Cultura 101: construindo boas práticas do zero.
Cultura 101: construindo boas práticas do zero.
O novo momento do país para startups — com uma leva de unicórnios surgindo e grandes quantias sendo aportadas — traz novos desafios para startups: como escalar de maneira saudável? como criar um ambiente competitivo para atrair e reter talentos? A resposta é uníssona: cultura.
O desafio é que poucas pessoas tiveram acesso a aulas/leituras dedicadas, e bem construídas, sobre cultura organizacional no Brasil, gerando um grande déficit na qualidade das lideranças e das culturas que estão sendo criadas. E para isso resolvemos escrever uma introdução geral sobre o tema com dicas sobre como começar. Se prepara para o mergulho!
O que é Cultura?
Se formos buscar na etimologia da palavra, Cultura vem de cultivar, e isso por si já fala muito. Nessa linha, a melhor definição para Cultura vem do conceito de valores e práticas cultivadas dentro de uma empresa, e como isso reflete no ambiente interno e externo do negócio. Na sociologia, por exemplo, falar sobre Cultura é falar sobre os saberes e fazeres acumulados de uma sociedade — uma pessoa culta, por exemplo, é uma pessoa com muitos saberes e fazeres acumulados.
Como isso impacta nos negócios?
Como falamos na abertura do texto, cultura tem relação direta com atração e retenção de talentos. Se você não tem conseguido atrair ou reter bons talentos, pode ser importante refletir sobre a cultura. Uma dica: muitas vezes, um bom termômetro para cultura é verificar o quanto o seu time indica seu negócio para outras pessoas trabalharem.
Mas não só em atração e retenção, o reflexo da Cultura como valores compartilhados impacta bastante no produto: equipes podem não dar o melhor de si; a criatividade pode estar sendo minada por falta de empoderamento; o atendimento e a relação com o cliente pode estar em um nível abaixo do esperado e muito mais. Um exemplo é o caso da Zenefits, que ao perder o controle de bons valores compartilhados, deparou-se com escândalos de times de vendas burlando a legislação, assédios e outras coisas que desencadearam na demissão do CEO e no corte de cerca de 250 funcionários. Recomendamos essa excelente leitura sobre o caso.
Embora quando se fale nos impactos de Cultura, é comum trazer os grandes escândalos, uma Cultura mal trabalhada é a causa dos sintomas de muitos negócios que se encontram em uma situação silenciosa de estagnação/decadência contínua. São as empresas que não conseguem atrair talentos que mudam o jogo, que se mantém do mesmo tamanho há anos e que ficam altamente dependentes dos humores do mercado, não inovando ou ganhando relevância pelos produtos que constrói.
Sente que você é um desses casos? Quer evitar cair nisso? Então bora para as dicas práticas!
Construindo uma Cultura poderosa
O ideal é que a Cultura seja construída desde o começo de uma organização. Não necessariamente com o time de fundação, pois ainda há pouca informação para nortear a construção. Geralmente, os principais valores são identificados nos primeiros meses, especialmente com o time inicial que vem com as primeiras contratações. Nota importante: as primeiras contratações são fundamentais, não negligencie isso.
Neste momento inicial (ou mais à frente, buscando redesenhar sua Cultura), é muito importante pensar em quais as prioridades das decisões, e isso geralmente reflete nos valores que serão postulados. Uma boa dica ao se pensar em valores é pensar nas decisões difíceis: o que queremos priorizar quando diante de decisões cabeludas? Esqueça só os valores que todas as empresas têm (transparência, excelência etc.), pense nas decisões difíceis que já tomaram e que deverão tomar no futuro — quais serão os valores que você quer que toda operação tenha ao decidir por conta própria?
Elencamos dois pontos importantes na construção de uma cultura eficaz: seus ativos humanos e seus rituais para comunicação.
Os ativos humanos
Se cultura são os valores e práticas cultivados dentro da empresa, o papel das pessoas que disseminam, alimentam e destroem isso é fundamental. De nada adianta uma série de rituais, mensagens motivacionais, quadros com valores desenhados etc. se as pessoas no dia-a-dia reforçam comportamentos tóxicos. Isso acaba gerando o famoso “RH de Checkboxes”, no qual há uma série de práticas de RH realizadas, mas os líderes não confiam nos liderados, há maustratos quando as coisas apertam e não há valorização ou oportunidade de crescimento. Bons talentos reconhecem e são avessos ao modelo de RH de Checkboxes. O Gary Vaynerchuck tem diversas falas sobre isso, recomendamos! Outra leitura recomendadíssima é essa do pessoal do Hackernoon, falando sobre como desmotivar um time de tecnologia.
Como foi falado nesse excelente artigo do pessoal da Canary, com dicas de líderes da Meliuz, Loft, AppProva e Dr. Consulta, a Cultura é muito definida por quem você contrata, promove e demite. 😉
Os rituais para comunicação
Havendo um ambiente saudável em termos de pessoas e lideranças, a atenção aos “Checkboxes” é super bem vinda, e rituais tornam-se boas estratégias para cultivar relacionamentos e reforçar a cultura da organização por meio de uma comunicação massiva. Uma série de rituais podem ser feitos, como programas de avaliação de desempenho e plano de desenvolvimento pessoal frequentes, café-da-manhã com CEO, reuniões all hands (todas as pessoas da organização reunidas para levantar questões livremente), espaços para comunicação segura etc. Uma das práticas mais comuns são as one-on-one’s, conversas individuais com perguntas norteadoras que ajudam a destravar impedimentos, resolver problemas e verificar o alinhamento individual entre líderes e time. Muitas vezes, alguns líderes negligenciam essas conversas, acreditando que todos estão confortáveis e que há abertura sempre para diálogo, mas as one-on-one’s revelam muitas coisas, e essa negligencia pode matar a cultura. Em um excelente exemplo da importância de one-on-one’s, Ben Horowitz reforça a importância dessa ferramenta em seu livro “Hard things about hard things”:
“Chegou ao meu conhecimento que um de meus gerentes não tinha tido uma one-on-one com nenhum de seus liderados em mais de seis meses.
Quando seu chefe entrou em meu escritório, fiz uma pergunta: “Steve, você sabe por que eu vim trabalhar hoje? Sabe por que eu me levantei de manhã? Por que eu me importei em vir ao trabalho? Se era sobre o dinheiro, não era mais fácil eu vender a empresa e ter mais dinheiro do que eu gostaria. Eu não quero ser famoso, na verdade, o oposto.
Steve: “Acredito nisso”.
Eu: “Bem, então por que eu vim para o trabalho?”
Steve: “Eu não sei”
Eu: “Bem, deixe-me explicar. Eu vim para o trabalho porque é pessoalmente muito importante para mim que a Opsware seja uma boa companhia. É importante para mim que pessoas que passam de 12h a 16h por dia aqui tenham uma boa vida. É por isso que venho trabalhar”.
Steve: “Ok”
Eu: “Você sabe a diferença entre um bom lugar para trabalhar e um lugar ruim para trabalhar?”
Steve: “Hm, acho que sim.”
Eu: “Bom, quebrando em partes.”Em boas organizações, as pessoas podem se concentrar em seu trabalho e ter confiança de que, se fizerem seu trabalho, as coisas boas acontecerão tanto para a empresa quanto para elas pessoalmente. É um verdadeiro prazer trabalhar em uma organização como assim. Todas as pessoas podem acordar sabendo que o trabalho que fazem será eficiente, eficaz e fará a diferença para a organização e para elas mesmas. Isso torna seus trabalhos motivadores e satisfatórios.”
“Em uma organização ruim, por outro lado, as pessoas gastam muito do seu tempo lutando contra limites organizacionais, disputas internas e processos quebrados. Eles nem sequer sabem com clareza quais são suas tarefas, então não há como saber se eles estão cumprindo bem ou não. Caso ocorra um milagre e elas se matem para conseguir cumprir com suas tarefas, elas não têm ideia do que isso significa para a empresa ou para suas carreiras. Para piorar e esfregar sal na ferida, quando elas finalmente criam coragem para dizer à gerência como a situação é *****, a gerência nega que exista um problema, defende o status quo e, em seguida, ignora o problema.”
Steve: “Ok”
Eu: “Você está ciente que Tim, seu subordinado, não se encontrou com nenhum de seus funcionários nos últimos seis meses?”
Steve: “Não.”
Eu: “Agora que você está ciente, percebe que não há nenhuma maneira possível de ele ser informado se a organização dele é boa ou ruim?”
Steve: “Sim”
Eu: “Em resumo, você e Tim estão me impedindo de alcançar meu único e exclusivo objetivo. Vocês se tornaram uma barreira me impedindo de alcançar meu objetivo mais importante. Como resultado, se Tim não se encontra com cada um de seus liderados nas próximas vinte e quatro horas, não terei escolha a não ser demitir ele e você. Estamos claros?
Steve: “Como cristal.”
Como podem ver, o alinhamento que as one-on-one’s geram é algo chave para que sua equipe tenha uma vida boa 🙂
Recomendamos: Esse tweet do Daniel Gross, que tem passagens pela Apple e Y Combinator, levanta boas práticas em perguntas norteadoras de uma One-on-one. No post da Canary citado acima, o Matheus Goyas, co-founder do AppProva compartilhou as questões que ele usa:
– Você está com todos os insumos de que precisa?
– No que eu posso te ajudar?
– A meta do seu time está on track? Se sim, como podemos acelerar? Se não, por que?
– Você e seu time estão felizes? Se não, o que podemos fazer de diferente?
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#wyrock
Autor: Artur Vilas Boas