Cientista empreendedor(a): darwiniano, missionário ou comunitário?
Um dos temas que gostamos de discutir bastante aqui na Wylinka é sobre as características individuais de empreendedores e empreendedoras. Já tratamos em textos diversos no passado, como no texto “Universidades: a inovação mora na tradução”, em que discutimos o trabalho de Sauerman & Stephan sobre como indústria e academia tem características individuais bem distintas no que tange a natureza do trabalho (pragmático x exploratório), ambiente de trabalho (liberdade x remuneração) e exploração da descoberta (divulgação livre x segredo industrial), mas hoje vamos falar de um estudo recente bem interessante sobre outro aspecto da característica dos cientistas: a auto-percepção. Vamos nessa?
O estudo: identidade e competitividade
Em 2023, Clarysse e outros publicaram no journal Research Policy, um dos melhores na área de ciência e inovação, um estudo bem legal discutindo identidade e efeitos dela em crescimento e sucesso de novos negócios. De acordo com os autores, e baseando-se em um estudo clássico sobre orientações individuais, empreendedores podem ter três tipos de identidade:
- Darwiniano: fundadores motivados a interesses individuais, geralmente refletindo em uma ambição voltada a conquistas financeiras, patrimônio pessoal e crescimento em market share.
- Missionário: fundadores motivados a avançar uma causa em particular, valorizando comportamento responsável que contribui para um mundo melhor. Neste caso, sua ambição volta-se para a sociedade como um todo.
- Comunitário: fundadores motivados a apoiarem e serem apoiados por uma comunidade marcada por relacionamentos significativos. Comunitários usualmente voltam-se mais para seus pares, buscando oferecer soluções para contextos menores.
Como você pode ter notado, conseguimos ver “personas” de cientistas bem mais claras nas identidades de missionário e comunitário, certo? Em alguns casos, cientistas desenvolveram-se muito mais centrados em fazer contribuição para sua comunidade acadêmica e seus pares – e sua auto-realização está no reconhecimento e contribuição para esse pequeno grupo (identidade comunitária). Em outros casos, percebe-se um perfil mais missionário, em que a cientista volta-se para uma realização maior com sua pesquisa, desenhando impactos concretos para um amplo espectro da sociedade. Mais raramente, temos um perfil Darwiniano – o que é natural, dado todo o ethos da ciência aberta. Apesar disso, você consegue enxergar os impactos dessas identidades em competitividade dos negócios?
Foi exatamente o que o estudo buscou analisar. Primeiro, os autores identificaram que o ambiente acadêmico induz a uma reduzida identidade Darwiniana e elevada identidade Comunitária, o que era de se esperar. Além disso, cientistas empreendedores demonstram menor orientação ao crescimento do negócio comparado com os demais. E piora: orientação a crescimento se associou tanto a sobrevivência do negócio quanto à captação de recursos financeiros. Desta forma, o estudo levanta um grande alerta para cientistas, universidades e gestores de políticas públicas: a depender do ambiente que estamos criando, podemos estar criando bases para o insucesso, independente das outras políticas públicas que possam ser desenhadas.
Há saídas?
Se fosse um caminho sem saída, não haveria nem motivo para a Wylinka existir. Porém, tanto esse estudo quanto outros trabalhos defendem uma série de possibilidades para estimular impacto e ambição a crescimento em fundadores acadêmicos.
Em primeiro lugar, as três identidades não são rígidas: existem modelos híbridos (ex: darwiniano e comunitário) que, se bem regulados, podem criar bons espaços. Além disso, esforços ligados à socialização nas identidades também auxiliam em mudanças de auto-percepção e orientação pessoal – por exemplo: um cientista com identidade comunitária pode, ao conviver com empreendedores de identidade missionária-darwiniana, perceber que sua invenção pode gerar impacto social e ainda trazer retornos para si, seus pares e para seu laboratório, e assim desempenhar passos para seguir com uma jornada mais empreendedora.
Ao mesmo tempo, esse cientista pode entender que sua praia é realmente fazer avanços para sua comunidade e pares, mas desenhar um laboratório em que pesquisadores emergentes, como pós-docs, possam fazer spin-offs a partir das invenções geradas e beneficiar todos os envolvidos. Por fim, programas diversos de capacitação de cientistas em empreendedorismo, como o Acelerando Cientistas, que passou a se chamar Jornada Spark, realizado pelo Sebrae for Startups, com execução aqui da Wylinka, no qual já capacitamos +1000 cientistas no tema, aproximando suas realidades, ambições e ferramentas para um contexto mais orientado a negócios.
Caso queira se aprofundar, deixamos aqui alguns textos nossos e estudos que consideramos importantes:
- Texto nosso: o modelo de SATTs no estímulo a Deep Techs
- Artigo do Clarysse et al. (2023): Why academic entrepreneurs aspire lower venture growth
- Artigo de Fisher et al. (2015) sobre mudança de identidade ao longo da criação do negócio
E se quiser pensar em mais programas voltados para o estímulo à criação de Deep Techs ou formação de cientistas empreendedores(as), não deixe de nos procurar, pois temos uma série de boas práticas na manga para serem implementadas! É só entrar em contato com nosso comercial, Anna Bolivar (anna.bolivar@wylinka.org.br). Também não deixe de nos acompanhar nas redes sociais – Linkedin e Instagram.