Como criar um núcleo (ou liga) de empreendedorismo na sua universidade? A gente responde.
Como criar um núcleo (ou liga) de empreendedorismo na sua universidade? A gente responde.
Aqui na Wylinka somos constantemente procurados por jovens querendo melhorar suas universidades, bem como por universidades querendo melhorar atividades para seus jovens. Em muitos lugares do mundo, os modelos de “núcleos de empreendedorismo” (ou ligas empreendedoras etc.) tem funcionado bastante — na forma de entrepreneurship societies, entrepreneurship clubs e afins. A ideia é ser um corpo encabeçado por alunos gerando uma série de atividades que constroem uma atmosfera vibrante para empreendedorismo em toda universidade, criando bases para o florescimento de muitos negócios, ou pelo menos para a formação de empreendedores que podem um dia montar empresas ou serem intraempreendedores nos seus trabalhos. Esse é um tópico que trabalhamos bastante por aqui, visto que a dissertação de mestrado de um dos nossos gestores (que é coordenador do Núcleo de Empreendedorismo da USP) é especificamente sobre o tema e boa parte da nossa equipe já liderou empresas juniores ou outra iniciativa estudantil. Com a crescente demanda de pessoas querendo criar esses movimentos em suas universidades, resolvemos escrever esse texto. Hora do mergulho!
Passo 1: a estrutura organizacional
O primeiro passo é conseguir gente engajada. Geralmente, as pessoas que já estão procurando criar um núcleo já conhecem outras engajadas para formar um time inicial — e não precisa ser muita gente. O importante é ter liberdade para se dedicar bastante à organização, pois geralmente é difícil conciliar com a graduação+estágio, sendo mais comum o surgimento desses movimentos em cursos de período integral, por exemplo. Além disso, é fundamental que seja um organismo composto por alunos sem quaisquer obrigações institucionais que matem a liberdade dos mesmos. O grande diferencial desses movimentos é a sua natureza grassroots, de baixo para cima e autônoma. Como destacam dois professores da Ollin College, uma das universidades mais inovadoras do mundo:
“The usual assumption in most organizations is that change comes from the top — through the usual top-down, hierarchical initiative of the boss — but oftentimes administrators are more experienced at perpetuating the status quo than at changing it. On the other hand, individual faculty members or students at the bottom of the pyramid often know that there is a problem and have good ideas about how to fix or improve it, but their bottom-up initiatives flounder, not because they don’t work — they do — but because they don’t diffuse or spread throughout the organization.” (Goldberg & Somerville)
Um outro elemento esperado é a natureza multidisciplinar, pois permite acessar maior diversidade de alunos com origens diferentes e resolver problemas de maneiras mais criativas. Algumas ligas no Brasil trabalham com equipes pequenas e focadas, outras possuem um “núcleo duro” com poucos, mas um corpo de apoiadores maior que é acessado para caso de atividades mais robustas como eventos grandes etc. A existência de professores orientadores/apoiadores também ajuda a dar algum nível de reforço institucional e abertura de portas. Por fim, um coordenador que auxilie na manutenção da rede de contatos, em parcerias estratégicas e em planos de longo prazo permite que o movimento se perenize enquanto a equipe operacional se atualiza com o passar do tempo (como geralmente ocorrem em empresas juniores, um tempo médio de um membro é 2 anos).
Passo 2: os princípios para operação
O desenvolvimento de ecossistemas de empreendedorismo, como já escrevemos em diversos textos aqui na DEEP, pode ser bem construído se fundamentado em uma série de princípios. Os que mais gostamos, e que mais se alinham ao desenvolvimento de núcleos de empreendedorismo, são os da Boulder Thesis, de Brad Feld:
(i) O movimento deve ser liderado por empreendedores: somente empreendedores entendem as demandas de empreendedores, e essa vivência é fundamental. Nas principais organizações do Brasil, os líderes e gestores montaram empresas depois da vivência — e suas características de empreendedores foram fundamentais para a criação do mecanismo na universidade. Ligas de empreendedorismo são como startups dentro da universidade, e elas precisam ser lideradas por bons empreendedores.
(ii) Deve haver compromisso de longo prazo: algumas lideranças precisam se comprometer a ajudar a desenvolver a organização por 5, 10, 15 anos. Brad Feld reforça isso especialmente pelo fato de o longo prazo ser a base para a construção de redes de contato complexas que permitem um bom ecossistema de empreendedorismo florescer. Esse compromisso de longo prazo se alinha à figura do coordenador que falamos no Passo #1 — alguém que não necessariamente fica na operação full time, mas que está diretamente ligado à organização, dando direcionamento estratégico e catalisando resultados por meio de relacionamentos e visão diferenciada. Quanto mais pessoas com esse compromisso, melhores os resultados.
(iii) Ser inclusivo: sempre vão haver pessoas querendo se engajar e aí surge aquele medo — “será que essa pessoa tem boas intenções? será que quer ajudar ou se aproveitar?”. A resposta de Brad Feld: dê trabalho a elas. O melhor jeito de repelir pessoas que não querem realmente contribuir é dar tarefas a serem entregues. E isso garante uma postura inclusiva e aberta, mas ao mesmo tempo com um nível de proteção impeditivo aos picaretas que gostam de surfar nas ondas.
(iv) Organize atividades para engajar a comunidade: uma atmosfera vibrante depende de movimento. Com o movimento surgem novos contatos, novas oportunidades e os resultados serendipitosos vão se desdobrando. Um detalhe importante: diversas organizações não surgiram no Brasil porque ficaram esperando a universidade oferecer os recursos perfeitos. Não é sobre ter uma boa estrutura para começar a gerar atividades, mas sim começar a gerar atividades para conseguir uma boa estrutura. Somente deixando de reclamar e executando que a instituição passa a confiar no movimento para oferecer recursos úteis (uma dica: a senha do Wifi do Núcleo de Empreendedorismo da USP é “paradechorar” por causa disso — e agora vocês já tem um ponto de internet pra acessar em terras uspianas da capital paulista).E por falar em atividades, vamos ao passo #3!
Passo 3, o mais importante: as atividades
No começo, tudo é nebuloso. Ainda não há muita clareza do que se fazer e, com a diversidade de atividades a replicar, fica um pouco difícil saber por onde começar e como construir movimento. Um padrão que tem sido construído no Brasil é o de (i) inspiração/engajamento > (ii) capacitação/ensino > (iii) conexão/rede. Em inspiração, tem-se a ideia de mostrar para o aluno que empreender pode ser uma via e que empreendedorismo é interessante independente dos planos de carreira que o mesmo possa se engajar. É o momento de acender a centelha. Na capacitação, oferta-se suporte profundo, de modo a transformar a empolgação inicial dos alunos em ação concreta. Por fim, na conexão, os projetos mais amadurecidos pela capacitação são direcionados a recursos mais específicos, como mentores, parceiros, talentos e até mesmo fundos de investimentos. O interessante é que, ao chegarem no nível de conexão, os projetos vão se tornando maduros o suficiente para retornarem à universidade nas atividades de inspiração, agora como palestrantes. Esse é um processo de retroalimentação que no Núcleo de Empreendedorismo da USP, por exemplo, já acontece com frequência. Detalhando os níveis:
(i) Inspiração: procurar por empreendedores mais jovens para contar sua história, especialmente se forem alumni da universidade. Um post no facebook procurando por ex-alunos que empreenderam já é fonte de muitos contatos. As atividades de inspiração podem acontecer em forma de palestras, bate-papos informais, participação em aulas e até mesmo na organização de “almoços empreendedores”, onde o empreendedor almoça com mais alguns alunos (no máximo 6 para permitir contato real) e troca suas experiências com mais profundidade. Aqui também entram os eventos grandes, que atraem muitos alunos por causa dos muitos convidados e workshops. Startup weekends e hackathons geralmente são os que mais geram esse engajamento inicial, e contribuem por já serem um primeiro passo na etapa de capacitação.
(ii) Capacitação: é o momento de conteúdo aprofundado e orientação mais detalhada. Em algumas universidades, esses momentos podem ser realizados junto às incubadoras ou aos NITs, de modo a aproveitar suas expertises e melhor orientar os alunos. Também entram aqui disciplinas específicas para empreendedorismo e inovação, cursos sobre o tema, programas de pré-aceleração (como o Startup Tech, que organizamos junto à UFMG) e outras capacitações, como o AWC — que investe e orienta a transformação de TCC’s em empresas. O importante nesse momento é desenvolver a mentalidade baseada em Customer Development (do 4 steps to the epiphany) para os alunos, ensinando-os a transformar ideias em negócios e os ajudando na construção de MVP’s e primeiras versões do produto/serviço. Nesse momento, ter espaços específicos mostra-se relevante: pois permite que os empreendedores fiquem concentrados em um espaço comum e sejam estimulados a trabalhar, além de, estando em um ambiente aberto, há possibilidade de novas conexões e contatos.
(iii) Conexão: porque certas coisas não cabe ao núcleo oferecer, como aportes de capital. Na conexão explora-se muito a rede do núcleo e, em ótimos casos, da universidade como um todo. E não é somente abertura com fundos de investimentos, mas também contatos em empresas e acesso a alunos que podem atuar como funcionários na empresa em crescimento. A questão de ajudar a conectar alunos com startups que estão crescendo ainda vem com um bônus: estagiar em startup é a melhor escola de empreendedorismo que pode-se ter em uma graduação. Ganha a empresa que está procurando talentos, ganha a capacitação de alunos.
Na dissertação do nosso gestor, você encontra mais detalhes, como essa tabela com diversas atividades organizadas por organizações brasileiras:
Conclusão
Como falamos no passo #2, o importante é começar a se movimentar. É com o movimento que parceiros vão surgindo, que a universidade se abre e que o impacto vai ocorrendo junto com a sorte. As ligas de empreendedorismo são agentes fundamentais na transformação das universidades para o suporte à criação de empresas, e esperamos que com esse pequeno manual você possa começar bem suas atividades por aí! Separamos também alguns materiais para aprofundamento:
- Dissertação: Organismos estudantis e o incentivo ao empreendedorismo nas universidades brasileiras (clique aqui para baixar, é a fonte da tabela acima).
- Artigo científico do prof. Etzkowitz, de Stanford, sobre um movimento de estudantes que criou uma aceleradora e superou os movimentos institucionais da renomada Universidade: StartX and the ‘Paradox of Success’: Filling the gap in Stanford’s entrepreneurial culture
- Livro: A Whole New Engineer, que nos foi indicado pelo incrível prof. Alessandro Moreira, vice-reitor da UFMG e grande parceiro Wylinka!
E se quiser começar um movimento de empreendedorismo na sua universidade, na sua incubadora ou no seu NIT, é só mandar um email para anna.bolivar@wylinka.org.br , pois é ela quem cuida do desenvolvimento de projetos com nossos clientes e parceiros 🙂
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Autor (do texto e da dissertação): Artur Vilas Boas