação às realidades de espaço e de tempo.

Autoras: Ana Carolina Calçado e Nathalie Gazzaneo

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