Comportamento Empreendedor

Como a cultura da sua empresa está matando a inovação

27/abril/2016

Como a cultura da sua empresa está matando a inovação

Hoje teremos um guest post aqui na DEEP! O convidado é o Daniel Berezin, um intraempreendedor atuando com desenvolvimento de ecossistemas na indústria de TI cuja formação, pasmém, foi em Direito — na USP. Ele se coloca como um entusiasta da ciência e de suas interfaces com o mundo dos negócios, além de acreditar no empreendedorismo como ferramenta de mudança social (assim como nós, da Wylinka!). Fim da apresentação, vamos ao texto!

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Como a cultura da sua empresa está matando a inovação

Poucas pessoas discutiriam com a afirmação que o brasileiro é um povo empreendedor. Estamos acostumados a ver gente que, com uma pitada de bom senso e muita coragem, faz a própria vida e até é capaz de acumular certo patrimônio. Alguns dos personagens mais famosos no imaginário de negócios no Brasil são facilmente encaixáveis na categoria “empreendedores natos”. Exemplos clássicos são Abílio Diniz e Silvio Santos. Porém, quando falamos de empreendedorismo inovador, a discussão fica um tanto mais espinhosa. Não é raro escutar críticas no meio empreendedor sobre como as startups brasileiras não pensam grande o suficiente. Uma pesquisa da Endeavor mostrou que 6 em cada 10 universitários no país pensa em empreender, mas menos de 2 em cada 10 crê que seu negócio traz inovação ou mesmo que pode vir a empregar mais de 25 funcionários nos próximos cinco anos.

Uma boa parte desses universitários passará parte ou a totalidade de suas carreiras em empresas privadas. Se o ímpeto empreendedor deles já sofre frente às forças do mercado e à dificuldade que é montar o próprio negócio no Brasil, quando confrontados com a realidade de muitas empresas, esses empreendedores em potencial desanimam de vez. E aí chegamos naquela clássica questão sobre o que veio primeiro: o ovo ou a galinha? O que destrói o ímpeto inovador dos funcionários de grandes empresas? Será que ele é perdido ainda na escola? Será que a cultura, os processos, a política e a burocracia das empresas é que são responsáveis por essa perda da vontade de inovar? Ou seriam ainda a insegurança e a falta de incentivos do governo que impedem que uma cultura de empreendedorismo inovador floresça em nossa sociedade?

Uma cultura de empreendedorismo não se constrói apenas com eventos para startups, empreendedores de bermuda e executivos de grandes empresas “descolados”. Mais do que isso, é preciso que as pessoas estejam focadas em produzir inovações. Só que inovação e empreendedorismo não se criam do nada. É preciso alguns ingredientes. Estes podem ser muitos: dinheiro, conhecimento técnico para criar ou aprimorar tecnologias, ímpeto e vontade empreender, etc. Mais do que isso: fomentar uma cultura de empreendedorismo deve estar alinhado com objetivos estratégicos da empresa. Não se trata simplesmente de dar uma roupagem “bacana” para os funcionários e para a empresa em si, fazer com que eles subam no palco e balbuciem frases motivacionais do tipo “qualquer um pode ser um empreendedor, basta acreditar! ”. Colocar uma bandeira na parede não torna ninguém inovador.

Empreender com substância, mesmo dentro de uma organização, é um processo árduo, que envolve necessariamente estar aberto a cometer erros e aprender com ele. Envolve aprender a superar a frustração e a criar resiliência para persistir em experimentações que muitas vezes desafiam a cultura da própria empresa. Envolve estar imerso em uma cultura que sobretudo aceita abertamente os erros (as experimentações) e percalços naturais do empreendedorismo e da inovação. Fail fast, learn quickly, como dizem.

Inovação não é simplesmente o ato de criar uma novidade. É mais profundo do que isso: é agregar um valor inédito por meio de experimentação. É gerar mudança de comportamento no ser humano (veja esse exemplo do time do Slack). Nenhuma grande inovação — seja ela incremental ou disruptiva — surgiu pronta. É sempre necessário realizar diversos experimentos. Experimentos implicam falhas, muitas falhas. Não existe inovação sem que antes exista o fracasso, e é preciso ter isso em mente ao se buscar fomentar o empreendedorismo nos meios corporativos.

O início do fim: como desaprendemos a empreender na sala de aula.

Em um dos cursos de direito mais tradicionais no país, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, um certo professor, munido da Constituição Federal e do estatuto da faculdade, proibiu os alunos e alunas de irem vestidos de shorts e chinelo em sua aula. A justificativa? Ele estaria educando os alunos para a vida, e não somente para a sua matéria.

Você deve estar se perguntando: “mas o que isso tem a ver com inovação”? A resposta, simples e objetiva é: tudo.

A definição clássica de empreendedor (ver clicando aqui) guarda uma relação bastante íntima com a ideia de instituição. O empreendedor, em sua jornada, recebe tanto o apoio de algumas instituições quanto desafia outras. Essa relação com o que está “posto” é fundamental para definir a ação do empreendedor na economia. Não se pode revolucionar mercados sem necessariamente desafiar, de alguma maneira, o que é entendido como convencional. Nesse sentido, voltamos à ideia de experimentação e tolerância ao erro. Se queremos uma educação que prepare mais empreendedores, precisamos aceitar que o erro faz parte do aprendizado — muitas vezes mais do que o acerto. Portanto, um modelo que premia o acerto e pune o erro não parece adequado para esses objetivos. O paradigma do “estudante nota 10” precisa ser questionado.

Assim, a educação para o empreendedorismo possui um papel duplo. Ela deve fornecer às pessoas ferramentas para que elas possam questionar instituições adequadamente (raciocínio lógico, pensamento crítico, habilidades analíticas etc.) e espaço para que se possa exercitar esse questionamento. E por mais que o primeiro elemento tenha lá seus problemas, é em relação ao espaço para questionamento que mora o verdadeiro perigo.

O tal professor da PUC certamente já foi aluno um dia. E das duas, uma. Ou ele era um aluno de shorts que “por força da vida” aprendeu a usar calças. Ou ele era um aluno que sempre usou calças que não gostava de quem usasse shorts. E quando virou professor, passou a usar de sua autoridade para fazer os alunos se conformarem a usar calças no verão, numa sala sem ar condicionado. Esses alunos virarão chefes e professores algum dia. E pode ser que eles achem OK usar da própria autoridade para tolher a liberdade de seus alunos ou subordinados. Pior: esse discurso recheado de restrições tende a ser reproduzido na vida profissional. Quantas vezes não esbarramos no status quo quando queríamos fazer algo diferente e inovador? Quantas vezes esse mesmo status quo, seja uma regra, seja uma política velada, não fazia sentido algum — e mesmo assim as pessoas procuravam maneiras de justificá-lo?

Essa relação de subserviência com a autoridade mata o empreendedorismo. Se empreender é questionar o status quo, como lidar com um ensino que nos doutrina para fazer justamente o contrário?

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O golpe de misericórdia: onde está nossa cultura de empreendedorismo?

Outro elemento que costura tudo o que já foi falado, mas que é refletido de maneira pervasiva nas nossas relações, sejam elas pessoais ou profissionais, é a cultura.

Quando falamos com admiração sobre o ecossistema do Vale do Silício, de Israel, da Suécia ou da Estônia, muitas vezes tratamos os fenômenos do empreendedorismo inovador nesses países como um dado — algo que simplesmente surgiu. Esquecemos, no entanto, de focar nossos esforços em entender quais foram as razões de o modelo de empreendedorismo inovador ter dado tão certo nesses lugares e não em outros que investem pesadamente nisso. A resposta: cultura.

Traços distintivos de cultura, como a chutzpah israelense — ousadia que beira a arrogância- , mostram que quanto mais horizontal a cultura, menos barreiras à inovação existem (recomendamos a leitura do livro “Nação Empreendedora”, sobre a cultura de inovação de Israel). No Vale do Silício, por exemplo, não é incomum relatos de altos executivos realizando tarefas que poderiam ser percebidos como muito abaixo de seus níveis hierárquicos — como ensina o pessoal do Evernote.

Inovação não é algo que surge por decreto. Ao contrário, é um fenômeno que surge da base para o topo. O próprio modelo de “Inovação Disruptiva” de Christensen prega que a inovação deve atingir primeiro a base da pirâmide (o não usuário) para depois atingir as camadas mais altas, culminando com usuários high end, sob o risco de se traduzir apenas em inovação incremental. Assim, para que se possa falar em DNA de inovação, é importantíssimo trabalhar o elemento da cultura, seja em grandes empresas, seja na sociedade como um todo. E cultura, por si só, não é um conceito simples de se definir ou uma variável fácil de mudar. Além da questão da horizontalidade, também é necessário fomentar a colaboração na cultura das empresas. Jogos de poder e territorialismos, por exemplo, são contraproducentes fazem mais mal do que bem para a cultura das empresas em geral. Repetimos em caixa alta, negrito e sublinhado: A INOVAÇÃO MORRE QUANDO NÃO HÁ COLABORAÇÃO.

Mais uma vez, este é um aspecto cultural do brasileiro que barra a inovação. Um relatório da Accenture (veja aqui) mostrou que o Brasil está em 54º em uma lista de 59 países no tocante ao grau de confiança que se tem em outras pessoas. Este estudo revela uma importante questão no tocante à produção de inovação, sobretudo em empresas. É preciso que o alto escalão também esteja disposto a esta mudança, muitas vezes sacrificando privilégios próprios, para que possam inspirar e apoiar iniciativas empreendedoras.

Matar a inovação é algo inevitável nas grandes empresas?

Como vimos, fomentar empreendedorismo e inovação é uma tarefa árdua e que passa necessariamente pelo desafio às instituições vigentes. É, para muitas corporações, uma mudança radical, pois implica mudar o racional com o qual elas trabalham. Abraçar a possibilidade de erro, ao invés de evitá-la a todo custo, é desafiar a essência da nossa cultura corporativa atual. Essa mudança, entretanto, não precisa ser um tiro no escuro. É importante experimentar, mas isso não impede que grandes empresas possam se aproveitar do conhecimento que está sendo gerado nas universidades e no meio empreendedor em geral. Basta lembrar que os principais modelos de políticas públicas voltadas para inovação são baseados no conhecimento (knowledge-based innovation), como o modelo de Hélice Tripla, que reflete muito o que acontece em Stanford, MIT e Israel.

Boas iniciativas não faltam em nossa sociedade. Um exemplo é o Núcleo de Empreendedorismo da USP, organização autônoma e liderada por alunos que tem desempenhado um forte trabalho no desenvolvimento de empreendedorismo na Universidade. A abordagem baseada em redes praticada por esse pessoal é bastante efetiva, para, por exemplo, reduzir a sensação de hierarquia entre as pessoas e criar ambientes mais colaborativos. O chamado movimento grassroots foi uma maneira na qual a USP encontrou para permitir que a inovação aconteça. Um dos líderes do NEU costuma dizer uma frase da Google para gestores de grandes empresas que lá vão para buscar inspiração: inovação não precisa ser financeiramente incentivada, precisa ser culturalmente permitida. Um aprendizado com esses caras: inovação precisa ter significado e significância. Inovar por inovar não existe. Basta ver a rede de startups ligadas ao NEU e você entenderá como isso reflete: 99taxis, Nubank, Lean Survey, Ifood, Kekanto, Worldpackers e tantas outras que se concentraram em gerar impacto em vez de se perder na hype da inovação como oba-oba.

Também é preciso entender que as empresas podem cumprir um papel importante na formação do profissional. Não basta criar eventos de recrutamento, nos quais se fala das maravilhas de se trabalhar na empresa “X” ou “Y”. Primeiro, porque na esmagadora maioria das vezes a experiência vendida é maquiada, e hoje em dia os empregados avaliam as empresas tanto quanto as empresas avaliam os empregados (não sabia disso? Acesse o Love Mondays ou o Glassdoor). Segundo, porque as empresas que de fato conseguem reproduzir uma experiência de trabalho fantástica são poucas e recrutam apenas os melhores (aqueles que precisam de menos lapidação ou são lapidados muito rapidamente).

Então como interagir com as universidades de forma a aproximar a realidade do mercado? Uma boa alternativa seria abrir seletivamente problemas das empresas para esses jovens. E não só durante processos de recrutamento. Esse tipo de trabalho (estudo de cases) já é feito em MBAs no exterior há anos — por que não adaptá-lo para faculdades de química, engenharia, direito, entre outras? Mais: por que não ir mais além e pedir soluções de problemas reais a estes estudantes? Sempre é bom lembrar que heurística só é alcançada com perspectiva — e é o que se espera dos profissionais de uma empresa.

Universidades e empresas precisam atuar como vitrines recíprocas. As inovações que surgem nas universidades não podem se restringir à universidade. É preciso de gente que seja capaz de enxergar o que esteja sendo produzido na universidade. Para isso, não basta financiar laboratórios de professores. Aqui, mais uma vez, é preciso prestar atenção em movimentos grassroots, tanto de alunos quanto de professores e pesquisadores. O interesse no que é produzido pela universidade — pelos alunos de graduação, mestrado, doutorado e professores — precisa ser genuíno. Da mesma forma, é preciso oferecer condições justas para que o pesquisador possa confiar parte do seu trabalho na empresa. Relegar esse trabalho apenas ao time jurídico com certeza vai gerar problemas. Novamente, se não houver colaboração de verdade, a inovação vai estagnar. Só que dessa vez num termo de contrato. Alguém capacitado, mas com missão de negócios precisa ter ownership desse tipo de interação. Não é coincidência que as empresas capazes de fazer isso bem saem na frente no mercado.

Por fim, mas não menos importante, é preciso lidar com os problemas internos às organizações. Tratam-se de questões relacionadas à cultura, processos, protocolos e outros empecilhos à inovação. Uma boa solução para fomentar inovação é interagir de diferentes formas com startups. A relação clássica — baseada na aquisição de empresas menores por grandes empresas — pouco ajuda, e até atrapalha assimilar traços culturais positivos. Mas se uma grande empresa estiver disposta a agir com humildade e aprender com o que as startups tem a ensinar, o resultado pode ser muito promissor.

Mesmo no Brasil, onde o ecossistema é relativamente novo, é possível aprender muito com a cultura de empresas novas. Em um ambiente altamente dependente da colaboração e redes, boas práticas surgem mais facilmente. Iniciativas de engajamento e aprendizado com startups visam capturar uma parte desse valor, gerando ainda benefícios ganha-ganha para ambos os lados. A IBM Brasil, por exemplo, ofereceu aos seus arquitetos um curso de capacitação ministrado por uma aceleradora e que promove a interação com startups. De um lado, temos a energia, a falta de vícios e cacoetes e a utilização de ferramentas mais modernas — especialmente de comunicação. De outro, temos o conhecimento do mercado, o acesso a grandes empresas e a experiência.

Ainda assim, esse tipo de engajamento — da mesma forma que copiar boas práticas — não é o suficiente para gerar uma cultura de inovação. É discutível se o modelo organizacional vigente em grandes corporações consegue fazer a inovação perdurar. Mas é inegável que sem apoio executivo, iniciativas ditas inovadoras sequer surgirão. Vamos criar coragem, então, para questionar o modelo organizacional dominante, adaptando-o quando possível e mudando drasticamente quando necessário. Inovação, especialmente dentro das corporações, vem de baixo para cima, mas precisa ser apoiada de cima para baixo. Assim como no programa de pré-aceleração interna da Porto Seguro, no qual os funcionários com ideias selecionadas recebem uma licença de três meses para transformá-las em negócios.

Acima de tudo, o que precisa ficar claro é que não haverá inovação enquanto não houver experimentação contínua. Isso não significa financiar toda e qualquer ideia que pareça inovadora. Mais do que isso: é preciso se permitir errar e aprender com esses erros — não jogá-los para debaixo do tapete. Nunca é demais ressaltar que inovação não é item de fast-food. É preciso entender quais são os elementos que trazem inovação, experimentar com eles e medir sua efetividade a partir do que já foi realizado. E sim, muita coisa vai dar errada no caminho. Mas, como dizem alguns, “não dá para inovar andando de rodinhas na bicicleta”. Por isso, precisamos mais do que nunca nos mover rápido e quebrar algumas coisas no caminho.

Quer mergulhar em mais conteúdos sobre empreendedorismo e inovação nas empresas? A Wylinka indica:
-Livro: O Dilema da Inovação (Clayton Christensen)
-Artigo acadêmico: From R&D to RID: Design strategies and the management of innovation fields
-Ebook: How do the World`s Biggest Companies Deal with the Startup Revolution?

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